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“Tudo que provém dos partidos políticos - paixões declaradas, leilão de doutrinas, escolha ou exclusão de homens segundo suas opiniões – cedo fará corromper a corporação militar, cujo poder se afirma primeiro por sua virtude.”
Charles De Gaulle
Conta-se que na Grécia antiga, um pintor de nome Apeles costumava exibir suas obras à frente do ateliê e esconder-se para ouvir comentários de transeuntes. Passando pelo local, um sapateiro viu um daqueles quadros e observou que havia um “defeito” nas sandálias da figura pintada. Imediatamente Apeles tirou o quadro da exposição e o consertou. Na manhã seguinte, percebendo o sucesso de seu comentário e confiante na sua sugestão, o sapateiro resolveu criticar as pernas da pintura. Apeles saiu imediatamente de seu esconderijo e exclamou "Ne sutor ultra crepidam" – Não vá o sapateiro além das sandálias – ou não emita opinião sobre aquilo que não é da sua competência.
No Brasil de hoje, os políticos não têm se inibido de ir além de suas competências. Lula – em campanha – afirmou que “no seu governo as Forças Armadas serão aquilo que o Governo quiser que sejam” e que, se fosse eleito “iria ocupar as Forças Armadas com coisas mais dignas”. Ciro Gomes foi além, disse que o governo era uma “holding do crime, claramente protegida por autoridades brasileiras, inclusive das Forças Armadas”, e sugeriu que “os futuros presidentes deveriam influir no sistema de ensino e modificar os critérios de promoção dos militares”.
Já eleito, Lula declarou que “perdeu a confiança em parcela dos militares”, queixando-se da “politização das Forças Armadas”. Por outro lado, José Dirceu passou a defender “reestruturar o papel das Forças Armadas, enquanto José Genuíno propõe “refundar a estrutura militar”.
Os militares brasileiros expulsaram os holandeses da Colônia, negaram-se a atuar como Capitães do Mato na captura de escravos no Império, e fizeram a Proclamação da República, sem jamais impor um caudilho ao país.
No século passado, nossas Forças Armadas lutaram contra o nazifascismo na Segunda Guerra Mundial e, desde os anos 40, têm se destacado em missões de paz pelo mundo. As atuações brasileiras no Haiti e na Operação Acolhida, de recepção aos refugiados da ditadura venezuelana, são consideradas atualmente modelos de operações de não guerra pela ONU. Em todo território nacional, nossa gente tem vivenciado a seriedade e a segurança transmitida pelos militares, seja no atendimento às populações ribeirinhas na Amazônia, na distribuição de água no sertão nordestino, ou nas operações de garantia da lei e da ordem (GLO).
Hoje, as imagens das aeronaves das Forças Armadas e dos hospitais de campanha na luta para amenizar a tragédia que se abateu sobre o povo Ianomami, ou nas chuvas do litoral Norte de S. Paulo, comprovam a necessidade dos soldados no cumprimento das missões de misericórdia, impossíveis para outras organizações.
Há que se reconhecer também sua postura estritamente profissional, depois da redemocratização do país, contrária inclusive ao seu histórico, que têm sido fator significativo para manutenção da paz e da evolução político-social da Nação.
E, ainda que persistam as justas e injustas críticas quanto a um maior protagonismo dos nossos militares nos últimos acontecimentos políticos do país, os brasileiros não podem deixar de se orgulhar de suas Forças Armadas, cujas competências e realizações são destaques no âmbito das forças militares do mundo todo.
Contudo, por ignorância, prepotência ou puro preconceito, os políticos brasileiros desconhecem os fundamentos da missão constitucional das nossas Forças Armadas, não demonstram a mínima preocupação com as atuais ameaças transnacionais, e continuam a se manifestar sobre assuntos militares valendo-se de clichês ultrapassados e mesquinhas narrativas ideológicas.
O próprio Presidente Lula não esconde seu preconceito contra o estamento militar, e quer nos fazer acreditar ser capaz de resolver conflitos bélicos tomando cerveja no botequim, numa presunçosa demonstração de “sabedoria estratégica”, que só atesta o quanto nossos representantes estão desconectados das demandas da geopolítica mundial. E agora no poder, eles estão constatando que as Forças Armadas são – realmente – um empecilho aos seus interesses partidários de ocasião.
Assim, decidiram tentar “ajustar” os centenários princípios e valores castrenses aos seus objetivos políticos imediatos, legislando sem qualquer fundamento consistente, no que intitulam de “proposta de emenda constitucional dos militares”.
Atenção! Alterar a destinação constitucional das Forças Armadas é questão que exige amplo debate sobre Segurança e Defesa pela sociedade, sendo imperativo, inclusive, que isso resulte de uma Constituinte. Essa proposta de emenda da constituição levada a toque de caixa hoje por leigos no Congresso é inoportuna, inconsequente, e não consegue esconder uma indisfarçável intenção de “vingancinha pós-eleição” de certos partidos pouco comprometidos com a democracia.
Aos senhores políticos recomendo não ir além das sandálias dos combates à corrupção, ao clientelismo e ao nepotismo, defeitos – e correções - facilmente identificáveis, dentro de suas próprias alçadas. Alerto não serem oportunas as críticas à natureza ou às missões das Forças Armadas, bem definidas na Constituição Federal: “As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares [...] destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais [...] da lei e da ordem.”
Instituições de Estado não atendem às vontades políticas de ocasião, e nem existem para serem aquilo que os governantes de plantão bem entenderem. Propostas irresponsáveis de cunho ideológico, sem embasamento estratégico/militar, de quem sequer se inibe em explicitar sua ignorância quanto ao quadro geopolítico mundial, só fazem corromper as instituições militares e gerar instabilidade institucional.
Por Gen Marco Aurélio Vieira
* Foi Comandante da Brigada de Operações Especiais e Comandante da Brigada de Infantaria Paraquedista
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Ultima Hora Online e é de total responsabilidade de seus idealizadores.