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A Bahia fazia 400 anos, em 1949. Houve um congresso eucarístico em Salvador. Muitos bispos e padres se hospedaram no nosso multissecular Seminário Central, que é hoje o magnífico Museu de Arte Sacra, com suas imensas janelas coloniais. Cada um de nós do Seminário Maior ficou encarregado de secretariar um bispo ou um padre. A mim, com 17 anos, coube o magérrimo, falante e simpático padre Helder Câmara. Ajudei-lhe as missas, carreguei o Breviário, acompanhei-o pela cidade, a caminho dos atos públicos do congresso.
Uma noite, ele teve uma longa conversa com professores e seminaristas, sobre o país e a política. Tínhamos alguns padres fervorosamente integralistas. Lembro uma frase dele: “Também eu fui algum tempo integralista. Naquela época, depois da revolução de 30, o Brasil se dividia entre o Integralismo cristão e o Comunismo ateu. Fiquei com o Integralismo cristão. Hoje temos a doutrina social da Igreja, mais cristã e mais profunda que o Integralismo”.
UM BILHETE – Em 1964, depois do golpe, ele já arcebispo de Olinda e Recife, mandou para o quartel do 19º BC do Exército, em Salvador, onde sabia que eu estava preso, um bilhete que só me foi entregue na saída: “Meu caro sacristão. Estão maltratando você? O Cristo há de lhe dar forças. Rezemos. (as.) Padre Helder”.
Numa tarde de 1971, eu estava na avenida Rio Branco, no Rio, na pequena redação do “Politika”, o primeiro semanário de oposição ao golpe de 64 (houve o Pif-Paf e havia o Pasquim, mas eram de humor).
Fundado e dirigido pelo saudoso Oliveira Bastos e por mim, o jornal enfrentava uma dura censura prévia toda semana. Apareceu o jornalista, professor e escritor pernambucano Harrison de Oliveira, mestre de história do Colégio Pedro II e da Universidade Cândido Mendes, com uma joia rara.
UMA ENTREVISTA – Harrison tinha na pasta uma longa e polêmica entrevista de Dom Helder Câmara, o valente arcebispo de Olinda e Recife, que estava desafiando a ditadura aqui dentro e denunciando-a em conferências pelo mundo. O padre Henrique Neto, assessor dele, tinha sido barbaramente assassinado. Era no governo Médici, uma censura terrível e Dom Helder falava sobre o Nordeste, o Brasil, o mundo e a Igreja. Harrison, amigo e compadre dele (tem um filho chamado Helder), não conseguiu publicar a entrevista em nenhum jornal. Não deixariam sair também no “Politika”.
Oliveira Bastos estava no Pará, resolvi não mandar a entrevista para a censura, publicar de surpresa e ver no que dava. Deu no que deu. Fizemos a capa com uma foto grande de Dom Helder e apenas esta manchete: “Dom Helder entre Cristo e Marx!
SEM MARX – Harrison telefonou avisando para Dom Helder, que vetou: “Não estou com Marx coisa nenhuma. Sou de Cristo e dos meus pobrezinhos”.
Quando o jornal ficou pronto, estávamos preparados para o que desse e viesse. De madrugada, entupimos a kombi do jornal e íamos felizes e vitoriosos para a Distribuidora Chinaglia, na Zona Norte. Na praça Mauá, já na espreita, um carro da polícia nos cercou.
Prenderam tudo: o jornal, eu e o Harrison. Foi um dia inteiro de ameaças e sufoco na Polícia Federal. Ficaram furiosos com o nosso golpe falho. Por pouco não conseguimos. Diziam: “Sobre Dom Helder, nem a morte da mãe”.
Foto: Getty Images/Max Schneider
SEBASTIAO NERY - Jornalista e Escritor e Colunista da Tribuna da Imprensa, 1968-1979.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Tribuna da Imprensa Digital e é de total responsabilidade de seus idealizadores.
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