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Da Ponte Jornalismo - Policiais civis do estado de São Paulo agora também podem ser remunerados por trabalhar em horário de folga, de acordo com convênios firmados com municípios paulistas. Antes restrita à Polícia Militar, a atividade delegada, chamada de “bico oficial”, foi estendida a essa categoria após o governador João Doria (PSDB) sancionar um projeto de lei complementar de autoria do deputado Delegado Olim (PP) nesta quinta-feira (13/1).
A Polícia Civil já dispunha de um “bico oficial” desde 2016, quando o então governador Geraldo Alckmin (PSDB) havia homologado a DEJEC (Diária Especial por Jornada Extraordinária de Trabalho Policial Civil). A diferença com a nova lei é a possibilidade de convênio com prefeituras, o que antes era permitido apenas à PM para reforçar patrulhamento nas ruas, o que acontece desde 2009.
A regulamentação ainda será publicada no Diário Oficial do Estado, de acordo com a assessoria do governo. Na justificativa do projeto de lei, também não havia descrição sobre quais atividades serão desempenhadas pela Polícia Civil. O parlamentar aponta apenas que “é do interesse dos municípios paulistas delegar algumas de suas competências ao Estado, sob previsão de que, em contrapartida, há uma compensação econômica em favor do agente público estadual que vê majorada suas atribuições originariamente previstas no mister e desempenho de seu cargo público”.
Questionado pela Ponte, o deputado se contradisse, apontando que apesar de a Polícia Civil não ter competência de trabalho ostensivo, que é o patrulhamento, poderia atuar como segurança em ruas. “A Polícia Civil fará patrulhamento não ostensivo, não com uniforme igual à Polícia Militar, mas ela pode fazer muitas partes de investigação, coisas interessantes para os prefeitos, trabalho em algumas secretarias, segurança de ruas vestido normal e, qualquer coisa, ela chama a PM… É mais polícia na rua, mais segurança para a população”, disse. “Esse é um bico bom para a população porque ao invés dele fazer um bico em uma empresa, faz um bico para todos, pago pela prefeitura”.
A reportagem conversou com alguns policiais civis que não viram com bons olhos a nova lei. Tanto os que se identificaram quanto os que preferiram preservar sua identidade acreditam que a medida precariza o trabalho policial. “Os policiais devem receber pagamento digno e de acordo com a responsabilidade e o risco da sua atividade. Mas ao invés de recompor os salários, o governo determina que os policiais sacrifiquem seu convívio familiar para poder ampliar sua renda”, afirma a presidente do Sindpesp (Sindicato dos Delegados de Polícia do Estado de São Paulo) Raquel Kobashi Gallinati.
De acordo com o 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em São Paulo, a remuneração bruta média de um delegado é R$ 18.872,16, de um escrivão é R$ 5.880,07, e de um investigador é R$ 5.899,12. Todos os valores estão abaixo da média nacional para cada profissão, que são de R$ 21.911,60 para delegado, R$ 7.643,40 para escrivão e R$ 8.039,34 para investigador.
Em dezembro do ano passado, o Sindpesp apontou que o salário inicial de um delegado em São Paulo é R$ 10.382,48, e o de um escrivão e de um investigador é R$ 3.931,18, estando entre os três estados com os valores mais baixos.
A consultora sênior do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Isabel Figueiredo, que já foi secretária-adjunta de Segurança Pública do Distrito Federal, também entende que a medida não atinge o cerne do problema. “Vem como uma lógica de precarização do trabalho porque a gente está falando de um estado que, apesar de ser uma das maiores economias do país, tem algumas das polícias mais mal remuneradas e, ao invés de se pensar em soluções efetivas para isso, fica se dando um jeitinho para de alguma forma melhorar a questão salarial”, critica. “Parece que é uma disputa de que se a PM faz, então a Polícia Civil também pode fazer, mas não se olha se o PM pode escolher fazer isso ou tem que fazer isso para complementar sua renda porque o policial devidamente valorizado, com remuneração adequada, não precisaria fazer atividade delegada”.
Figueiredo explica que esses tipos de “penduricalhos” acabam sendo usados como meios emergenciais, mas a maioria não é incorporada depois na aposentadoria dos policiais, já que um reajuste de fato no salário englobaria não apenas os profissionais da ativa como os inativos. “É uma estratégia que o governo de São Paulo faz há muitos anos e que, inclusive, vai contra a lógica da Constituição que, desde 1988, prevê que o funcionalismo receba com base em subsídio, que é o acontece hoje com a Polícia Federal”, pontua. Para ela, “é necessário que o governo priorize a pauta da segurança pública, o que passa pela valorização salarial”.
Outro ponto é o tipo de serviço. “A atividade de polícia judiciária, investigação é constitucionalmente exclusiva das polícias civis estaduais e da Polícia Federal. Então qual será o trabalho exercido pelos policiais civis nas prefeituras?”, questiona a presidente do Sindpesp, já que não cabe à Polícia Civil fazer patrulhamento de rua como a PM faz.
A consultora do Fórum também contesta se a qualidade do serviço público ficará à mercê de prefeituras que possam contratar policiais em detrimento de outras. “Em que medida isso vai fazer com que os municípios mais ricos consigam ter uma polícia de melhor qualidade, porque trabalha mais, do que os outros? Então o município que tem mais dinheiro vai ter um serviço de mais qualidade do que o mais pobre?”, pontua. “Outro risco é de que a prefeitura paute a atuação da Polícia Civil, o que enfraquece as premissas de segurança pública da Polícia Civil”.
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