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No final de julho o presidente Jair Bolsonaro, ao ser indagado sobre o convite feito ao senador Ciro Nogueira (PP-PI) para assumir a Casa Civil, declarou: “eu sou do Centrão”. A declaração foi uma forma de justificar o convite à Ciro Nogueira, presidente do PP, um dos partidos do Centrão. O episódio chama atenção pelo fato de que Jair Bolsonaro se elegeu em 2018 com um discurso personalista de que representaria uma “nova política”, sinalizando que a “velha política” era aquela feita pelos políticos do Centrão.
O Centrão é um grupo informal, composto por parlamentares de diversas legendas com orientação política à direita, que, de acordo com os analistas políticos, atua no Congresso Nacional pautado mais por interesses pessoais e fisiológicos do que por princípios ideológicos. A lógica do Centrão seria “estar no governo, não importa quem governa”. Os integrantes do Centrão marcaram presença, por exemplo, nos governos de Fernando Henrique Cardoso, Lula, Dilma Rousseff, Michel Temer e, agora, Jair Bolsonaro.
É possível ver na atuação dos membros do Centrão uma das características singulares do sistema político brasileiro. No caso, eu me refiro aquilo que o filósofo Marcos Nobre definiu no livro Imobilismo em movimento como cultura do pemedebismo, ou seja, a blindagem feita ao sistema político contra forças sociais de caráter progressista efetuada por integrantes desse conjunto variado de partidos políticos no Congresso Nacional.
O pemedebismo se estabeleceu ao longo dos anos 1980 a partir da aliança de forças políticas capitaneadas pelo PMDB que atuaram no processo de encerramento da Ditadura Militar (1964-1985). Naquele momento, forças políticas e sociais progressistas defendiam que a redemocratização do país deveria viabilizar uma distribuição mais igualitária de renda e poder. Contudo, do ponto de vista dos grupos dominantes, era necessário controlar o processo de implantação de um novo modelo político, evitando ao máximo uma mudança radical na correlação de poder na sociedade com o fim do regime ditatorial.
Segundo Marcos Nobre o pemedebismo pode ser compreendido a partir de cinco elementos: 1) o governismo, ou seja, estar sempre no governo, seja qual for ele e seja qual for o partido a que se pertença; 2) a produção de supermaiorias legislativas que se expressam na formação de um enorme bloco de apoio parlamentar ao governo; 3) funcionar segundo um sistema hierarquizado de vetos e de contorno de vetos; 4) fazer todo o possível para evitar a entrada de novos membros, de maneira a preservar e aumentar o espaço conquistado; 5) bloquear oponentes nos bastidores, evitando o embate público.
O pemedebismo, enquanto prática política no Legislativo, busca formar enormes blocos para “garantir a governabilidade”, inibindo o poder executivo de estabelecer acordos no varejo, uma vez que seria exigido primeiro a aceitação do superbloco de apoio. Lula, que no começo do primeiro mandato tentou escapar da lógica do pemedebismo, aderiu a ela diante da crise política de 2005 que ficou conhecida como Mensalão. Dilma Rousseff, apesar de todo desgaste político, só foi retirada do poder em 2016 após a atuação decisiva do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que exigia que ela atuasse para impedir investigações sobre corrupção contra membros do Centrão. Hoje, é amparado nesse grupo que Bolsonaro se sustenta no poder, após perder apoio social e político.
No momento em que se acentua a crise política no país, com Bolsonaro colocando em dúvida a credibilidade do processo eleitoral e até mesmo a realização de eleições presidenciais em 2022, é preciso estar atento para o fato de que o bloco suprapartidário chamado de Centrão não é garantia da preservação do regime liberal-democrático. Uma olhada na biografia de muitos políticos que fazem parte desse bloco vai revelar um passado de atuação no MDB e ARENA, os partidos políticos que atuavam na época da Ditadura Militar. O próprio Bolsonaro, saudosista do período ditatorial, fez carreira política no PP.
Um segundo ponto que merece reflexão diz respeito ao debate sobre as eleições de 2022. Se fala muito sobre uma candidatura que possa derrotar Bolsonaro e o perigo que ele representa para a preservação da democracia estabelecida pela Constituição de 1988. Contudo, no meu ponto de vista, os dilemas da vida política do país não serão resolvidos apenas com a troca da pessoa que ocupa a cadeira presencial. É a cultura do pemedebismo que precisa ser extinta para que grupos sociais historicamente marginalizados das estruturas de poder tenham espaço e possibilidade de atuação. Esse seria um passo fundamental na direção de uma fecunda democracia política e social no Brasil.
Por Ricardo Oliveira da Silva
Doutor em História pela UFRGS e docente do Curso de História da UFMS/CPNA
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