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“E será à sua Excelência, senhor Presidente, que dirigirei meus clamores, a verdade, com toda força da minha revolta de homem honesto. Conheço a sua honra e, por isso, sei que ignora a verdade. A quem mais eu poderia denunciar a turba malfeitora dos verdadeiros culpados, que não à Sua Excelência, o primeiro magistrado do país?”
Emile Zola, em carta aberta ao Presidente da França, sobre o caso Dreyfus
Em 1894, Alfred Dreyfus, Oficial de Artilharia do Exército da França foi julgado por alta traição – espionagem – e condenado à prisão perpétua, na Guiana Francesa. Após um segundo julgamento em1898, a sentença foi mantida mesmo sem provas suficientes, o que provocou a indignação de Émile Zola, prestigiado escritor francês, à época. Em carta intitulada J'accuse (Eu acuso), endereçada ao Presidente da República, Félix Faure, e publicada no jornal literário L'Aurore, assim se expressou Zola:
“Ah! A inutilidade desse ato de acusação! É um prodígio de iniquidade que um homem tenha sido condenado por meio desse ato. Desafio todos os homens corretos a lê-lo sem que seu coração se encha de indignação e não grite de revolta, vendo o exagero da pena [...].
Zola defendeu veementemente a inocência do Capitão Dreyfus – que era judeu – considerando-o vítima de sórdida trama racista.
Seu posicionamento a favor da realidade dos fatos promoveu um inflamado debate público sobre o caso, e mobilizou o país. Condenado por difamação, ele refugiou-se na Inglaterra, só retornado à França quando não havia mais risco de ser preso. Sua indignação é reconhecida até hoje como exemplo de reação contra o autoritarismo judicial, de alerta sobre as consequências da omissão oficial da verdade – em especial pelo governo, imprensa e intelectuais – e dos perigos da impotência diante da injustiça política.
“... e é um crime ainda terem se apoiado na impressa imunda, terem se deixado defender por toda a canalha de Paris, de modo que é essa canalha que triunfa insolentemente, diante da derrota do direito e da simples probidade. É um crime [...] tramarem eles próprios a impudente conspiração para impor o erro ao mundo inteiro. É um crime confundir a opinião pública, utilizar para uma sentença fatal essa opinião pública que foi corrompida até o delírio.
[...] quando toda a ciência humana está a serviço da obra iminente da verdade e da justiça. Essa verdade, essa justiça, que tão apaixonadamente desejamos, que aflição vê-las assim esbofeteadas, mais desprezadas e mais obscurecidas.”
No governo do PT do Século XXI, parece que não foram suficientes os abusos das centenas de prisões de cidadãos inocentes, consequência dos eventos de 8 de janeiro. Agora, por infeliz coincidência, estamos vivendo também situação semelhante ao caso Dreyfus.
O Ten Cel Mauro Cid, um militar das Forças Especiais, com reconhecidos bons serviços prestados por mais de 20 anos ao Brasil, foi preso com requintes de perseguição política, em processo nebuloso, sem que sejam de público conhecimento as “terríveis acusações” que pesam sobre ele, além de prosaicas suspeitas de adulteração de certificados de vacina. Talvez, ter sido auxiliar direto do ex-presidente Bolsonaro seja o seu delito maior.
De fato, temos um Oficial do Exército preso, sem estar indiciado ou que haja sentença contra ele, sem regalias e praticamente incomunicável, como criminoso comum.
Ainda que seja julgado culpado, independente da gravidade de quaisquer crimes cometidos, a realidade é que o devido processo legal não foi respeitado, o que se pode constatar, sem maiores considerações, apenas nos remetendo ao Estatuto do Militares:
[... ] Art 74 . Somente em caso de flagrante delito o militar poderá ser preso por autoridade policial, ficando esta obrigada a entregá-lo imediatamente à autoridade militar mais próxima, só podendo retê-lo, na delegacia ou posto policial, durante o tempo necessário à lavratura do flagrante.
Como Zola, eu poderia acusar de prevaricação o Comandante em Chefe das Forças Armadas - o próprio Presidente Lula - que ao invés de defender um seu subordinado vítima de arbitrariedade, preferiu aliar-se à indisfarçável perseguição política, atualmente conduzida pelo Poder Judiciário, contra o antigo Presidente e seus simpatizantes.
Eu poderia, da mesma forma, acusar de cumplicidade todos os superiores diretos do Ten Cel Cid, a começar pelo Sr Ministro da Defesa, pela omissão quanto à ilegalidade do ato monocrático perpetrado por um Ministro do STF.
E ainda, acusar também a OAB, as Associações de Magistrados, a CNBB, além de todas as Organizações de Defesa dos Direitos Humanos deste país, pela intencional negligência dispensada ao caso – provavelmente por razões ideológicas – com um silêncio criminoso sobre o não cumprimento da lei e o desrespeito aos direitos de um cidadão linchado virtualmente, sem qualquer voz em sua assistência.
Mas, não o farei.
No Brasil, “a liberdade não é um direito e sim uma emoção” - segundo uma Ministra do STF – o que denota toda a nossa atual insegurança jurídica. Hoje, expressar opinião, mesmo em particular, sobre o que dizem ou decidem nossos magistrados e autoridades – como na França do Século XIX – pode ser interpretado como crime inafiançável de difamação.
Zola morreu em seu apartamento, em 1902, sem ver Dreyfus reabilitado, o que somente aconteceu em 1906. Contudo, seu libelo acusatório será sempre o evangelho dos verdadeiros apóstolos da verdade:
“Não que eu duvide, aliás, nem um pouco, que a verdade triunfará. Repito-o, e com uma certeza ainda mais veemente: a verdade está apenas a caminho e ninguém a deterá. As coisas estão apenas começando, pois apenas agora os fatos estão claros: de um lado, os culpados que não querem que a justiça se faça; de outro, os honestos que darão sua vida para que ela se faça.
Já o disse antes, e vou repeti-lo aqui: quando a verdade fica soterrada, ela toma corpo, e ganha tal força explosiva que, quando explode, leva tudo consigo. Veremos se o que acaba de ser preparado não será mais tarde o mais retumbante dos desastres.”
Nisso eu creio.
Gen Marco Aurélio Vieira
Foi Comandante da Brigada de Operações Especiais e Comandante da Brigada de Infantaria Paraquedista