Enfim, a Câmara aprovou a nova Lei de Improbidade Administrativa

Enfim, a Câmara aprovou a nova  Lei de Improbidade Administrativa

O Projeto de Lei nº 10.877/18 foi aprovado pela Câmara dos Deputados com razoável facilidade e agora segue para votação no Senado. Esse projeto tem por escopo a alteração da Lei nº 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), visando o aperfeiçoamento e adequação da legislação federal às normas correlatas, bem como à ordem constitucional vigente e à jurisprudência pátria.

A atual Lei de Improbidade Administrativa tem por objeto, em tese, punir a prática de desonestidade administrativa, da prática de ilícitos na condução da máquina pública, em três modalidades distintas: aquelas práticas que conduzem ao enriquecimento ilícito, as que conduzem ao dano ao erário e, por fim, aquelas que impliquem ofensa aos princípios da Administração Pública.

A lei de improbidade administrativa visa regulamentar a previsão constitucional do artigo 37 e seguintes, em especial o seu §4º, que quando usada indevida ou equivocadamente, gera graves impactos de ordem política, seja na determinação constitucional de suspensão de direitos políticos, nas condenações próprias da norma, seja no que tange aos efeitos secundários que refletem no cenário eleitoral, em especial na incidência da alínea “I” da Lei da Ficha Limpa.

Nesse molde, a adequação jurisprudencial e constitucional da Lei de Improbidade Administrativa é, antes de tudo, uma necessidade, principalmente para que se tornem claros os seus conceitos, em especial e essencial, do que é exatamente um ato de improbidade administrativa, retirando, dessa forma, a possibilidade e o poder de uma análise casuística pelos órgãos acusador e julgador, que muitas vezes pune o inábil, quando, em verdade, a lei busca punir o desonesto.

O texto aprovado na Câmara dos Deputados dá uma remodelada na efetivação das regras então existentes, adequando à jurisprudência moderna, em especial retirando seu caráter abstrato e reduzindo a subjetividade na análise dos casos, tendo como principal mudança a supressão da punição exclusiva de atos fundamentados em culpa do agente, bem como incluindo nas espécies de ofensas aos princípios da administração pública um rol taxativo. Em outras palavras, não será mais permitido, como ocorre atualmente, a incidência do artigo 11 da Lei de Improbidade por livre escolha do órgão acusador.

Cumpre destacar a importância dessa alteração, em especial pelas constantes ofensa aos princípios administrativos, uma vez que, nesse caso, tal preceito desvirtua do fundamento da lei, tendo em vista que deixa de punir tão somente o desonesto, o ímprobo, para então incidir sobre condutas culposas, descuidadas, negligentes, que muitas vezes sequer causaram prejuízo público ou enriquecimento ilícito, deixando o conceito a ser perseguido extremamente abstrato e subjetivo, na contramão do que exige o devido processo legal e o Estado democrático de direito.

Outra mudança significativa nos atos de improbidade é a regulamentação de parâmetros para a aplicação das penas previstas no atual artigo 12, trazendo prazos mínimos e máximos de sanções que conduzam a suspensão dos direitos políticos e da proibição de contratar com o Poder Público, além da possibilidade de aumento da pena de multa, podendo, ainda, cumular o ressarcimento do dano com as demais sanções.

A norma traz ainda, um antigo pleito defensivo, inclusive já reconhecido por algumas decisões judiciais, que é, numa linguagem constitucional hermenêutica, a observância dos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, possibilitando, nos casos em que o dano cause mínima ofensa aos bens jurídicos tutelados, a aplicação exclusiva da pena de multa, aliada ao ressarcimento do dano e a perda dos valores obtidos ilicitamente.

Uma outra questão muito importante, que sempre gerou polêmica, e que já estava sendo constantemente levada ao Judiciário, que é a possibilidade da realização de acordo de não persecução civil, apesar de constar expressamente do texto da norma, perdeu relevância após a aprovação da Lei Anticrime, prevalecendo no PL nº 10.877/18 as regras procedimentais a serem aplicadas, trazendo a possibilidade, na trilha da exegese do Novo Código de Processo Civil, de suspensão do processo quando houver interesse na celebração de acordo.

Além disso, a norma traz a previsão de que as sentença cíveis e penais, independente do princípio de separação das instâncias, produzirão efeitos em relação à ação cível de improbidade administrativa quando a condenação se der pelos mesmos fatos, ou seja, nos casos em que os mesmos fatos já tiverem sido julgados improcedentes pela Justiça criminal, não será cabível o manejo da ação de improbidade.

Diversamente do que afirmam alguns, que se apegam a um discurso de aumento da corrupção, tais mudanças trazem uma maior segurança jurídica na condução do processo que visa apurar a prática do ato de improbidade administrativa, merecendo aplausos a previsão que veda a punição por ato culposo, assim como a inclusão de um rol de hipóteses para a punição por ofensa aos princípios administrativos, retirando sua abstração, além da impossibilidade de punição quando os mesmos fatos já tiverem sido julgados improcedentes pela Justiça criminal, bem como a permissão expressa da realização de acordo de não persecução, deixando anotado que este não poderá gerar qualquer espécie de reconhecimento de ato ilícito, devendo o cumprimento integral ser causa extintiva do ilícito, como garantia do próprio processo e da dignidade da pessoa humana.

Merece aplausos essas mudanças e a coragem do Parlamento em, após quase 30 anos de injustiças e insegurança, reformar a Lei de Improbidade Administrativa, passando a exigir uma análise cautelosa no manejo desse tipo de ação, que, muitas vezes, quando mal conduzida ou feita com intenção de prejudicar, torna-se um pesadelo, uma vez que o simples manejo desse tipo de ação já é suficiente para destruir reputações e impactar toda uma vida.

Por Amilton Augusto

Advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com o Poder Legislativo da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP - Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes - org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018).  Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020).  Palestrante e consultor. E-mail: contato@amiltonaugusto.adv.br.

Por Amilton Augusto em 22/06/2021

Comentários

  • Fantástico! (no bom sentido.) Tira boa parte do colchão de ignorâncias usado pelos oportunistas para exercerem suas trocas. (Nada contra, mas o lugar deles é nos mercados, não no governo.) Falta exigir que toda a lei promulgada seja clara para quem a lê, contanto que tenha concluído o ensino fundamental. Seria completo um sistema de legalizar a lei se incluísse todos os efeitos esperados dela, inclusive e principalmente as negativas, tipo vantagens indevidas ou pessoais, no sentido de deixar lacunas importantes a beneficiar-se ou aos seus. A propósito, devem ter sido bastante esclarecedoras as discussões nos gabinetes sobre esta lei. Imagino que ainda faltem muitas ligações verdadeiras entre o governo e o país até que sejamos todos representados.
    Armando S Marangoni
    23/06/2021
Aguarde..