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Nesse fim de semana surgiu na imprensa uma notícia de que uma cidadã fora detida pela Polícia Rodoviária Federal por, segundo consta da matéria, xingar o Presidente Bolsonaro durante sua passagem pelo Município de Resende-RJ, e que a mesma fora autuada pela Polícia Federal pelo crime de injúria.
Nada de anormal no cenário jurídico-criminal, não fosse o fato da vítima desse suposto crime, acima referido, ser o então Presidente da República, justamente quem, ao lado dos seus aliados, correligionários e eleitores, defende fortemente a dita liberdade de expressão contra todo tipo de repressão.
Causa espanto, portanto, que haja, ainda em pleno século XXI, distinção casuística sobre a incidência dos fatos típicos e causas de justificação presentes no ordenamento jurídico brasileiro, uma vez que, como é cediço, conforme previsão expressa na Constituição da República de 1988, “todos são iguais”, ou pelo menos deveriam ser.
Por certo que, dessa vez, e somente dessa vez, no que tange especificamente a questão da liberdade de expressão e do alcance do direito penal aos fatos que nos chegam ao conhecimento, o então Presidente está correto e dentro do seu direito, afinal, mesmo num ambiente constitucional de liberdade que nos guarda, não é lícito a qualquer pessoa xingar outro cidadão, seja ele quem for.
A liberdade de expressão, conforme expressa previsão da Constituição Federal, traz como diretriz que todos têm o direito de expressar suas ideias, opiniões e sentimentos, das mais variadas formas, sem que essa manifestação seja submetida a um controle prévio, por censura ou licença, ou seja, visa proteger a expressão da manifestação do cidadão por qualquer meio e forma.
Nesse sentido, a liberdade de expressão é considerado princípio constitucional de grande relevo, mas de aplicação não absoluta, razão pela qual, com base na ponderação de princípios constitucionais, é possível mitigar o seu conteúdo, em razão da necessidade de preservação de outros valores com igual índole constitucional, em especial o princípio da legalidade e da dignidade da pessoa humana, este núcleo essencial do constitucionalismo moderno, regra matriz dos direitos fundamentais.
Não resta dúvida de que a Constituição Federal assegura o respeito à dignidade da pessoa humana e a observância aos princípios do Estado Democrático de Direito, onde é dever de todos e, em especial do Judiciário, observar o respeito ao princípio da legalidade e rechaçar todo e qualquer extrapolação ao exercício de um direito, em especial à liberdade de expressão.
Portanto, vez que a liberdade absoluta pode acarretar, às vezes, sérios inconvenientes e prejuízos, torna-se legítimo o poder conferido ao Estado para restringir a liberdade de expressão, quando esta conflitar frontalmente com princípios basilares dos cidadãos e da República, sem distinção, o que deverá ser analisado no caso concreto, pautando-se sempre na matriz dignidade da pessoa humana, ou seja, diante de colisões, é esta que servirá para orientar as necessárias soluções de conflitos.
Convém assinalar, então, que o conteúdo da liberdade de expressão sofre, sim, certa limitação, como toda e qualquer liberdade pública, justamente em razão da necessidade de preservação de outros valores com igual índole constitucional que, por ventura possa confrontar; afinal, como visto, nenhum direito fundamental é absoluto, razão pela qual, a limitação do exercício da liberdade de expressão, quando este gerar um desequilíbrio no confronto direto com outros princípios constitucionais, no presente caso a honra e dignidade alheia, está em perfeita compatibilidade com a ordem constitucional vigente e em harmonia com os mais caros princípios de proteção à pessoa humana e ao Estado.
No entanto e para concluir, mesmo que dentro do seu direito constitucional e legal de exigir uma providência estatal contra a cidadã que o xingou em via pública, não por ser Presidente da República, mas como direito reservado a qualquer cidadão, é, no mínimo, contraditório que alguém que luta tanto pela tal liberdade de expressão plena e sem restrições, como forma de poder reivindicar tudo o que assim entender por correto, a ponto de criticar de modo enfático e aberto diversas autoridades, seja vítima de um simples xingamento ao ponto da Polícia Federal deixar de lado crimes e problemas mais graves e complexos para autuar uma simples cidadã exaltada pelo atual momento de polarização que vive o Brasil. E só para constar, não defendemos o erro de qualquer cidadão, mas só exigimos um mínimo de coerência.
Amilton Augusto
Advogado especialista em Direito Eleitoral e Administrativo. Vice-Presidente da Comissão de Relacionamento com a ALESP da OAB/SP. Membro julgador do Tribunal de Ética e Disciplina da OAB/RJ. Membro fundador da ABRADEP - Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (2015). Membro fundador e Diretor Jurídico do Instituto Política Viva. Membro do Conselho Consultivo das Escolas SESI e SENAI (CIESP/FIESP). Coautor da obra coletiva Direito Eleitoral: Temas relevantes - org. Luiz Fux e outros (Juruá,2018). Autor da obra Guia Simplificado Eleições 2020 (CD.G, 2020). Coautor da obra Dicionário Simplificado de Direito Municipal e Eleitoral (Impetus, 2020). Palestrante e consultor. E-mail: contato@amiltonaugusto.adv.br.
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