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Tribuna da Imprensa - Por que a cannabis tornou-se tão repudiada? Qual o grande entrave no Brasil, para uso da Cannabis medicinal?
Carlos Minc - O Brasil é uma sociedade muito conservadora. Nós vivemos a herança do que foi o escravismo colonial. No Brasil já foi proibido a Capoeira (que era coisa dos escravos) a maconha era considerada também algo dos escravos.
A resistência conservadora, contra os dados e pareceres científicos, no caso agora da Cannabis medicinal, ela tem a ver com uma outra questão que é diferente, mas se cruza com essa, que é a legalização da Cannabis para uso adulto recreativo, que já aconteceu em diversos países do mundo, como recentemente no México.
Reconhecidamente, os danos à saúde, no caso do uso recreativo, são muito menores do que no caso do uso brasileiro com o álcool e cigarro.
O álcool e o cigarro causam dezenas de milhares de vezes mais doenças e mortes do que a própria Cannabis. Então, aqueles que lutam contra a legalização da Maconha, que diga-se de passagem, eu defendo essa outra legalização também, porque a atual proibição, em nada afeta o tráfico que cresce. A guerra as drogas, só favorece os traficantes, os policiais corruptos e entopem os presídios de milhares de jovens que ficam à mercê dos chefes das gangues que de dentro dos presídios comandam o crime no Brasil. Mas essa é uma oura discussão que não é o objeto dessas perguntas, mas eu a trago pela conectividade.
Por exemplo, o ex-ministro Osmar Terra que é um negacionista, que é aquele que disse no início que a Covid no máximo levaria 3 mil mortes e hoje a gente tem isso infelizmente quase todos os dias. Ele disse cerca de 3 mil mortes no conjunto da epidemia, a gente tem mais do que isso por dia. Dai já se vê o poder de previsão do Osmar Terra.
O Osmar Terra, a Damares e outros que são contra a maconha medicinal e pressionaram a Anvisa quando aceitou e legalizou a importação de remédios a base do Cannabis, eles disseram que este reconhecimento abriria porta para a legalização da maconha recreativa. Por que tanta resistência a legalização da maconha recreativa? Ela meche com os sentidos, no sentido de que ela afeta, como o álcool afeta, e nem por isso é criminoso quem bebe uma cerveja ou quem bebe um copo de vinho. Mas, como eu disse, a Cannabis não é produzida pelos grandes produtores de cigarro, álcool, vinho ou cerveja e ela tem a ver lá atrás com a questão dos escravos, ela veio da África.
Então, uma parte da resistência importante contra a legalização da Cannabis medicinal, vem daqueles setores que combatendo de forma, ao meu ver, incorreta já que a guerra as drogas não deram certo em nenhum país do mundo. Mas combatendo o uso da Cannabis, recreativa vem um temor alias injustificado porque os princípios ativos da Cannabis medicinal, não são aqueles mesmos princípios da maconha para uso recreativo que afetam a percepção, são outros.
Ou seja, a Cannabis medicinal não “dá barato”, mas eles temem que uma coisa leve a outra. Essa é uma das principais razões de tanta resistência anticientífica á isso.
Tribuna da Imprensa - Acredita que a Embrapa reconhecidamente a grande responsável pela expansão e modernização da agropecuária brasileira, poderia ser vista como uma parceira do mercado Cannabis, criando assim uma subsidiária dedicada ao cultivo e manejo da Cannabis/Cânhamo?
Acredita ainda que a mesma Embrapa que tem como missão “Viabilizar soluções de pesquisa, desenvolvimento e inovação para a sustentabilidade da agricultura, em benefício da sociedade brasileira", operaria como fomentador dos mecanismos de compensação as comunidades impactadas pelas políticas proibicionistas?
Carlos Minc - A Embrapa é uma empresa altamente qualificada, excepcional. Inclusive no combate biológico as pragas desenvolvidas. A Embrapa fez a agricultura brasileira dar um salto e ela é muito capaz. No dia em que a Cannabis medicinal ou a cannabis recreativa for legalizada seguramente a Embrapa terá um papel essencial no seu desenvolvimento, mas antes disso, e voltando, lembro que à Anvisa, ao liberar os princípios ativos a importação proibiu o plantio e a produção local, mesmo por entidades científicas, como a Fiocruz, Butantan ou no caso do Rio de Janeiro, o Instituto Vital Brasil.
Nós fizemos audiências públicas na Assembleia, antes da aprovação da primeira lei no país de Cannabis medicinal onde estavam lá os pesquisadores da Fiocruz do Vital Brasil, cientistas que estão diretamente ligados a isso, médicos e dezenas de famílias com crianças em cadeiras de rodas que chegaram a ter de 120 a 130 convulsões por dia no processo de epilepsia e depois do uso óleo de Cannabis medicinal diminuiu para duas ou três convulsões mudou completamente a qualidade de vida.
Aliás uma das coisas que me fez conseguir, os votos suficientes para derrubar o veto e fazer da nossa lei, a primeira do país que não só apoia a pesquisa da cannabis medicinal, mas apoia também as associações de familiares e a elas permite o plantio dentro dos marcos nacionais e ela foi usada para várias vitórias judiciais dos plantios por essas associações.
Eu levei muitos deputados conservadores, inclusive, muitos religiosos e militares para essas audiências públicas, eles ouviram os cientistas ouviram os familiares e na hora de votar comigo eles disseram olha eu sou conservador eu sou contra os usuários de maconha, mas nessa questão é uma questão de saúde, uma questão humanitária. Eu fui a audiência, vi as famílias e vou votar favorável ao projeto do Carlos Minc da Cannabis medicinal e, portanto, vou votar pela derrubada do veto.
Então nós conseguimos, mais do que os 36 votos necessários, conseguimos 41, muitos desses votos de deputados conservadores, que eu levei propositadamente para essas audiências para ouvirem os médicos e pesquisadores e sobretudo as famílias e verem as pessoas, os filhos que usaram e melhoraram tanto.
Mas a decisão da Anvisa proíbe, a Fiocruz e o Vital Brasil de plantarem e produzirem então a gente tem que importar e é caríssimo, aliás o texto explicativo da Tribuna da Imprensa, que antecedeu essas perguntas mostra isso, e o que acontece é que pouquíssimas famílias têm dinheiro suficiente para importar essa medicação e realmente não tem o menor sentido vedar essa produção.
E porque eu dei essa volta toda? Porque nessas audiências públicas os pesquisadores responsáveis presentes na mesa da Fiocruz e do Vital Brasil disseram: nós queremos produzir aqui no Brasil, nós temos condições de plantar e produzir aqui.
Então não só a Embrapa, a própria Fiocruz e a Vital Brasil têm e querem, aliás recentemente, vemos, reproduzimos e comentamos uma matéria importante a Fiocruz entrou com um pedido formal ao governo e a Anvisa para cultivar, pesquisar e produzir aqui várias modalidades do Cannabis medicinal isso é recente. Lá atrás, afirmaram disseram que tinha interesse, que tinham condição. Agora, solicitaram formalmente, isso tem menos de um mês.
Bom, agora é claro que a Embrapa pode e deve ser muito bem vinda, uma vez superada esses estigmas que vem do conservadorismo e do escravismo colonial e também dessa rejeição absoluta da legalização da Cannabis recreativa, que como eu disse é um outro tema, mas acaba tendo essa conexão inclusive política.
O que levou a Anvisa à essa deliberação parcial, amarrando as mãos dos nossos institutos foi a pressão de Damares e Osmar Terra não por conta da Cannabis medicinal, mas por conta da outra que eles erroneamente associavam uma à outra de forma completamente obscurantista que é alias dos seus feitios e das suas naturezas.
Leia também: Estado de NY aprova legalização da maconha
Tribuna da Imprensa - Como seria possível viabilizar um plano estratégico a fim de tratar a desinformação e o preconceito no tocante à Cannabis Medicinal? Ainda amiudando sobre a questão do plano estratégico: Além de direcionar à população brasileira de modo geral quais os segmentos da sociedade, se permeados e abarcados pela ciência que respalda a Medicina Canábica, seriam capazes de salvaguardar o uso medicinal da Cannabis no Brasil?
Carlos Minc - Em relação de ter um projeto para ampliar isso, legalizado a segurança jurídica das indústrias que forem investir na Cannabis Medicinal, isso vem exatamente da parte legal né? Porque qual empresa vai querer investir se há entraves jurídicos e burocráticos de toda a natureza e há essa criminalização, há esse dogma, esse estigma em relação a isso. Então infelizmente para termos a segurança jurídica e termos um marco nacional legal, é importante outras vitórias legislativas sobretudo no âmbito federal, para que então possam dar essa condição.
Lembrando por exemplo que vários estados americanos, legalizaram alguns o Cannabis medicinal outros a recreativa e muitos as duas. E estes estão recolhendo impostos, milhões e milhões de dólares e usando eles para campanhas de Saúde, para ações sociais, para melhoria da segurança, melhoria da educação e melhoria nas comunidades carentes.
Milhões de dólares, milhões de dólares, enquanto nós entupimos as prisões de jovens por causa de um baseado e ficam nas mãos dessas gangues, e acabam devendo a elas a sua própria segurança e vida dentro das prisões.
Diga-se de passagem, em uma das audiências que a gente fez, não sobre maconha medicinal, mas sobre discussão da repressão aos usuários de maconha, nos foi proposto e aprovarmos a lei estadual da audiência de custódia. Aliás o Rio é o único que tem essa lei, mas é claro que a audiência de custódia e a obrigação de apresentar todo preso em flagrante em juízo em 24 horas para decidir a manutenção ou não da prisão, é uma resolução do Conselho Nacional de Justiça feita na época, que o ministro Lewandowski era presidente do Supremo e do Conselho.
Mas, é claro que as leis estaduais podem reforçar e garantir isso até porque uma resolução pode ser mudada por outra, e uma lei só pode ser mudada por outra, então nós aprovamos essa lei sim, reforçamos, isso foi reconhecido pela defensoria e reconhecido pelo próprio ministro Lewandowski em uma reunião que nós tivemos, na verdade quem teve foi a defensoria, eu fui apenas convidado na qualidade de autor da lei, o ministro Lewandowski elogiou a lei, e graça à essa lei, milhares de jovens foram soltos em 24 horas, porque estavam erroneamente classificados como traficante embora obviamente fossem consumidores.
Bom, então as questões da estratégia nacional e da Segurança Jurídica implicam uma mudança nas leis federais, há vários projetos, inclusive um deles relatado pelo deputado Paulo Teixeira, e outros projetos que estão na Câmara Federal enfrentando os entraves dos setores conservadores. A dificuldade é essa mentalidade conservadora e reacionária.
Tribuna da Imprensa – Quais os mecanismos de compensação deveriam ser fomentados aos indivíduos e quais nichos sociais que historicamente sofrem com impacto do proibicionista em suas vidas?
Carlos Minc - Há uma questão complexa ligada a reparação. Conheço bem essa tese, vários militantes defendem essa tese, inclusive no meu mandato eu tenho uma militante que cuida disso e já escreveu sobre esse assunto da reparação. Veja, eu conheço o assunto da reparação, o movimento negro. Participei na qualidade de presidente da Comissão contra a intolerância religiosa e o racismo de audiências públicas com o Movimento Negro Unificado que é um que defende a tese da reparação, mas no caso, em relação a escravidão.
Temos dificuldades de avançar no tema, alguns países fizeram isso, algumas cidades, alguns locais fizeram isso. Mas existe uma dificuldade de ver quais seriam os beneficiários, de onde viriam os recursos e quais seriam os valores e etc. São questões complexas, mas não impossíveis é uma tese mais do que correta.
No caso dos judeus, e eu digo isso porque sou judeu e perdi dois tios avós cremados em campos de concentração, em crematórios de Hitler. Vários judeus, em vários países inclusive na Alemanha foram contemplados pela reparação histórica, as vítimas do nazismo, que perderam seus parentes, sua saúde, seus bens, seus quadros, tudo. Então há esse precedente da questão da reparação histórica do nazismo, conhecida, em uma situação menor que a questão da escravidão.
Aqui no Brasil, houve uma reparação também no caso da tortura. Eu também fui torturado com 18 anos de idade, na Vila Militar e inclusive eu sou o autor de uma lei de reparação. Eu tomei cuidado porque a Lei de Reparação Estadual diz respeito a aqueles que ficaram presos em prisões estaduais, que não foi o meu caso. Eu não poderia fazer uma lei em que eu próprio fosse o beneficiário.
A lei Nacional da Reparação que foi da Comissão da Verdade reparou aqueles que foram presos e torturados em órgãos federais. E a lei estadual repara aqueles que foram presos pelas polícias estaduais. Que não foi o meu caso portando eu pude fazer essa lei porque eu não era beneficiário.
Então eu citei esses casos de reparação, a questão dos judeus com Hitler, a questão do escravismo e a questão da tortura, para dizer que há fundamento e há exemplos históricos. Em relação a questão da guerra as drogas, eu conheço essa tese, obviamente eu sou simpático, acho ela do ponto de vista realista, de difícil identificação.
No caso dos judeus é fácil ver as famílias que foram exterminadas, no caso dos negros, qualquer negro que esteja no Brasil ou Estados Unidos a família foi arrancada da África, são raríssimas exceções, mas a origem é essa. No caso dos torturados, também você pode pegar aqueles que estão lá presos, torturados, há registros, há marcas no corpo, há laudos.
No caso a guerra da guerra as drogas são um pouco mais complexas, porque ela é algo insano a quantidade de pessoas que morreram por causa da guerra as drogas, são incalculáveis. São alterações as pessoas morrem com tiro trocado, morrem nas mãos da polícia, morrem mortas por traficantes, morrem de balas achadas, balas perdidas, uma guerra insana.
Custa bilhões e bilhões, veja a situação no Rio de Janeiro hoje: 60% do território é controlado por traficantes e milicianos do município do Rio de Janeiro e isso é conhecido em matérias minuciosas dos jornais, mostrando que bairros, que facções ou que milícias controlam bairro a bairro, é inacreditável gastar bilhões e bilhões em uma guerra as drogas, mortos milhares de civis, de jovens e até de policias e a conclusão que se tem é de que 60% da população do Rio esteja nas mãos, ou com algum controle territorial de milicianos e de traficantes.
Vejo com dificuldade identificar todas as vítimas da guerra as drogas e repará-los. O que não significa que seja impossível, uma lei sobre isso teria que especificar, por exemplo, se fosse algo mais limitado, por exemplo; jovens que foram acusados de estarem com maconha e acabaram sendo sequestrados e eliminados ou torturados pela polícia, casos como esses seriam mais evidentes, mais fáceis e mais efetivos de serem objetos de uma lei de reparação.
Então eu fiz essa digressão mais longa para dizer que eu conheço bem o assunto, até já legislei, no caso da Lei Estadual sobrea reparação dos torturados, que diga-se de passagem, eu não me incluía no estadual. Mas acho que a tese genérica do tipo: “vamos indenizar todas as vítimas das guerras as drogas”, eu acho a genérica de difícil materialização. O que não significa que a lei não pode ser objetivo em relação aquelas pessoas especificamente, por portarem quantidade de drogas foram objetos de prisão e depois na prisão foram silenciadas ou torturadas por nada mais que alguns baseados. Nesse caso eu acho que sim, seria bastante mais factível de andarmos nesse terreno.
Entrevistadores
Ralph Lichotti é advogado e jornalista, diretor do Tribuna da Imprensa Digital.
Dr Eduardo Macedo Bernardes - Médico, Diretor Clínico – Clínica EMBJANONI
Fotos de divulgação
Por Ralph Lichotti é advogado e jornalista, diretor do Tribuna da Imprensa
MTb 31.335/RJ
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*Este texto é de total responsabilidade de seus idealizadores
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