Encruzilhada

Neste mundo, aqueles que obedecem cegamente a quaisquer ordens, são desprezados pelos demais.

Encruzilhada

*Walter Felix Cardoso Junior

wfelixcjr@gmail.com

Quem não consegue refletir antes de decidir, se deve ou não cumprir uma ordem “estranha”, corre o risco de perder algo importante. Afinal, é cada vez mais fácil uma ordem errada parecer certa, dentro dos quartéis ou fora deles.

Me preocupei com a nomeação repentina do General Tomás Miné para o Comando do Exército. Assisti 3 vezes o discurso que recentemente proferiu diante da tropa paulista, caixa de ressonância para o restante do Brasil, eivado de argumentos patrióticos e chavões de liderança, culminando com a pregação da obrigatoriedade de submissão do Exército de Caxias ao “insubmissível”.

Nem sei se esse verbete “insubmissível” existe, mas ele ajuda a compor o sentimento de que a disciplina não pode ser uma panaceia, uma resposta física que satisfaça um apagão da consciência diante de determinações que não podem ser cumpridas porque imorais.

Sim, duro de ouvir a tal declaração. O pragmatismo das colocações chocou, mas, talvez, tenha a sua razão de ser. Ora, pois, o Alto Comando do Exército lavou as mãos no apagar das luzes do governo passado. Arrisco dizer que discutiram, ampla e profundamente, todas as possibilidades de levarem a efeito um contragolpe, sim porque é voz corrente que as eleições foram fraudadas, tendo a posse a mais clara materialização de um golpe contra o Estado.

Então, a maioria dos generais de quatro estrelas decidiu que não caberia uma quebra de legalidade, embora isso continue sendo discutível em outros foros. Em sendo assim, que mais restaria à caserna fazer se não colocar a viola no saco e seguir em frente com suas missões regulamentares? Seria concebível que nossos quartéis continuassem fervilhando em clima de insatisfação permanente? A que tipo de situação isso nos levaria?

Bem, digamos que o destino colocou o Exército novamente numa encruzilhada e que o pragmatismo venceu, tendo o general merecido a sua nova comissão. E eu creio que ele tem as condições necessárias para arrumar a casa.

Mas, cabe perguntar também se, quando o comandante das Forças Armadas começar a colocar em prática o seu discurso de remodelagem da Defesa, mexendo em currículos das escolas militares, condicionando ideologicamente os processos de promoção, e alterando questões remuneratórias, quanto menos, se esse comandante destacado vai cumprir o seu papel, o dever de proteger a Instituição dos absurdos, ou se vai apenas continuar cumprindo ordens convenientes.

Para mim, o cumprimento da disciplina não deve ser um dogma. Explico: muitos de nós, da Força Terrestre, ainda permanecemos inebriados com o mantra "cadetes ides comandar, aprendei a obedecer”, gravado bem no alto do logradouro mais importante da Academia Militar das Agulhas Negras - o Pátio Marechal Mascarenhas de Morais. Creio que caberia à lapidar alusão, contudo, nos lembrar também que os valores da disciplina e da responsabilidade são indissociáveis, pois os encargos privilegiados de comando, chefia e direção, legalmente, exigem muita responsabilidade.

Responsabilidade, antes de tudo para com a nossa própria consciência, implicando isso em acolher e fazer acolher princípios morais, diante de dilemas de perplexidade quando a realidade nos faz conviver entre e/ou sob superiores hierárquicos maculados e que não têm como se impor por uma moral exemplar.

O povo brasileiro precisa alcançar a sua maioridade. Não tem que depender do poder militar para ter a sua liberdade. Espero que isso o faça dar um passo à frente.

Sim, quem sabe essa seja uma aula essencial a ser ministrada e repetida aos cursos da espinha dorsal do Exército, aos nossos cadetes, aos capitães da EsAO, e aos alunos da ECEME e CPAEx, por algum de nós, veteranos, talvez aqueles líderes que parecem nos faltar neste momento.

 **Doutor em Engenharia de Produção pela Universidade Federal de Santa Catarina; graduado na Academia Militar das Agulhas Negras, ex-Comandante do 63 BI; Egresso do Centro Hemisférico de Estudos de Defesa, Washington/USA; diplomado em Gestão de Recursos de Defesa pela Escola Superior de Guerra; ex-Diretor do Departamento de Defesa e Segurança da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo; e ex-Secretário de Planejamento Estratégico da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Publiquei três obras de Inteligência Competitiva, uma delas na Argentina.

 

Por 'Reminiscências' em 12/02/2023
Publicidade

Comentários

  • Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!

Notícias Relacionadas

Quais grupos sociais mais rejeitam Bolsonaro e Lula; e como eles pretendem reverter isso
04 de Julho de 2022

Quais grupos sociais mais rejeitam Bolsonaro e Lula; e como eles pretendem reverter isso

Virada de jogo em Teresópolis: Prefeito eleito resolve crise do 13º salário antes mesmo de assumir
21 de Dezembro de 2024

Virada de jogo em Teresópolis: Prefeito eleito resolve crise do 13º salário antes mesmo de assumir

Alerj analisa proibição de garrafas de vidro nos arredores dos estádios
05 de Agosto de 2023

Alerj analisa proibição de garrafas de vidro nos arredores dos estádios

Brasil lidera luta contra fome e pobreza no G20 
19 de Novembro de 2024

Brasil lidera luta contra fome e pobreza no G20 

Aguarde..