A metralhadora do embaixador Gilberto Amado e a insistência do professor em Minas

A metralhadora do embaixador Gilberto Amado e a insistência do professor em Minas

Gilberto Amado, gênio da raça, foi embaixador do Brasil no Chile. Houve uma crise diplomática, ele voltou, ficou no Rio em disponibilidade. O ministro do Exterior, Macedo Soares, não o indicava para novo posto. Gilberto Amado perdeu a paciência, avisou:

– Qualquer dia desses, entro no Itamaraty com uma metralhadora embaixo do braço, vou ao gabinete do ministro e disparo: “tatatatatatatatatatá”: Macedo para um lado, Soares para o outro.

DONOS DO LUGAR – Desde o Império, os Andradas e os Bias Fortes foram donos de Barbacena, em Minas Gerias. Mandavam e desmandavam. Às vezes, desmandavam mais do que mandavam. Séculos de poder político.

Até que chegou a Barbacena, por concurso público, um professor de Matemática, para ensinar na histórica Escola Preparatória de Cadetes do Ar, da Aeronáutica. Vinha de longe, de Bananeiras, perto de Campina Grande, na Paraíba, nas fraldas da Serra da Borborema, que o saudoso José Américo jurava que produz os melhores abacaxis do mundo.

O professor até que era amigo dos Andradas e dos Bias, mais dos Bias do que dos Andradas, mas achava que era Andradas e Bias demais para séculos demais. E decidiu pegar a metralhadora do voto do povo e “tatatatatatatatatá”, jogar os Andradas para um lado e os Bias para o outro. E foi o que fez.

PARTICIPATIVO – Tinha o saber camoneano de experiência feito. Chegado da Paraíba em 1951, como eu da Bahia, em 52, fez vestibular para Matemática na FAFI (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras) da Universidade Federal, como também fiz para Filosofia. E fizemos o que um estudante consciente (e nordestinos, imaginem!) faz numa Universidade, em um pais em tempos de crise política. Participamos de tudo.

Ele foi diretor do jornal do Diretório Acadêmico (“Filosofia”), tesoureiro do DCE (Diretório Central dos Estudantes), membro do Parlamento dos Estudantes Mineiros, nosso representante junto à UEE (União Estadual dos Estudantes) e à UNE (União Nacional dos Estudantes).

Até que veio o golpe de 64 e encontrou o professor ensinando matemática no Colégio da Aeronáutica de Barbacena. Foi logo preso e logo solto. Continuou ensinando. Preso de novo, solto de novo. Continuou ensinando. Em 66, ajudou a fundar em Minas o MDB, partido da oposição.

SEM GRAVAÇÃO… – Um dia, o professor saia da aula e encontrou no corredor o sargento José Morais, do Departamento de Ensino da Escola de Cadetes:

– Fui bem hoje, sargento?

– Hoje eu não estava gravando.

O sargento, além de outras tarefas no Departamento de Ensino, comandava o sistema de gravação das aulas de todos os professores. Anos mais tarde, era da Casa Militar de Itamar Franco, no governo de Minas.

Em Barbacena, os Andradas e os Bias, acocorados compulsoriamente no ninho da Arena, foram obrigados a unir-se. A cada eleição, municipal ou estadual, em 70, 72, 74, 78, o professor lançava um candidato ou se candidatava ele mesmo. Ganhava mas não levava, porque os Andradas e os Bias somavam as sublegendas e ficavam com a vitória.

Mas veio e 1982 e “tatatatatatatatatá”, foi Andradas para um lado e Bias para o outro. O MDB (já PMDB) do professor Manoel Conegundes ganhou todas em Barbacena: 

Elegeu o prefeito Lídio Nusca, fez maioria na Câmara, Conegundes se elegeu deputado estadual com uma grande votação e deu mais de 20 mil votos a José Aparecido para deputado federal.

Era a primeira vez, em séculos, que os Andradas e os Bias perdiam.

A TELEVISÃO – Nessa campanha de 82, Aparecido, sábio e diabólico, e Conegundes, sábio e santo, candidatos a federal e estadual, andavam em dobradinha pelo interior, visitando amigos e correligionários. Em Carandaí, lá pelas bandas de Barbacena, foram visitar Jamerson Rodrigues Pereira, mais de 70 anos, velho aliado dos Andradas e curtido de finórias malícias. Recebeu-os na sala modesta, encantado com a visita:

– Estou muito satisfeito de ter os doutores em minha casa. Vejo que são dois nomes muito bons para representarem Minas. Mas quero dizer aos senhores que o líder maior da oposição, em todo o Brasil, não está nos partidos, nem na Câmara e no Senado. Está ali, atrás dos senhores. É aquela coisa quadradinha ali, a televisão. Ela, o líder maior da oposição. É só ligar que vem notícia de aumento. E aumento é voto contra o governo.

SEBASTIÃO NERY - Jornalista, Escritor e Colunista da Tribuna da Imprensa, 1968-1979.

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Tribuna da Imprensa Digital e é de total responsabilidade de seus idealizadores

Por em 26/05/2021
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