MARÇO DE 1964 – O MÊS QUE NÃO ACABOU - Parte V

V – CHUMBO CONTRA CHUMBO

MARÇO DE 1964 – O MÊS QUE NÃO ACABOU  - Parte V

*Gen Marco Aurélio Vieira – março 2024

“Quando as pessoas são forçadas a ficar em silêncio enquanto ouvem as mais óbvias mentiras, ou pior ainda, quando elas próprias são forçadas a repetir as mentiras, perdem de uma vez para sempre todo o seu senso de probidade... e uma sociedade de mentirosos castrados é fácil de controlar” Theodore Dalrymple, Escritor inglês

Em 13 de dezembro de 1968, a “democracia das espadas” teve de se valer do autoritarismo, e até mesmo da exceção, na defesa do Estado, editando o Ato Institucional n° 5 (AI-5).

A ideia não era original. Tentou-se preservar o regime pela força, enquanto durasse o perigo, aos moldes da República Romana, que diante da ameaça costumava chamar um patrício probo e de reconhecidos bons costumes, para exercer uma “ditadura provisória”, ocupando a função de dictator administrativus. Cumprido o prazo para se ver defendida, a República voltava ao regime normal.

Até hoje, as narrativas sobre esse período são devastadoras para os militares. Mas, é imperioso que, no atual momento vivido pelo País, os FATOS que levaram àquele desfecho não sejam ignorados – ou relativizados – considerando-se o contexto geopolítico à época, e as circunstâncias que motivaram tão execrado “regime de exceção”.

Primeiramente, não se cogita o clima geopolítico do momento histórico, com a proliferação global dos movimentos revolucionários da Guerra Fria (1947-1991). Também, omite-se que desde 1961 – bem antes do movimento militar de 1964 – com o Brasil vivendo uma democracia de fato, e sem quaisquer motivos para “libertação do povo”, várias correntes de esquerda já propalavam uma luta armada para tomada do poder, apoiadas pelo Movimento Comunista Internacional (MCI), patrocinados pela União Soviética e a China.

Em 1962, já se sabia da existência no Nordeste do Brasil de pelo menos oito campos das chamadas “ligas camponesas”, que replicavam o treinamento de guerrilha obtido em Cuba, enquanto Fidel Castro vociferava prometendo “fazer um Vietnã em cada país da América Latina”.

De 1966 a 1974, o Brasil chegaria a somar 47 organizações de esquerda clandestinas, com ao menos 15 delas ostensivamente engajadas na opção da violência armada.

Eram cerca de 25 mil militantes, essencialmente jovens estudantes voluntários, iludidos pela matriz marxista-leninista do romantismo da revolução em armas, para acelerar o curso da História. Mas não se encontra nas narrativas de esquerda qualquer menção às iniciativas subversivas de Brizola, do “Grupos dos 11” (1963), ou da guerrilha da Serra do Caparaó (1966), ou ainda do sangrento terrorismo doméstico, da Aliança Libertadora Nacional (ALN), de Marighella, e da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR), de Lamarca (1967-71).

E vivia-se o “ano rebelde de 1968”, quando as democracias ocidentais foram surpreendidas com todas as revoltas sociais ao mesmo tempo, e os sistemas dominantes de poder no mundo titubearam. No Brasil, unificaram-se universitários e secundaristas, defendendo pautas de reforma do ensino (anteriores a 1964), em grandes manifestações de rua, o que resultou na morte do estudante Edson Luís (março), aproveitada politicamente como crime perpetrado pelo regime. Houve violentas manifestações populares na França (maio), com repercussão imediata no Rio de Janeiro, culminando com a Passeata dos Cem Mil (junho).

Aconteceram ainda virulentas reações ao governo, provenientes de outras categorias de descontentes, operários, escritores, religiosos, professores, músicos, cantores, cineastas, todos convencidos que o “retorno às liberdades democráticas” estava assegurado com a violência “sem perder a ternura” das esquerdas.

Diante desse quadro de convulsão político-social, nada se fala sobre a inevitabilidade do AI5, ou sobre qual solução pacífica seria possível adotar para enfrentar aquela guerra assimétrica declarada, onde assassinatos de sentinelas, assaltos à banco e atentados à bomba eram diários.

Ninguém sequer lembra daquelas vítimas ou dos sobreviventes, como o filho de 9 anos do Capitão americano Chandler, que testemunhou o pai ser executado friamente, em frente de casa, suspeito de ser Agente da CIA; da família do Major alemão Westernhagen, aluno da Escola de Estado Maior do Exército, assassinado “por equívoco” pela organização terrorista COLINA; ou das famílias das vítimas do atentado à bomba no Aeroporto do Recife, que ceifou duas vidas, além de mutilar e ferir gravemente mais de 20 pessoas, que nada tinham a ver com o governo militar.

Tudo isso aconteceu antes do AI 5!

O Estado tinha a obrigação de combater esses crimes, e para tanto dispunha – desde 1935 – de um dispositivo legal (com edições em 1937,53,46,67):

A Lei de Segurança Nacional (extrato versão 1953)

Art. 1º São crimes contra o Estado e a sua ordem política e social [...]:

[...] Art. 2º Tentar: ......... IV - subverter, por meios violentos, a ordem política e social, com o fim de estabelecer ditadura de classe social, de grupo ou de indivíduo;

[...] Art. 3º Promover insurreição armada contra os poderes do Estado.

Mas, a narrativa corrente é que sádicos militares, como astutos ditadores saindo do armário, arquitetaram uma situação que justificaria censurar, torturar e perseguir intelectuais, estudantes e artistas, estes apenas empenhados em restaurar a democracia no país. Na verdade, o que os governos militares fizeram foi resguardar a democracia, ao impedir a instalação de uma ditadura do comunista no Brasil, objetivo velado de todos aqueles movimentos armados.

Por que não há qualquer referência às liberdades, inclusive de imprensa e de reunião, totalmente preservadas até 14 de dezembro de 1968?

Por que não se menciona que a própria democracia, existente durante todo o governo Castelo Branco e parte do governo Costa e Silva, foi usada pelas esquerdas de forma antidemocrática e criminosa contra o Estado?

Ninguém responsabilizou até hoje o PC do B de João Amazonas, ou a ALN de Marighela, pelo crime de haver seduzido um punhado de jovens, completamente despreparados, armados tão somente de sonhos e ideais, iludidos de estarem lutando pela democracia, lançando-os em um combate quixotesco contra um Exército de 300 mil homens.

O Tribunal da História ainda aguarda a verdade da esquerda brasileira: sua aventura político-militar criminosa não pode continuar mistificada, ou permanecer desconhecida do grande público, travestida de luta do bem contra o mal.

Sim, houve erros, abusos, tortura e mortes injustificadas dos dois lados, ao longo daquela luta fratricida. Mas, uma guerra civil revolucionária não pode ser falsificada como luta pela democracia de ingênuos idealistas, contra uma “ditadura de ocasião”.

O saldo daqueles “anos de chumbo” – oficialmente reconhecido – foi de 434 mortos e desaparecidos do lado da guerrilha, além dos nunca lembrados 119 cidadãos vítimas do terrorismo, números bem inferiores aos dos vizinhos do continente, que amargaram processos semelhantes, mais longos e com muito mais vítimas: Cuba, 25 mil; Colômbia, 200 mil; Chile, 3.500; Argentina, 30 mil; Uruguai, 5.500; El Salvador, 80 mil. O livro “Brasil Nunca Mais”, da Arquidiocese de São Paulo, lista ainda 1.918 relatos de tortura (nem todos comprovados), o que levou os governos pós-1988 distribuírem prodigamente mais de 25 mil benefícios aos que se disseram vítimas - direta ou indiretamente - da ditadura: cerca de 14 bilhões de reais entre indenizações e pensões, nenhuma destinada aos tombados em defesa do Estado.

Omitindo os crimes e desatinos daqueles jovens enfeitiçados pelo canto da sereia comunista, com apoio dos intelectuais, da imprensa e da Academia, os perdedores daquelas trocas de chumbo, dos idos das décadas de 60/70 conseguiram se tornar vítimas da História. Adotando a estratégia das narrativas, desinformados e ressentidos ideológicos passaram a demonizar o “regime militar”, repetindo ad nauseam na universidade, na televisão, nos jornais, uma visão invertida e caricatural dos acontecimentos, enfatizando a violência apenas do lado dos militares, romantizando os assassinatos, e justificando os roubos e justiçamentos das esquerdas como “luta pela democracia”.

Foi assim, mentindo, ocultando a verdade e pregando versões ideológicas dos acontecimentos, que as farsas do “autoritarismo democrático” e da “democracia relativa” acabaram chegando ao poder.

Março de 1964 precisa acabar. E isso não diz respeito apenas ao passado, mas ao presente e, sobretudo, a um conceito compartilhado de futuro, porque não somos obrigados a continuar vivendo as mentiras comunistas.

*Gen Div R1 Marco Aurélio Vieira

Foi Comandante da Brigada de Operações Especiais e da Brigada de Infantaria Paraquedista

** Este texto é de opinião e é de total responsabilidade de seus idealizadores. 

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Por Jornal da República em 31/03/2024
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