Banks: Militante do Estado laico pede ação contra leitura bíblica em Câmara de Vereadores de Itaperuna

Leia a representação de Eduardo Banks na Íntegra

Banks: Militante do Estado laico pede ação contra leitura bíblica em Câmara de Vereadores de Itaperuna

A leitura de um versículo da Bíblia antes das sessões da Câmara transforma o plenário em púlpito e os vereadores em sacerdotes, o que "é absolutamente incompatível com a laicidade do Estado".

O militante do Estado laico e ateu Eduardo Banks fez essa afirmação na representação que encaminhou ao Ministério Público para apresentar ao Tribunal de Justiça do estado do Rio de Janeiro uma proposta de Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) contra o regulamento interno da Câmara que instituiu essa afronta à Constituição.

Os artigos do Regimento que devem ser adaptados a Constituição Federal, que prevê o estado Laico:

... Art. 101 – Para a abertura das sessões da Câmara, o Presidente usará sempre da seguinte frase invocatória: “Sob a proteção de Deus e em nome do povo de Itaperuna, iniciamos os nossos trabalhos”.

Art. 104 - a hora do início dos trabalhos, feita a chamada do Vereadores pelo 1º secretário, o Presidente, havendo número legal, declarará aberta a sessão, e convidará um Vereador, à sua escolha, para a leitura de um Versículo da Bíblia Sagrada.

"Nem a Câmara dos Deputados, nem o Senado Federal possuem determinação de que se faça leitura bíblica na abertura dos trabalhos, logo, nenhum regimento interno de Assembleia Legislativa ou de Câmara Municipal pode conter essa absurda determinação", argumentou Banks.

Como exemplo de decisão judicial contra proselitismo cristão em plenário, ele citou o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que declarou inconstitucional a leitura bíblica no início das sessões da Câmara Municipal de Itapecerica da Serra.

O Estado laico garante o direito de crença, portanto, o livre acesso a escrituras sagradas, diz Banks. "[...] mas esse direito deve ser exercido nas igrejas e em outros locais de culto, nunca, porém, no plenário da Assembleia Legislativa, casa do povo, que pertence a todos".

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Leia a representação de Eduardo Banks na Íntegra 

EXMO. SR. DR. PROCURADOR GERAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO

 

EDUARDO BANKS DOS SANTOS PINHEIRO, qualificação, vem a presença de V. Ex.ª ofertar

REPRESENTAÇÃO

Em face da expressão “Sob a proteção de Deus e”, constante do artigo 101, e da expressão “e convidará um Vereador, à sua escolha, para a leitura de um Versículo da Bíblia Sagrada”, constante do artigo 104, ambos do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itaperuna (Resolução nº. 419, de 25 de Junho de 1991), aduzindo a sua inconstitucionalidade material, propugnando pela propositura, pelo Exmo. Procurador Geral de Justiça, da Ação de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, pelos seguintes fatos e motivos:

I — DOS FATOS:

O objetivo do ora Representante é pleitear do Exmo. Procurador Geral de Justiça que proponha a competente Ação de Inconstitucionalidade (art. 125, § 2º da Constituição Federal e artigo 162 da Constituição Estadual) em face expressão “Sob a proteção de Deus e”, constante do artigo 101, e da expressão “e convidará um Vereador, à sua escolha, para a leitura de um Versículo da Bíblia Sagrada”, constante do artigo 104 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itaperuna, aprovado pela Resolução nº. 419, de 25 de Junho de 1991, por serem normas que obrigam, impositivamente, que se “invoque o nome de Deus” e que se faça “leituras bíblicas” no recinto de uma Casa de Leis, “conjurando” a abertura dos seus trabalhos, antecedendo o debate de quaisquer outras matérias, como se os Vereadores se investissem de “FUNÇÕES SACERDOTAIS”, o que viola de maneira grave o Princípio da Laicidade Estatal, elevado ao status de garantia fundamental no inciso VI do artigo 5º e no inciso I do artigo 19 da Constituição Federal, de reprodução obrigatória nas Constituições dos Estados, in casu, no artigo 71, inciso I da Carta Fluminense.

Pelos mesmos fundamentos adiante explicitados, o Colendo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo declarou a inconstitucionalidade do caput e § 2º do artigo 140 da Resolução n. 105, de 05 de maio de 2010, da Câmara Municipal de Itapecerica da Serra, na redação conferida pela Resolução n. 131, de 14 de outubro de 2015, nos autos da ADI nº 2030657-56.2021.8.26.0000, ajuizada pelo DD. Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo.

Havendo, como há, precedente no âmbito do Parquet de outro Estado pela inconstitucionalidade de Resolução de Câmara Municipal que imponha invocar “o nome de Deus” e institua “leituras bíblicas” antes das sessões, e Acórdão de procedência de ADI emanado pelo Pretório paulista, espera-se que seja, igualmente, proposta a competente Representação de Inconstitucionalidade / Ação Direta de Inconstitucionalidade em face das normas regimentais ora incriminadas.

É simplesmente absurdo que em pleno Século XXI ainda exista gente que creia na “Bíblia”, e mais ainda, que, detenha mandato parlamentar para fazer leis que a empreguem como fonte de Direito. Infelizmente, no Município de Itaperuna isso ocorreu, o que é uma vergonha para o Estado do Rio de Janeiro.

II — DAS NORMAS INCONSTITUCIONAIS:

Este é o teor dos artigos 101 e 104 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itaperuna, aprovado pela Resolução nº. 419, de 25 de Junho de 1991 (acesso à integra em https://www.itaperuna.rj.leg.br/index.php?preview=1&option=com_dropfiles&format=&task=frontfile.download&catid=53&id=3615&Itemid=1000000000000), por meio da qual os Vereadores simplesmente debocharam do bom-senso e fizeram da atividade legisferante um instrumento de catequese ao introduzirem no Regimento Interno uma determinação inconstitucional:

 

RESOLUÇÃO Nº 419, DE 25 DE JUNHO DE 1991.

 

Dispõe sobre o Regimento Interno da Câmara Municipal de Itaperuna, Estado do Rio de Janeiro.

 

A CÂMARA MUNICIPAL DE ITAPERUNA decreta e eu, Vereador João Paulo de Resende Tinoco, Presidente do Legislativo, de conformidade com o disposto no inciso IV, do artigo 42, da Lei Orgânica do Município, promulgo a seguinte.

 

RESOLUÇÃO

R E S O L V E:

[...]

TITULO IV

Das Sessões da Câmara

CAPITULO I

Das Sessões em Geral

Art. 101. Para a abertura das sessões da Câmara, o Presidente usará sempre da seguinte frase invocatória: “Sob a proteção de Deus e em nome do povo de Itaperuna, iniciamos os nossos trabalhos”.

[...]

CAPITULO II

Das Sessões Ordinárias

[...]

Art. 104. À hora do início dos trabalhos, feita a chamada do Vereadores pelo 1º secretário, o Presidente, havendo número legal, declarará aberta a sessão, e convidará um Vereador, à sua escolha, para a leitura de um Versículo da Bíblia Sagrada.

 

Como visto, as normas regimentais incriminadas transformam os Vereadores em SACERDOTES, pois determinam que no início das sessões camarárias, o Presidente “usará sempre da seguinte frase invocatória: “Sob a proteção de Deus e (...)”, e ainda determina que, na abertura das sessões, seja feita “a leitura de um versículo da Bíblia Sagrada”.

Nem a Câmara dos Deputados, nem o Senado Federal possuem determinação de que se faça leitura bíblica na abertura dos trabalhos, logo, nenhum regimento interno de Assembléia Legislativa ou de Câmara Municipal pode conter essa absurda determinação.

A obrigatoriedade (“usará sempre”) da invocação do nome de “Deus”, assim como a leitura de trechos de um “livro sagrado”, seja ele qual for (no caso, a bíblia, mas poderia ser qualquer outro), na abertura dos trabalhos de uma Casa de Leis, em cada sessão legislativa, seja ela ordinária ou extraordinária, é absolutamente incompatível com a laicidade do Estado, sendo vedada a confusão de atividade parlamentares com as dos ministros de confissão religiosa.

No âmbito da catolicidade, as leituras bíblicas feitas nos cultos são selecionadas pela Congregação para a Doutrina da Fé, encarregada de elaborar e revisar o “Missal Romano”, e demais textos de liturgia diária. Entre os cultos protestantes, a escolha das passagens bíblicas a serem usadas incumbe aos pastores, e não aos fiéis, daí que a Câmara Municipal de Itaperuna está cometendo a si mesma funções que pertencem aos sacerdotes na iniciativa privada, não aos Vereadores, que devem representar o POVO, em todo o seu PLURALISMO, e não confundir a sua atividade legisferante com “invocações” e “leituras” que não estejam previstas na Constituição.

O que as expressões incriminadas nos artigos 101 e 104 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itaperuna estão fazendo é promover a organização de atos de culto religioso no recinto de uma Casa Legislativa, pelos próprios Vereadores, como se fossem “áugures” ou “augustais”, ou outros magistrados romanos que acumulavam funções de sacerdócio.

Diante disto, urge que o Ministério Público restabeleça a seriedade e a probidade da coisa pública, mediante a propositura do contencioso de constitucionalidade contra essas normas regimentais abjetas.

III — DAS INCONSTITUCIONALIDADES APONTADAS:

Estes são os dispositivos da Constituição Federal, e da Constituição Estadual do Rio de Janeiro, malferidos pela previsão regimental de invocar o nome de “Deus”, e fazer “leitura bíblica”, na Câmara Municipal de Itaperuna:

Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

 

Art. 71. É vedado ao Estado e aos Municípios:

I - instituir cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o exercício ou manter com eles ou com seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público;

 

Tendo em vista que o artigo 19, e seus incisos, da Constituição Federal, é norma de reprodução obrigatória pelas Cartas Estaduais, as normas regimentais incriminadas se põem em testilha contra o inciso I do artigo 71, da Constituição do Estado do Rio de Janeiro, que estatui a laicidade do Estado, com a vedação aos Municípios de “estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança”.

Sendo “VEDADO” aos Municípios, dentre os quais, por óbvio, se insere o Município de Itaperuna, é lícito ao Tribunal de Justiça declarar a inconstitucionalidade de resolução municipal por violação a dispositivo de observância obrigatória pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, reproduzido na Constituição Estadual.

Esse, ademais, é o melhor entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que ao julgar a ADI 2030657-56.2021.8.26.0000 (tendo por objeto a declaração de inconstitucionalidade de norma do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itapercerica da Serra que impunha a “leitura bíblica” antes da abertura das sessões no Legislativo), pelo seu Órgão Especial, assim decidiu, em votação unânime:

“É importante considerar, sob esse aspecto, que as regras sobre organização político-administrativa (contidas no Título III, Capítulo I, da Constituição da República) traduzem verdadeiro instrumento de calibração do pacto federativo. Vale dizer, como normas centrais da Constituição Federal, reproduzidas, ou não na Constituição Estadual, incidirão sobre a ordem local, por força do princípio da simetria, a fim de conservar o modelo federalista e os padrões estruturantes do Estado, daí a possibilidade de utilização de dispositivos dessa natureza (centrais e estruturantes) no controle abstrato de normas municipais com base na norma remissiva do artigo 144 da Constituição Estadual:

 

‘Artigo 144. Os Municípios, com autonomia política, legislativa, administrativa e financeira se auto-organizarão por Lei Orgânica, atendidos os princípios estabelecidos na Constituição Federal e nesta Constituição’

Assim, verificada a incompatibilidade do dispositivo impugnado com a disposição do artigo 19, inciso I, da Constituição Federal, aplicável aos municípios por força do artigo 144 da Constituição Estadual, não resta outra solução, no caso, senão decretar a procedência da ação.”

(TJ-SP — Órgão Especial — ADI 2030657-56.2021.8.26.0000 — Rel. Des. Ferreira Rodrigues — j. 06.10.2021 — unânime — p. 22.10.2021; grifos do original)

De qualquer modo, causa espanto que as normas regimentais impugnadas não tragam nenhum destaque para outras divindades, como Krishna, Allah, Aura-Mazda, nem preveja leituras de trechos do Rig-Veda, do Alcorão, dos Upanishads, para citar apenas os mais conhecidos, desta forma ignorando os deuses e os livros sagrados de outras crenças e valorizando apenas o texto fundamental das religiões de matriz judaico-cristã; se o fizessem, estariam, naturalmente, instituindo uma “catequese plural” o que também é vedado em um Estado LAICO, mas restringindo a que adore a apenas uma única religião (a professada pelos Vereadores que aprovaram o Regimento Interno), temos, além disso, uma norma exclusivista e discriminatória em relação às demais religiões, o que viola duplamente à Laicidade Estatal.

O sectarismo da normatividade impugnada é tão mais evidente, na medida em que o artigo 104 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itaperuna emprega a expressão “SAGRADA” para se referir à Bíblia, o que já demonstra que o Legislador considerou, ao redigir a norma, que existiria uma “sacralidade” em oposição ao “mundano” ou “profano”, fazendo a lei oficializar a perspectiva do “sagrado” em detrimento da laicidade estatal que a Constituição propugna.

O Representante signatário da presente, à guisa de exemplo, é ATEU, e pede vênia para consignar que para ele, a “Bíblia Sagrada” deveria antes ser chamada de Bíblia Maldita, tamanho o NOJO que sente só de folhear suas páginas, por todos os valores deturpados que essa obra encerra e por veicular o niilismo entre os povos[1] — ela induz a crer em uma vida eterna, superior à vida atual, e com isso deprecia o valor da única existência que o Homem pode gozar. Naturalmente que não se quer com isso negar a quem é religioso o direito de estudá-la, assim como cometer o suicídio também não é crime e não se pode proibir pessoa adulta e capaz de colocar a cabeça embaixo das rodas do bonde.

Entretanto, esse direito dos religiosos de estudar a Bíblia deve ser exercido nas suas respectivas igrejas e outros locais de culto, aonde podem livremente ir, e aonde o Representante não vai porque não quer ir; nunca, porém, dentro do Plenário da Assembléia Legislativa, que é a casa do POVO, e menos ainda, na abertura de cada Sessão parlamentar, impondo às instituições que satisfaçam ao orgulho dos evangélicos que só se sentem seguros de seu próprio poder sobre as pessoas quando vêem os símbolos de suas crenças pesando sobre a liberdade de crentes e não-crentes.

Porventura os Tribunais obrigam a que as testemunhas prestem juramento com a mão em cima da bíblia? Se quem vai depor no Plenário do Júri não é obrigado a fazer isso, do mesmo modo, os Poderes Públicos (Legislativo e Executivo) não podem obrigar a quem quer que seja a portar, armazenar ou ter em depósito qualquer exemplar da bíblia.

A expressão “a leitura de um Versículo da Bíblia Sagrada” constante do artigo 104 do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itaperuna avilta aos cidadãos que professam outras religiões, aos que não praticam ou seguem nenhuma religião, e aos que são agnósticos ou ateus, como o signatário da presente, pois a Resolução incriminada escolheu impor o nome do “Deus” judaico-cristão, e propagar e estimular a leitura do texto fundamental seguido pelas confissões de matriz judaico-cristã, o que significa “impulso oficial” e propaganda de que somente um “Deus” é “verdadeiro” (e merecedor de ser invocado), e que os valores do “livro sagrado” escolhido são “superiores” aos de outros textos religiosos, não colhendo aqui o argumento de que seja a religião da “maioria”, porque o Estado deve ser neutro, e distribuir a Justiça de forma contra-majoritária, sob pena de incorrer em reprovável discriminação ou preconceito.

A percepção de que a abertura das Sessões na Câmara Municipal de Itaperuna deva sempre ser precedida da invocação de “Deus”, e de uma “leitura bíblica” antes de se debater qualquer outra matéria no recinto da Casa de Leis, significa para o cidadão que a bíblia seria o “melhor”, pois não se espera que o Poder Público distribua menos do que o excelente para os seus administrados.

Tanto assim o é, que o DD. Procurador Geral de Justiça do Estado de São Paulo Mário Luiz Sarubbo, na petição inicial da ADI 2030657-56.2021.8.26.0000, externou a seguinte fundamentação, quanto à Resolução homóloga da municipalidade de Itapecerica da Serra:

“Não compete ao Poder Legislativo municipal criar preferência por determinada religião – como o faz pela instituição da leitura de um versículo de um dos Livros da Bíblia Sagrada e a invocação da proteção de Deus sobre os trabalhos a serem realizados na primeira Sessão Ordinária mensal do funcionamento da Câmara Municipal – voltado exclusivamente aos seguidores dos princípios cristãos, alijando outras crenças presentes tradicionalmente no tecido social brasileiro como a judaica, a muçulmana etc., bem como de outras que não ostentem essa percolação, justamente à vista da laicidade do Estado brasileiro.”

Do V. Acórdão que julgou procedente a ADI nº 2030657-56.2021.8.26.0000, consta o seguinte, de sua ementa:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. Questionamento de validade do “caput” e § 2º do artigo 140 da Resolução n. 105, de 05 de maio de 2010, da Câmara Municipal de Itapecerica da Serra, na redação conferida pela Resolução n. 131, de 14 de outubro de 2015, que dispõem, respectivamente (a) que o Presidente da Câmara Municipal “solicitará ao primeiro Secretário a leitura de um versículo de um dos Livros da Bíblia Sagrada” (caput); e (b) que “após a leitura do texto sagrado, o Presidente invocará a proteção de Deus sobre os trabalhos a serem realizados” (§ 2º). Impugnação, ainda, da expressão “antes da leitura de um versículo de um dos livros da Bíblia Sagrada”, constante do § 1º do mesmo artigo 140. Pedido extensivo à versão original do dispositivo, que continha a mesma redação no caput, e que descrevia o atual § 2º (acima mencionado) no parágrafo único (daquela versão anterior), a fim de evitar efeitos repristinatórios. Alegação de que a preferência por determinada religião na abertura dos trabalhos legislativos afronta a laicidade estatal. Reconhecimento. Norma que viola o dever de neutralidade estatal imposto pelo artigo 19, inciso I, da Constituição Federal. Inconstitucionalidade manifesta. Posicionamento alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal no sentido (a) de que “a garantia do Estado laico obsta que dogmas da fé determinem o conteúdo de atos estatais” (ADPF 54/DF, Rel. Min. Marco Aurélio, j. 12/04/2012); (b) de que “nenhum ente da federação está autorizado a incorporar preceitos e concepções, seja da Bíblia ou de qualquer outro livro sagrado, a seu ordenamento jurídico“ (ADI 5257/RO, Rel. Min. Dias Toffoli, j. 20/09/2018); e (d) de que “ao conter predileção por uma orientação religiosa a norma atacada quebra não apenas o dever de neutralidade estatal, como também viola liberdade religiosa e de crença dos demais integrantes...que não professam a mesma fé” (ADI n. 3478/RJ, Rel. Min. Edson Fachin, j. 20/12/2019). É importante considerar, sob esse aspecto, que as regras sobre organização político-administrativa (contidas no Título III, Capítulo I, da Constituição da República), inclusive aquela do artigo 19 (referente à laicidade estatal), traduzem verdadeiro instrumento de calibração do pacto federativo. Vale dizer, como normas centrais da Constituição Federal, “reproduzidas, ou não” na Constituição Estadual, “incidirão sobre a ordem local”, por força do princípio da simetria, a fim de conservar o modelo federalista e os padrões estruturantes do Estado, daí a possibilidade de utilização de dispositivos dessa natureza (centrais e estruturantes) no controle abstrato de normas municipais com base na norma remissiva do artigo 144 da Constituição Estadual. Ação julgada procedente.

(TJ-SP – Órgão Especial — ADI 2030657-56.2021.8.26.0000 — Rel. Des. Ferreira Rodrigues — j. 06.10.2021 — v.u. — p. 05.11.2021)

 

Como visto, o Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em votação UNÂNIME, retirou do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itapecerica da Serra tanto a invocação do nome de “Deus”, quanto a determinação de leitura de um “versículo da bíblia”, por contrariar frontal e diretamente ao Princípio da Laicidade do Estado. Deve o mesmo entendimento ser agora acompanhado por este Parquet, assim como pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Tornando obrigatória a invocação de “Deus” e a “leitura bíblica” em Plenário, na abertura das Sessões, a Mesa Diretora da Casa de Leis foi convertida em um PÚLPITO DE IGREJA, e transformados os seus Vereadores em SACERDOTES que lêem a Bíblia para conjurar alguma espécie de augúrio sobre os trabalhos legislativos, o que constitui superstição intolerável, na medida em que essa prática, feita por autoridades constituídas, fomenta o proselitismo entre a população, com o emprego direto da máquina pública, pois suas funções legislativas se confundem com as sacerdotais de organização e direção de cultos, a exemplo dos ediles da Roma Antiga.

Estados que não possuem separação entre Igreja e Estado possuem até mesmo legisladores indicados pelas igrejas, como é o caso do Reino Unido, onde existem os “Lords Spirituals”, ou seja, vinte e seis bispos anglicanos nomeados membros da “Câmara dos Lordes” que desempenha o papel de Senado para aquela Monarquia. No Brasil, já se experimentou a aberração dos “senadores biônicos”, não eleitos, e indicados pelo Presidente da República, durante o extinto Regime Militar de 1964-1985, o que bem demonstra o risco de se interferir na Democracia, embora não se pretenda aqui comparar a Grã-Bretanha a uma ditadura como a dos generais, e que a manutenção, no Século XXI, dos “Lords Spirituals”, criados no Século XIV durante o reinado de Richard II (1367-1399), tem sido vista como odiosa pelos próprios britânicos, que já cogitam seriamente de sua supressão, a ser adotada de forma gradual, ou abrupta, de acordo com as propostas feitas no ano de 2011, porém não aprovadas à época.

Uma observação ainda deve ser feita: se algum cidadão, que assista das galerias, se comportar de modo inconveniente durante uma sessão legislativa, incorrerá no tipo contravencional do artigo 40 do Decreto-Lei nº. 3.688, de 3 de Outubro de 1940 (Lei das Contravenções Penais); porém, se o “tumulto ou portar-se de modo inconveniente ou desrespeitoso, em solenidade ou ato oficial” ocorrer durante a “leitura bíblica”, poderá ser punido com base no artigo 208 do Código Penal, na conduta de “impedir ou perturbar cerimônia ou prática de culto religioso”, ou seja, deixa de ser “contravenção” para se tornar em CRIME, com o que a Resolução incriminada tem repercussões até mesmo no DIREITO PENAL, restringindo a liberdade dos cidadãos, cuja competência legislativa é privativa da União, nos termos do inciso I do artigo 22 da Constituição Federal.

A legalidade e o Estado de Direito são nitidamente afrontados, sempre que uma lei inconstitucional é aprovada. O Ministério Público não pode se furtar de intervir, e postular a declaração da inconstitucionalidade, em sede de controle concentrado.

O Representante é carioca de nascimento, e itaperunense por adoção, sendo eleitor domiciliado na cidade há mais de dez anos; quando chegou em Itaperuna, pela primeira vez, em 1º de Maio de 2012, testemunhou com “olhar antropológico” que as mulheres não andam sozinhas nas ruas (sempre saem acompanhadas por um homem da família, ou por outras mulheres mais idosas), e têm seus movimentos restritos por convenções familiares arcaicas, o que provocou um choque no Representante; embora a sociedade local não seja “beata” a ponto de impor um “código de vestimentas” (homens e mulheres usam, em sua maioria, trajes “normais”, como os usados pela população do Rio de Janeiro, assim como a de Niterói, com a qual os itaperunenses gostam de se comparar), ainda precisa aprender o valor das liberdades e do pluralismo, podendo a Ação Direta de Inconstitucionalidade cuja propositura ora se propugna constituir um importante precedente que promova a modernização e a laicidade junto àqueles cidadãos e cidadãs.

IV — DO PEDIDO:

Pelo exposto, REQUER o Representante que o Exmo. Sr. Dr. Procurador Geral de Justiça proponha Ação de Inconstitucionalidade perante o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, em face da expressão “Sob a proteção de Deus e”, constante do artigo 101, e da expressão “e convidará um Vereador, à sua escolha, para a leitura de um Versículo da Bíblia Sagrada”, constante do artigo 104, ambos do Regimento Interno da Câmara Municipal de Itaperuna (Resolução nº. 419, de 25 de Junho de 1991), ante a presença de violação frontal aos preceitos fundamentais inseridos no 71, inciso I, da Constituição Estadual, que reproduz obrigatoriamente o artigo 19, inciso I da Constituição Federal, ante as razões acima expostas.

Termos em que

Espera Deferimento.

Rio de Janeiro, 30 de Abril de 2023.

 

Representante

[1] Esclarece o Representante que não é nada desconhecedor do conteúdo da Bíblia; antes de se tornar ateu, o Representante já havia lido o Novo Testamento, inteiro, aos 12 (doze) anos de idade, e conhece, com segurança, o Antigo Testamento (Tanach), mormente o Pentateuco (Torah) e os Hagiográficos, apenas não tendo se aprofundado nos “Profetas” (Neviin), por considerar intragável o estilo literário da maior parte deles. É com conhecimento de causa que o Representante rejeita a escritura sagrada como imprópria.

Com informação da representação de Eduardo Banks e de outras fontes e foto de arquivo pessoal. 

 

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Por Jornal da República em 06/07/2023
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