Transporte público: colapso anunciado

Transporte público: colapso anunciado

A crise do transporte público de passageiros vem se agravando nos últimos anos e ficou inteiramente escancarada com a pandemia de covid-19, que teve como consequência restrições severas à circulação de pessoas e a redução drástica do número de usuários.  

Essa fuga de passageiros já vinha ocorrendo devido ao alto valor das tarifas - nunca devemos esquecer que as grandes manifestações de 2013 tiveram como estopim um aumento de 20 centavos no preço da passagem de ônibus - e uma consequente busca de meios alternativos: dos aplicativos de transporte a lotações clandestinas, chegando até a pessoas que passaram a se locomover a pé por não ter como arcar com o custo de usar o transporte público. 

A pandemia colocou o transporte público de passageiros na iminência de um colapso. Segundo levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) nas maiores cidades do país, 10 operadoras de transportes e um consórcio suspenderam as atividades; quatro operadoras encerraram suas atividades; uma operadora e um consórcio operacional sofreram intervenção na operação; e quatro operadoras tiveram seus contratos suspensos. 

Em outro aspecto da crise, igualmente ou mais grave, de janeiro a dezembro de 2020, mais de 66 mil postos de trabalho foram perdidos em todo o segmento de transporte público urbano de passageiros, segundo dados do Painel do Emprego da Confederação Nacional do Transporte (CNT).  

Esses números ajudam a explicar porque, apesar da redução da demanda na pandemia, há tantos registros de ônibus e trens superlotados: a oferta de transporte também foi drasticamente reduzida. 

Vale lembrar que o Congresso Nacional chegou a aprovar, em novembro passado, uma lei para permitir um ajuda emergencial às concessionárias de transporte de passageiros, através de estados e municípios, no valor de R$ 4 bilhões.  

O projeto foi integralmente vetado pelo Poder Executivo, alegando vício de origem (pois esse tipo de auxílio não poderia ser proposto pelo Legislativo) e falta de previsão orçamentária. Entretanto, o governo federal lavou as mãos e não propôs qualquer alternativa, deixando a administração da crise inteiramente com os estados e municípios concedentes dos serviços de transporte de passageiros.  

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Assim, caminhamos, principalmente nos grandes centros urbanos como a Região Metropolitana do Rio de Janeiro, para o colapso no sistema de transporte, que terá gravíssimas consequências. 

Uma ação emergencial do governo federal neste momento de pandemia é fundamental, mas também precisamos olhar para os problemas estruturais do sistema: no centro da crise, está um modelo de financiamento e remuneração baseado apenas na tarifa. Se a concessionária é remunerada pelo número de passageiros transportados, a tendência é que ela busque levar o maior número possível de passageiros com menor custo.  

O resultado deste modelo tem como consequência ônibus e trens sempre superlotados, além da falta de veículos em locais onde a demanda é mais baixa ou o custo mais alto, o que leva a um sofrimento diário para os usuários, principalmente aqueles que moram na periferia. 

Os gestores - e a falta de atenção do governo federal para a crise é apenas um exemplo - tendem a tratar o transporte de passageiros como se fosse apenas um problema das empresas operadoras do sistema e esquecem que elas são apenas concessionárias de um serviço público. Precisamos discutir um novo modelo de financiamento que tenha como base fórmulas para que o transporte individual subsidie o transporte público como acontece em todas as partes do mundo.  

Neste novo modelo, é fundamental, naturalmente, garantir a transparência e a fiscalização dos recursos. Mas o transporte público precisa ser tratado como serviço público e não apenas como um negócio das concessionárias. O transporte público é um direito social previsto na Constituição: precisamos buscar a fórmula para que o Poder Público tenha recursos - como acontece em setores como saúde e educação - para garantir esse direito. 

 Hugo Leal é advogado, compositor, economista e político brasileiro. 

 

 

 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Tribuna da Imprensa Digital e é de total responsabilidade de seus idealizadores.

Por em 26/04/2021
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