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Na semana máxima do turfe nacional, o Meeting do GP Brasil, tivemos a honra de sentar para conversar com o jóquei número 1 do mundo, o piloto Jorge Antônio Ricardo. Carioca da gema, nascido no bairro do Leblon, Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro e aos 59 anos de idade, o piloto ainda desfila seu talento pelas raias e vem dando trabalho aos jóqueis mais novos. Vindo da Argentina, por onde esteve radicado ao longo dos últimos anos, Ricardo voltou a montar na Gávea em Setembro de 2020 e ao final do ano hípico, em junho de 2021, terminou a estatística do concorrido turfe carioca em quarto lugar e foi o jóquei premiado com o melhor aproveitamento no Hipódromo de Cidade Jardim/ SP, onde vem montando com certa frequência.
Filho de Dona Maria e Antônio Ricardo, este considerado por muitos como um dos melhores jóqueis que já existiram, Ricardinho tem toda a sua vida ligada ao turfe. Como ele mesmo diz, montou em um cavalo aos 5 anos de idade e de lá para cá nunca mais parou.
“Eu fui criado dentro das cocheiras, seguia meu pai em todos os cantos. Aos cinco anos ele já me colocava em cima dos cavalos. Eu sempre o admirei bastante e quis seguir seus passos, tudo o que eu sei hoje, devo demais a ele. Foram seus ensinamentos, seus conselhos, seus puxões de orelha e os que a minha mãe me davam que me fizeram ser quem eu sou hoje, como pessoa e como profissional. Aos dez anos de idade eu já montava na cocheira e no bombril (raia auxiliar de treinamento que existia no Hipódromo da Gávea), o começo foi muito difícil, não é nem um pouco fácil manejar um animal de quase quinhentos quilos. Eu sofri algumas quedas e cheguei a pensar em não seguir adiante, mas a vontade de me tornar um jóquei profissional foi maior e me fez persistir.”
Sempre ajudado e incentivado pelo seu super herói, o pai, Jorge ingressou na escolinha de profissionais do turfe e ao longo de seis meses como aprendiz, conquistou as 50 vitórias necessárias para que pudesse se profissionalizar. Da turma de alunos que ingressaram consigo, Ricardinho é o único remanescente. Sua primeira vitória na carreira foi montando o animal Taim, treinado pelo seu pai.
“Minha estreia foi muito badalada na época, eu carregava o peso de ser o filho do Antônio Ricardo. Meu pai preparou o Taim para eu vencer, era a barbada do páreo, e embora tivesse toda essa responsabilidade em cima de mim, ganhamos disparado. Seis meses depois, obtive as cinquenta vitórias necessárias para passar a jóquei naquela época. Falando assim, parece que era fácil obter esse número de vitórias, mas naqueles tempos, era muito complicado. Os páreos sempre saíam muito cheios e bastante equilibrados e os jóqueis eram de um nível técnico altíssimo, posso citar umas pedreiras que tive pelo caminho: Goncinha, Juvenal, Jorge Pinto, Adail Oliveira, e muitos outros.”
Em 1976, ano de sua estreia, um outro jóquei começava a despontar no cenário nacional, era Juvenal Machado da Silva, que anos depois se tornaria um dos maiores adversários de Jorge Ricardo dentro das raias e os dois viriam a ser protagonistas de duelos que atrairiam o público e a mídia ao hipódromo. Dois gênios na arte de conduzir um Puro Sangue Inglês, dois jóqueis competitivos que não deixaram a rivalidade gerada nas arquibancadas lotadas atrapalhar a relação de carinho, amizade e respeito que um tem pelo outro até os dias de hoje. Foram retas e mais retas brigadas cabeça a cabeça, mas sempre com lealdade, digna de verdadeiros atletas que não gostam de perder, mas sabem reconhecer a vitória do outro.
“O Juvenal é uma das pessoas que tive o maior prazer em conviver. Nunca tive um problema sequer com ele, sempre foi uma ótima pessoa e um ótimo profissional, nossa disputa era somente dentro da raia, fora das pistas sempre existiu amizade, respeito e admiração, eu aprendi bastante com ele. A rivalidade foi criada, foi bacana para o esporte, movimentou bastante. Eu acho que essa disputa sadia engrandece o espetáculo, isso tem que existir. É até um incentivo para os garotos que estão começando, eles precisam se espelhar em alguém, precisam ter vontade de ganhar daquele adversário. Eu, como garoto na época, queria ganhar do Juvenal que era o cara do momento, era o meu ídolo e eu queria superar ele. Foi uma época muito boa e de muito aprendizado.”
Juvenal, que é pentacampeão do GP Brasil, venceu o páreo mais importante do turfe nacional por duas vezes para cima de Jorge Ricardo, nos anos de 1986 e 1990. Em 1992, numa reta emocionante e debaixo de bastante chuva, a primeira vitória de Jorge Ricardo no GP Brasil veio, e para cima de Juvenal.
Ricardo considera essa conquista como uma das maiores emoções já vividas na carreira.
“Ganhar o GP Brasil era uma coisa que eu perseguia há um tempo e já tinha batido na trave por duas vezes. Ganhar esse páreo sempre foi muito difícil, naquela época era mais difícil ainda e ganhar para cima do Juvenal então… durante a reta, teve um momento que achei que fosse perder para ele de novo, mas o meu cavalo, o Falcon Jet, que estava se despedindo das pistas, colocou o coração na frente das patas e me deu esse presente. Foi muito emocionante.”
No ano seguinte, em 1993, Ricardinho, então contratado do Haras Santa Ana do Rio Grande, que era uma das grandes potências do turfe, recebe uma ligação do saudoso treinador João Luis Maciel, de quem era muito amigo. A partir daquela ligação, muitas coisas mudariam na vida de Jorge Ricardo e uma das parcerias mais promissoras e duradouras do turfe nacional estava prestes a surgir.
Ricardinho assinaria um contrato com o Stud TNT, de propriedade de Gonçalo Torrealba, e que viria a se tornar um dos maiores investidores do turfe.
“Quando atendi o telefone, o João disse que tinha um proprietário novo que estava chegando e iria investir muito no turfe e completou dizendo que ele havia me indicado para ser o jóquei desse novo Stud. Eu me lembro de ter ficado na dúvida de sair do Santa Ana e ir para uma casa nova. Fiquei com o receio de que poderia ser coisa de momento e não durar mais de um ano, eu questionei se deveria trocar o certo pelo duvidoso e não queria sair de onde eu estava. Daí o João virou para mim e disse que se eu realmente confiava nele, era para eu estudar com carinho a possibilidade de um novo contrato. Fomos a uma reunião na casa do Gonçalo e levei comigo o Paulo Gama que era meu agente na época. Conversa vai, conversa vem, o Gonçalo pede para eu apresentar uma proposta a ele, eu me recordo de ter feito uma proposta grande, certo de que ele não aceitaria, e adivinha o que aconteceu? O Gonçalo aceitou. A partir daquele momento, não tive escolha (risos). Eu, por respeito e pelo caráter que tenho, depois de ter jogado as cartas na mesa, não poderia dar para trás. Assinei o contrato e o resto todo mundo sabe. Está marcado na história do turfe, nós ganhamos tudo o que foi possível.”
Durante essa parceria com o Stud TNT, Ricardo conheceu o cavalo a quem elege o melhor animal que ele teve a oportunidade de montar: Much Better.
“Montei diversos animais muito bons, que ficaram na minha memória, mas o Much Better é imbatível. Ganhamos o Brasil, Pellegrini (na Argentina), dois Latino-Americano, São Paulo… Fomos décimo quarto colocado no Arco do Triunfo na França, chegando a 6 1/2 do vencedor, e apenas 21 dias após essa corrida, o cavalo correu um grande prêmio aqui no Brasil chegando em segundo lugar, perdendo no olho mecânico e em tempo recorde. Era um cavalo de ferro, uma máquina e que era treinado pelo excepcional João Luis Maciel que o conhecia na palma de sua mão. Much Better estará para sempre na minha memória e no meu coração.”Chegamos ao ano de 2005 e Ricardo se vê diante da mesma situação de anos atrás. Uma nova proposta tentadora para mudar de casa, mas dessa vez, era para mudar de país também. Ricardo Benedicto, um dos maiores proprietários de cavalos de corrida na Argentina, fazia questão de ter o piloto brasileiro defendendo sua farda nas pistas dos hipódromos de San Isidro, Palermo e La Plata.
No ano seguinte, 2006, Ricardinho dava o pontapé inicial na parceria com o Stud Rubio B. Por conta do código de corridas vigente na Argentina, durante seis meses o piloto não poderia montar para outro proprietário senão o seu contratante, e como Jorge já buscava o recorde mundial de vitórias, deu-se início a uma verdadeira saga: terça, quarta e quinta montava na Argentina. Nos outros dias, principalmente aos sábados e domingos, montava na Gávea.
Passado esse período, Ricardo optou por transferir-se de vez para o país vizinho, por onde ficou durante 14 anos.
“Eu sempre gostei bastante da Argentina, todas as vezes que eu tinha ido montar lá, sempre havia sido bem recebido pelo público e pelos profissionais que atuam por lá. O turfe argentino é muito forte e eles tem uma paixão pelo esporte que eu nunca vi em outro lugar.
Eu sempre gostei muito de trabalhar com metas e objetivos a serem alcançados… eu estava correndo atrás do recorde mundial e queria novos desafios para a minha carreira, pois na Gávea eu já tinha conquistado tudo. Precisava de coisas novas e mais desafiadoras e como na Argentina tem corridas todos os dias, enxerguei a oportunidade de quebrar o recorde de vitórias mais rápido ficando por lá e tracei novos objetivos, como ganhar uma estatística argentina, por exemplo.
Foram dez anos de contrato com o Rubio B, ganhamos provas de grupo, estatísticas, batemos o recorde de vitórias em uma temporada, foi um período muito proveitoso. Posso dizer que o Rubio B era o TNT da Argentina.”
Após o término da parceria com o Stud Rubio B, Ricardo ainda ficou radicado na Argentina até setembro do ano passado (2020). Ricardinho pretendia seguir montando por lá mais um tempo e retornar ao Brasil somente quando estivesse pensando em se retirar das pistas, mas a pandemia do COVID-19 acabou alterando um pouco os planos do campeão mundial.
“Eu sabia que o momento de retornar para o Brasil estava prestes a chegar, o turfe na Argentina é muito competitivo e eu não sou mais um garoto de 20 anos, tive duas quedas muito fortes nos últimos anos que acabaram me atrapalhando um pouco. Junto disse, eu sentia que estava muito longe da família, dos meus filhos, da minha mãe e com o isolamento provocado pela pandemia acabei acelerando o processo de retorno ao Brasil. Eu cheguei aqui em setembro do ano passado e a minha ideia era ficar um tempo, matar a saudade de casa e voltar para a Argentina.
Mas confesso que a receptividade que tive aqui foi muito boa, pintaram boas oportunidades de montaria, eu comecei a ganhar umas corridas e aí decidi ficar de vez. A Gávea é a minha casa, é onde tudo começou e onde tenho minhas melhores recordações. Estou em casa novamente, feliz. Mas eu aproveito para mandar um recado para o povo argentino, que sempre me tratou muito bem e com muito carinho. Eu devo uma despedida a eles, saí de lá e não deu tempo de fazer isso. Assim que as coisas acalmarem e a pandemia permitir, na primeira oportunidade que eu puder viajar para lá, farei isso. Eu volto para me despedir em gratidão ao povo de lá. Tenho essa dívida com eles.”
O retorno ao Brasil está sendo em grande estilo, digno de Jorge Ricardo. Competindo de igual para igual com pilotos expoentes da nova geração, Ricardo desembarcou na Gávea em setembro do ano passado, com o ano hípico já em andamento, e conseguiu terminar a temporada em quarto lugar na estatística de jóqueis. Incansável, trabalha todos os dias, seja no CT Gávea ou nos CT´s espalhados pela região serrana do Estado do Rio de Janeiro. Tem ido montar com frequência no Hipódromo de Cidade Jardim em São Paulo aos sábados e no domingo já está de volta à Gávea para montar nos páreos daqui. Ricardo é um exemplo aos mais jovens não só por todas as conquistas, mas pelo amor, dedicação e seriedade que sempre levou a profissão, que consequentemente o fez chegar ao topo e que o mantém no lugar mais alto esses anos todos de carreira.
Afirma categoricamente que enquanto estiver se sentindo com saúde e bem para montar, irá continuar se divertindo em cima dos cavalos de corrida. Hoje, consagrado mundialmente, diz não traçar mais metas para a carreira, sabe que está cada vez mais próximo da hora de aposentar o chicote, então quer aproveitar ao máximo o presente e ser feliz fazendo aquilo que ele ama: montar cavalos de corrida! E para as pessoas que acham que ele já deveria ter parado de montar, Ricardo diz que cada um sabe de si e se mostra resignado com esse preconceito quanto a idade.
“Claro que não tenho mais o rigor de vinte anos atrás, claro que não sou um garoto, mas tenho a experiência, a técnica e a sabedoria adquirida ao longo da carreira, tanto é que ainda ganho corridas pra cima desses meninos mais jovens, como Leandro Henrique, Bruno Queiroz, e outros. E perco para eles também. O esporte é isso, é sobre ganhar e perder. Não vivo só de glórias.
Mas, enquanto Deus permitir e eu tiver saúde e a cabeça boa para continuar montando, continuarei. Acham que por conta da idade, já acabou, mas ainda tenho lenha para queimar e por um lado, não preciso provar mais nada a ninguém. Eu monto porque isso é a minha paixão, é a minha vida. Eu me sinto bem fazendo o que eu faço. Às vezes ouço de um ou de outro: para de montar, vai aproveitar a vida, aproveitar o dinheiro. Rapaz, e quem é que disse que eu não aproveito?! Só que do meu jeito e não do jeito que querem. Por exemplo, fui convidado uma vez para montar na Inglaterra. Fui alguns dias antes e aproveitei para passear por lá, conhecer a cidade, restaurantes… montei, cumpri o meu dever, e voltei. Fiz a mesma coisa recentemente na Arábia. Gosto de unir o útil ao agradável!
O homem das pouco mais de treze mil vitórias, recordista mundial, tem tanto amor pela carreira de jóquei que os olhos brilham ao falar sobre sua trajetória e diz que valoriza cada uma das vezes que passou a linha de chegada na frente dos demais, seja em páreos menos expressivos ou provas de grupo I.
Ricardo sabe o quanto é árduo o trabalho de lidar com um cavalo no dia a dia e o quanto de gente que existe por trás de cada animal que entra na raia para competir. Se sente realizado ao vencer uma carreira por saber que está dando alegria e satisfação a outras pessoas também.
“Não consigo eleger uma vitória como a mais significativa. Cada vitória é uma vitória, cada uma tem o seu gostinho e sua história. Tiveram várias que foram especiais, mas todas são para se valorizar. Eu vibro demais quando ganho um páreo, porque a minha vida sempre foi essa. Eu faço isso por amor, seja páreo de claiming ou um grande prêmio. Passar na frente é a sensação de dever cumprido.”
Ainda sobre suas vitórias, não deixa de mencionar que uma das mais importantes foi vencer um Linfoma de Hodgkin em 2009. Durante a realização de exames após uma queda sofrida numa corrida, Ricardinho foi alertado que teria que parar de montar durante um tempo para poder tratar do tumor que havia crescido de 2007, quando foi descoberto, até aquela data.
“Foi um susto, um período complicado, de dúvidas, mas nunca deixei de ter a esperança que eu iria tratar e voltaria a montar. Foram seis meses de tratamento e Graças a Deus hoje está tudo ok.”
Rever a carreira de um atleta profissional de alto rendimento nos faz achar que o que eles praticam, são coisas fáceis, tamanha a simplicidade que esses fenômenos tratam seus feitos. Jorge Ricardo faz parecer que montar um cavalo de corrida é tão fácil quanto Ronaldo fazia parecer que marcar dois gols em final de copa do mundo é mole! Não é nem um pouco exagerado pôr na mesma prateleira: Ricardinho, Senna, Marta, Ronaldo, Guga, Oscar, Hortência, Maria Esther Bueno, Joaquim Cruz, Gustavo Borges e tantos outros que marcaram o nome na história do esporte brasileiro.
Durante a nossa conversa fui ouvindo suas histórias e percebendo a forma simples e apaixonada que fala sobre sua carreira, suas conquistas, seus recordes, etc., daí comecei a me questionar se uma pessoa que atinge o nível que ele atingiu, ela consegue mensurar a importância que tem, se consegue ter a noção dos seus feitos, e por aí vai…
Qual é o legado que Jorge Ricardo deixará quando se aposentar?
“Eu nunca imaginei chegar aonde cheguei, nunca pensei isso para a minha vida. Eu queria ser apenas jóquei, apenas seguir os trilhos que o meu pai seguiu. A minha meta quando mais novo era ganhar um GP Brasil, ganhar pelo menos uma estatística de pilotos e, claro, ganhar algumas corridas. O que eu posso garantir é que as coisas foram acontecendo e a cada meta traçada e alcançada, eu ia criando novos objetivos para que eu pudesse me manter sempre motivado, e assim foi sendo construída minha carreira. A sorte tem que andar ao nosso lado, mas não é só dela que precisamos.
Eu sempre fiz por onde, eu sempre fui muito trabalhador e sempre me cobrei muito. Sou muito regrado e dedicado a minha profissão, já abdiquei de diversos momentos importantes com a minha família, me privei de muitas coisas que gostaria de ter feito, mas todo atleta que atinge o sucesso e quer se manter em alto nível, ele tem que estar ciente de que vai precisar passar por isso. Chegar ao topo pode ser fácil e rápido, mas se manter nele, poucos conseguem.
O que eu quero deixar para os mais jovens é apenas o conselho de amarem o que se propuseram a fazer. Se dediquem, sejam humildes, escutem os mais velhos, aceitem as críticas e aprendam com elas. O caminho não se constrói sozinho ou só com sorte, mas com muito trabalho, humildade e honestidade.”
Esse é Jorge Antonio Ricardo, o Ricardinho.
Via Jockey Club Fotos: João Cotta
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