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A educação, ao longo da história, tem sido apresentada como ferramenta de ascensão social e qualificação para o mercado de trabalho. No entanto, seu papel transcende a mera capacitação técnica, tornando-se um eixo central na transformação das estruturas econômicas e sociais. Sob a ótica da economia do desenvolvimento, Celso Furtado compreendeu a educação como vetor fundamental para romper ciclos de subdesenvolvimento1 , enquanto Ricardo Antunes, na sociologia do trabalho, problematizou a crescente precarização que afeta a relação entre qualificação e empregabilidade2 . Assim, a articulação dessas abordagens permite refletir sobre como a educação pode ser, simultaneamente, instrumento de adaptação ao mercado e força propulsora de mudanças estruturais profundas.
A perspectiva estruturalista apresentada por Furtado considera o subdesenvolvimento não como mera ausência de progresso, mas como um estado historicamente construído, marcado pela dependência externa e pela reprodução de desigualdades internas3 . Nessa lógica, a educação não se restringe à formação de mão de obra, mas deve reconfigurar o aparato produtivo, promovendo autonomia tecnológica e expansão de setores estratégicos. O investimento em formação qualificada, portanto, não apenas amplia a produtividade, mas possibilita que países emergentes alterem seu papel na divisão internacional do trabalho.
Por outro lado, Ricardo Antunes expõe como a dinâmica do capital vem reformulando a educação e o trabalho, muitas vezes em um sentido regressivo4 . O avanço da precarização e da flexibilização laboral tem desvalorizado credenciais acadêmicas e fragmentado a estabilidade profissional. A promessa de que a qualificação asseguraria empregabilidade plena revela-se, assim, uma falácia diante da automação e da financeirização da economia5 . Para Antunes, a formação profissional, sem um projeto de reorganização do trabalho, pode converter-se em mera adequação a uma lógica produtiva que intensifica a exploração.
O diálogo entre essas duas visões evidencia uma tensão fundamental: enquanto Furtado aponta para o potencial transformador da educação, Antunes alerta para a degradação das condições laborais em um cenário de capitalismo avançado6 . Esse impasse sugere que a educação, por si só, não resolve os dilemas estruturais do desenvolvimento. Seu caráter revolucionário depende de políticas que vinculem qualificação ao fortalecimento do mercado interno e à valorização do trabalho humano, impedindo que a formação sirva apenas à lógica da empregabilidade precária.
Diante desse quadro, o Brasil enfrenta desafios profundos. O modelo educacional, frequentemente atrelado a currículos tecnicistas, precisa ser reformulado para formar não apenas profissionais, mas cidadãos capazes de intervir criticamente na realidade7 . Como apontado por Furtado, sem um projeto nacional de desenvolvimento, a qualificação se esgota na reprodução de dependências econômicas. Por outro lado, as análises de Antunes demonstram que, sem a defesa de direitos trabalhistas sólidos, a qualificação isolada pode se converter em um dispositivo de exclusão, ampliando desigualdades e insegurança social.
Nesse sentido, torna-se imperativo conjugar esforços entre Estado, setor produtivo e sociedade civil para que a educação desempenhe seu papel estratégico. O ensino técnico e superior não pode ser reduzido a uma preparação instrumental para vagas de trabalho efêmeras. Ao contrário, deve estar inserido em uma política de desenvolvimento que amplie a capacidade nacional de inovação e produção tecnológica, com incentivos diretos à indústria e ao setor de serviços qualificados. A educação deve integrar um plano nacional que assegure condições dignas de inserção profissional e fomente um ambiente propício à geração de empregos sustentáveis.
Portanto, a educação é, de fato, uma revolução profissional, mas seu caráter emancipador não se dá automaticamente. Como demonstram as abordagens de Furtado e Antunes, há uma encruzilhada entre formar para o desenvolvimento autônomo ou para a mera adaptação a um mercado volátil. O futuro da educação no Brasil dependerá da capacidade de romper com um modelo subordinado às exigências do capital global e instituir uma estrutura que efetivamente liberte o país das amarras do subdesenvolvimento e da precarização do trabalho. A escolha se impõe com urgência: consolidar um projeto soberano e sustentável ou perpetuar a marginalização econômica e social.
1 Furtado, C. Formação Econômica do Brasil. Companhia das Letras, 2009.
2 Antunes, R. O privilégio da servidão. Boitempo, 2018.
3 Idem, ibidem.
4 Antunes, R. Adeus ao Trabalho?. Cortez, 1995.
5 ibidem.
6 Furtado, C. Criatividade e Dependência na Civilização Industrial. Paz e Terra, 1978.
7 ibidem.
Luciano Martins é advogado, assessor parlamentar e vice-presidente da União Brasileira de Apoio aos Municípios (UBAM) no Mato Grosso do Sul.
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