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O juízo da 1ª Vara Criminal da Capital aplicou o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero na sentença de pronúncia de um homem acusado por tentativa de feminicídio. Nos termos da Resolução Nº 492/2023, do Conselho Nacional de Justiça, o juiz Cariel Bezerra Patriota determinou vista à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro para que designe defensor(a) público(a) para atuação exclusiva como assistência qualificada à vítima. Julio Cesar Martins será julgado pelo Tribunal do Júri por tentativa de homicídio qualificado por motivo fútil; à traição, emboscada ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; contra mulher por razões da condição de sexo feminino (art. 121, §2º, incisos II, IV e VI c/c artigo 14, inciso II). De acordo com a denúncia, em janeiro de 2021, no bairro de Santa Cruz, ele teria agredido a ex-esposa com golpes de faca na presença da mãe e dos filhos da vítima. Ainda segundo a denúncia, “em razão de uma discussão motivada por não aceitar o término do relacionamento, o acusado pegou uma faca na cozinha e desferiu diversos golpes contra a ex-esposa/vítima, tendo cessado as agressões quando a mesma fingiu ter morrido”.
Na decisão, o juiz Cariel Patriota ressalta que a assistência qualificada à vítima de violência doméstica e aos seus familiares (arts. 27 e 28 da Lei 11.340/06) deve ser interpretada de forma ampliativa (art. 3º do CPP), para abranger obrigatória e automaticamente, para além de defesa, todos os poderes e deveres inerentes à assistência à acusação no processo penal (art. 268 e ss. do CPP), inclusive no âmbito do Tribunal do Júri, incluindo tempo de fala nos debates no momento da acusação se assim entender necessário. “Assim, é dever do Juízo designar esta assistência nos casos de feminicídio, por ser imposição legal. Esta imposição, pois, dá-se diante de interpretação dos arts. 27 e 28 da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) em conformidade com a Constituição Federal (artigos 1º, III, 3º, IV, 4º, II, 5º, I, 226, §8º, da CF) e em conformidade com o direito convencional supralegal (Convenção de Belém do Pará – art. 4, alíneas a, e, f, g, c/c art. 7, todas a alíneas, do D. 1.973/1996,). Igualmente, diante das regras de conflitos de leis, uma vez que a lei posterior (Lei 11.340/06) revoga lei anterior (CPP) e a lei especial (Lei 11.340/06) prevalece sobre a geral (CPP)”, afirma.
O magistrado explica ainda que seria desproporcional, inconstitucional e não convencional exigir da vítima que, para ter “assistência qualificada” em juízo, tenha de se deslocar, fragilizada e ainda mais vulnerável pela violência, até a sede da Defensoria Pública e provar ser carente de recursos econômicos e ainda conceder procuração específica para tanto.
Do Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, o juiz destaca: “a.4. A representação processual da vítima. A Lei Maria da Penha, em seu art. 28, estabelece como garantia à mulher vítima de violência de gênero a representação em sede policial e judicial; não raras vezes, além do processo criminal, a vítima depende de profissional com capacidade postulatória para o ajuizamento de ações de natureza patrimonial em seu benefício e de seus filhos. Ainda que o Ministério Público seja o titular da ação penal, nos termos do artigo 129, inciso I, da Constituição Federal, não só pela relação de intimidade, muitas vezes existente entre a ofendida e o acusado, como pelas circunstâncias de subordinação e hierarquização e a discriminação social que se inter-relacionam na violência de gênero, para que se evite o julgamento com exteriorização de preconceitos e estereótipos e considerações depreciativas sobre o comportamento da vítima, a sua representação por profissional com capacidade postulatória atende ao disposto no arcabouço legal que protege os direitos humanos das mulheres e exterioriza cumprimento da obrigação do dever de julgamento com perspectiva de gênero, em obediência ao critério da diligência devida (due diligence)128. Por tais sucessos, a preocupação da magistrada e do magistrado com o cumprimento do art. 28 da Lei Maria da Penha está em compasso com as diretrizes que estruturam o julgamento com perspectiva de gênero, voltado a impedir, no âmbito do processo, o desequilíbrio entre os gêneros e a continuação da violência, desta feita institucional.”
Processo nº: 00123325920218190001
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