Giselle Farinhas, Diretora da OAB Barra da Tijuca, confessa os parâmetros da realidade da profissão e confere aconselhamentos à advocacia.

Giselle Farinhas, Diretora da OAB Barra da Tijuca, confessa os parâmetros da realidade da profissão e confere aconselhamentos à advocacia.

A advocacia é uma profissão histórica de relevância constitucional e, principalmente, social. É a partir da ordem jurídica que se instalam os pactos da civilização, do poder e dever, dos direitos e obrigações, dos limites e, consequentemente, da ordem e do progresso.

Nos últimos cinco anos, temos identificado uma eclosão de profissionais do direito a partir de uma gama de universidades no país, que antes eram mais reduzidas, e, no entanto, agora formam cada vez mais bacharéis. De ponta a outra, podemos questionar a quantidade e qualidade das instituições de ensino do direito no país, já que, muitos, não chegam a ser aprovados no exame da OAB indicando o despreparo para o exercício profissional. Afinal, antes do concurso público para juiz, promotor ou procurador , há que ser advogado porque é este que lida com a proximidade do problema social. A experiência conta e, vale dizer, conta muito !

Ocorre que gosto de analisar de forma mais profunda a questão. A formação de bacharéis em direito não se exaure na responsabilidade das instituições de ensino, mas na detecção do porque da  alta procura pelo curso de direito. Porque, afinal, a alta procura ? Porque os cidadãos querem se formar em direito? Eu poderia citar vários motivos, mas o principal deles é a indignação diante dos descumprimentos da lei. É a alta litigância e litigiosidade. É, na verdade, a busca por justiça. Claro, existem exceções, mas, no todo, o ponto é esse.

E muitos se formam, alguns até obtém a carteira “vermelhinha” da Ordem dos Advogados, mas porque muitos desistem ? Depois de cinco anos, de longas provas e desafios, além do alto investimento. A resposta é muito simples: porque a prática e a realidade profissional é muito diferente.

O cenário atual da advocacia é de alta litigiosidade, o arsenal de insegurança jurídica é notório com entendimentos diversos, distribuídos por sorteios, a construção de reputação e prestígio profissional – para ser ouvido -  é quase hercúlea diante dos grandes escritórios que já fizeram isso, os instrumentos internos  para o advogado não sustentar oralmente são cada vez mais restritos à revelia de legislações federais. O advogado lida com o cliente que “tudo sabe” de acordo com o seu “ChatGPT” e a realidade prática que é muito diferente do que  qualquer inteligência artificial. Na prática, tem o serventuário que diz que vai fazer e não faz, as custas judiciais que impedem grande parte de prosseguir na defesa do seu direito e todas as lutas que o advogado enfrenta pelo seu cliente. Sem falar, é claro, nos casos que vem se repetindo em que por representar a parte o advogado também é processado. E o juiz diante de todas essas demandas acumulando cartórios e se deparando com partes que, em sua maioria, mentem o tempo todo. Metas a serem atingidas que exigem do Estado- juiz um esforço contínuo apoiado pelos gabinetes que, diante da alta demanda, se tornam cada vez mais extensos.

Os fóruns estão vazios. Alguns presentes e outros em home office, mas o processo eletrônico sempre ativo, se ingressa com uma ação no PjE, mas o recurso é pelo DCP, se for recorrer, novamente, o sistema é outro. Os assinadores digitais também variam. A publicação acontece no DJE, mas se o prazo conta da leitura, da publicação no DJE ou na disponibilização no DJE, já depende do entendimento. Tudo é muito variável e feito para não facilitar o acesso à justiça.

As ações judiciais podem durar anos a fio nessa “gangorra” de entendimento, nem certo nem errado, são entendimentos. E essa insegurança jurídica, demora na prestação jurisdicional e o alto custo envolvido, todos inerentes ao acesso à justiça, trouxeram a reflexão sobre a justiça multiportas, ou seja, como resolver os problemas com certa distância do judiciário.

A conciliação, a mediação e a arbitragem são a tendência em prol da solução jurídica esperada desafogando o judiciário. Apesar dos longos anos dessa realidade, a intensificação da adoção dessas alternativas tem se consolidado cada vez mais com o passar dos dias. A conciliação é sempre bem vinda, mas exige um esforço das partes em conscientização e educação pela solução efetiva. A mediação tem se instalado, inclusive nos Tribunais, promovendo uma escuta ativa da situação- problema e estabelecendo uma solução mais assertiva entre as partes.  A arbitragem é um método que busca mais celeridade, sigilo das informações e, em demandas complexas, tem sido uma realidade pela possibilidade de se ter um especialista no assunto. O gargalo da arbitragem tem sido o exame pericial devido a sua demora e o alto custo em determinados segmentos para a sua realização. No entanto, tem sido tão eficaz que adotada, inclusive, pela Administração Pública.

E, dentro de todo esse cenário, o advogado se inclui em todos. O advogado é primordial na solução dos conflitos que se apresentam porque este é o porta-voz do cliente e quem, na verdade, dispensa o conselho certo a ser seguido pelo cliente. Costumo dizer que “um conselho mal dado é um caminho para o abismo sem volta e sem arrependimentos.”

Por isso, a confiança, a transparência e a honestidade sao tão indispensáveis  ao bom advogado. E essas virtudes não são encontradas facilmente. O valor profissional está associado aos bons valores pessoais. Não é admissível perfis duplicados ou desvios. E disso a advocacia deve sempre cuidar para manter-se ativa, firme e sempre valorizada. A palavra de um advogado deve ser sempre respeitada. A presença de um advogado deve ser sempre celebrada como a presença da lei e da ordem. E isso deve ser preservado por todos os atores profissionais, dentro ou fora, dos Tribunais e na vida em sociedade.

Não é possível mais ver colegas de classe se digladiando fazendo do processo um arsenal de guerra mentirosas, “armando” uns para os outros, não sabendo disputar campanhas eleitorais, atores processuais violando  prerrogativas já previstas na lei de forma impositiva, colegas estampando os jornais em operações policiais – ou o sistema é falho ou  os advogados falharam – em ambas as formas, a sociedade perde e muito! É preciso repaginar a profissão e a sociedade que deve reconhecer “o bom advogado” e nele confiar a sua esperança para que “na guerra dos leões” o seu seja o mais preparado a garantir a sua defesa dentro dos padrões éticos da profissão e da justiça.

Precisamos nos dissociar das discussões intermináveis e começarmos a ponderar sobre a construção da sociedade para as gerações futuras e a quem estas vão recorrer diante do cenário de incerteza e injustiça que se instala no país.

Giselle Farinhas é sócia titular do escritório Farinhas Advogados – um dos escritórios mais conceituados da Barra da Tijuca com atuação full service.

www.farinhasadvogados.com.br

Por; Oscar Muller

Por Jornal da República em 22/08/2024
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