'É mais facil ter paz em Israel do que o Brasil vencer a guerra contra as drogas'

Por Jaime Fusco - Advogado Criminalista

'É mais facil ter paz em Israel do que o Brasil vencer a guerra contra as drogas'

O mundo acompanha de forma assustada nos últimos dias o conflito entre o Estado de Israel e o HAMAS, que já vitimou milhares de civis, trazendo o pânico para toda população israelense e Palestina.

Bem como vem acompanhando há mais de um ano, também de forma apreensiva, a guerra entre Rússia e Ucrânia. Em termos gerais, o mundo espera um acordo de paz. Guerras terminam com reedições ou acordos de paz.

No Rio de Janeiro, por sua vez, há mais de décadas, forças de segurança seguem travando uma verdadeira guerrilha urbana para combalir o comércio de drogas em territórios que estão sob domínio da criminalidade. Somente no ano passado, em números levantados pela Agência Brasil, apenas no estado do Rio de Janeiro foram mortas 1.327 pessoas em ações das forças de segurança. Este número é equivalente à 29,7% de todas as mortes violentas ocorridas no estado.

Dito isso pergunto: entre os conflitos geopolíticos mencionados e a guerra às drogas que ocorre no estado do Rio de Janeiro, não havendo grandes alterações de rota nos objetivos, onde é mais factível imaginar a paz prosperando?

No meu ponto de vista, é mais fácil a paz em Israel e na Ucrânia do que a paz no estado do Rio. Isto porque, acordo de paz ou rendição, seja de qual lado for, seria um fim possível e plausível, haja vista que toda guerra formal possui seus objetivos coletivos e individuais, que com o tempo e influências acabam sendo conquistados ou se expiram, por conta da sua própria natureza destruidora inerente à guerra.

Por outro lado, a guerrilha urbana que vivemos no Rio de Janeiro, mesmo que prosperando em seus intentos, é incapaz, também por sua natureza, de exaurir-se.

Explico. Vamos supor, hipoteticamente, que todos os 56 mil traficantes do Rio de Janeiro decidissem renunciar suas mais de 25 mil armas – números estimados pelo Prof. Dr. Paulo Storani, para O Globo – e abrir não de seus territórios. Abandonando, assim, de forma categórica o crime. Tal fato poderia embasar a equivocada ideia de que o crime de comércio ilegal de substância entorpecentes teria terminado, logrando êxito a secular guerra às drogas.

Contudo, a guerra existente no Brasil, especificamente no Rio de Janeiro, contra o consumo de drogas, por força da legislação que as criminaliza, ao contrário do que as autoridades afirmam, não tem nenhuma relação com o combate aos grupos fortemente armados que se utilizam do comércio das substâncias proibidas para obter poder bélico e político.

Isso porque, ainda que fossem, conforme suposto no parágrafo anterior, rendidos, presos e exilados todos os que atualmente empunham fuzis contra a reprimenda estatal, ainda assim, esta guerra não acabaria.

E não acabaria porque ela não criminaliza a violência das facções criminosas; ela criminaliza e, por consequência, coloca no polo oposto ao Estado, a utilização de entorpecentes, à medida em que sua comercialização surge por demanda. No final das contas, quem é posto face contra toda a força do Estado, contra seus fuzis é o indivíduo.

Indivíduo este que pode ser o traficante que, se aproveitando de criminalização, comercializa as substâncias ilegais; pode ser o usuário que, doente, dependente químico, necessita submeter-se à criminalidade para conseguir manter seu vício; pode ser o policial que, por estrito cumprimento de seu dever legal, se emaranha em gigantescas operações contra uma criminalidade fortemente armada, por força de uma política de segurança pública, com o perdão da expressão, completamente inócua; pode ser, por fim, aquele que não tem nada a ver com isso, não comercializa droga alguma, não utiliza droga alguma, nunca nem mesmo empunhou um fuzil – pelo lado que for –, mas, por azar do destino ou maldade daqueles que se acham Deus, é residente de uma área que é completamente extirpada, marginalizada, verdadeiramente criminalizada pelo nosso estado tão somente por sua proximidade com pontos de criminalidade.

Ao seguir pelo caminho de combate às drogas em que se escolhe o prisma da criminalização, da reprimenda estatal, da violência, não importa se os atuais traficantes se renderam e entregaram seus domínios e seus armamentos; o usuário, dependente químico, ainda vai existir – como existe desde os primórdios, em que ainda éramos vislumbres de primatas. Ainda existindo usuário, todo ciclo irá se retroalimentar, novamente e novamente.

Deste modo, mais fácil acreditar numa paz no conflito Rússia/Ucrânia e no Médio Oriente.

Por Jornal da República em 17/10/2023
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