A cara da desigualdade social na escola pública

A cara da desigualdade social na escola pública

Uma pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de Educação de Niterói revela como a desigualdade influencia no sistema escolar e no desenvolvimento homogêneo dos estudantes. Embora este não seja um problema novo, a pandemia do coronavírus o deixou ainda mais evidente.

Segundo os dados apresentados no estudo, pouco mais da metade dos alunos (58%) têm conexão por cabo na casa toda, 27% deles utilizam a rede 3G ou 4G do telefone, 11% usam o sinal de WiFi do vizinho ou da comunidade e 3% simplesmente não têm acesso à internet. É importante ressaltar que estes dados são relativos a cidade de Niterói, uma das mais desenvolvidas do estado do Rio de Janeiro.

Os dilemas para implantação de um ensino público com inclusão digital são consequências da hesitação que o próprio sistema público de ensino vem enfrentando historicamente, seja pelo descaso, seja pelo atraso, como os mais diversos profissionais da área registram há anos. A escola precisa compreender, como um todo, que as desigualdades são anteriores à entrada dos alunos no sistema de ensino.

Se as condições de aprendizado inerentes a cada estudante é heterogênea, como um método de ensino uniformizado pode ser democrático? Esse "padrão", portanto, tende a desrespeitar as singularidades produzidas pelas desigualdades com as quais esses alunos têm que lidar desde o nascimento.

As disparidades são confirmadas em outros dados revelados pela mesma pesquisa, tais como: 65% dos alunos acessam a internet através de um celular (considerando que nem todos sejam de qualidade apropriada), 11% através de notebooks, 9% de uma televisão, 8% de um computador de mesa e apenas 4% acessam através de um tablet.

Nesse sentido, podemos dizer que o parâmetro para avaliar o desempenho de cada estudante não pode nem deve se limitar às provas, pois há uma pré-condição que precisa ser observada se quisermos construir uma política pública de educação verdadeiramente democrática.

É fundamental reconhecermos que as crianças dispõem de experiências diferentes ao longo do período pré-escolar e, ao entrarem no sistema de ensino, apresentam condições materiais de aprendizagem diversas. Sem isso, creio que não seremos capazes de superar as deficiências da educação pública. Claramente, não estamos diante de uma tarefa fácil, porém é necessário dar um passo adiante para a escola se conectar com as transformações do mundo e as necessidades das novas e futuras gerações. Por isso, é imprescindível um investimento sério na temática.

Diante desse quadro de problemas inseparáveis e derivados de um país carregado de desigualdades, quais seriam as possíveis soluções?

Tenho analisado, e não é de hoje, que a interrupção dos serviços educacionais gera consequências de longo prazo para a sociedade, agravando as desigualdades, impactos negativos na economia e na coesão social. Será preciso investir em tecnologia e avançar na linha do cuidado integral com apoio psicossocial aos alunos e profissionais da educação que vivenciaram tantas perdas. É importante que haja aquisição universal de notebooks e chips de internet 4G para aumentar os níveis de inclusão digital e a participação dos estudantes. Essa medida contribuirá para que a retomada das aulas não seja um fake. O município de Niterói larga na frente e coloca a educação na ordem do dia, pois está experimentando política pública a partir de evidências e diagnósticos, sem achismos. O fato é que nenhum estudante pode ficar para trás e governo algum tem o direito de deixar uma só criança ao leo.

 

Allan Borges é Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais pela FGV

Por Jornal da República em 11/03/2021
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