Idosa de 89 anos é submetida a trabalho análogo à escravidão por cinco décadas

Idosa de 89 anos é submetida a trabalho análogo à escravidão por cinco décadas

Yolanda, uma mulher negra, hoje com 89 anos, foi submetida a uma situação de escravidão por cinco décadas. Uma família de Santos, no litoral paulista, a mantinha sem salário, sem folga e sob abusos físicos e verbais por parte de uma das filhas da dona da casa. A dignidade de Yolanda foi resgatada com uma denúncia.

Zilmara de Souza Dantas, moradora de um apartamento ao lado do que Yolanda vivia, foi quem notou algo estranho.

“Ela estava trabalhando ainda com uma idade tão avançada. A roupa dela era muito gasta, muito puída, sempre de chinelo, muito humilde e um machucado na perna que não sarava nunca. Dava bom dia para ela, boa noite, mas ela não me respondia. Olhava sempre para baixo. Parecia coagida a não se comunicar. Eu queria mesmo entender qual era o contexto dela naquele apartamento, dentro daquela família”, conta Zilmara.
Yolanda morava com Nirce, a patroa, de 93 anos.

“Uma filha dessa minha vizinha visitava essa mãe e eu comecei a identificar muitos gritos e xingamentos”, diz Zilmara, que decidiu gravar e denunciar.

A história foi descoberta em 2020 e só agora veio à tona, quando o Ministério Público do Trabalho pediu que a Justiça reconheça que a vítima foi submetida à situação de trabalho análogo à escravidão. E que a família pague R$ 1 milhão por danos morais coletivos.

A defesa de Yolanda entrou com uma ação trabalhista. Até que saia a decisão, a Justiça determinou – por tutela antecipada – o pagamento de uma pensão para ela.
A família empregadora informou que o processo está sob sigilo e não quis gravar entrevista.

Depois de décadas reclusa, Yolanda fala pouco.
“Limpava, fazia faxina... serviço familiar; lavar, passar, cozinhar. Ela não me pagava ordenado. A filha dela, Rosana, queria me bater toda hora, berrava muito comigo”, conta.

Segundo a polícia, Rosana Fernandes Simão, na época com 67 anos, confirmou as agressões em depoimento.

Durante as investigações, Nirce, a patroa, e duas das três filhas dela morreram. Entre elas, Rosana.

Desde 2017, 46 domésticos foram resgatados no Brasil. Só em 2022 são sete casos.

História da vítima
Segundo a polícia, Yolanda, o marido e as duas filhas foram despejados na década de 1970.
“Ela saiu vagando pela cidade e costumava pedir alimentos, auxílio nas casas. Conseguiu o convite para trabalhar como empregada doméstica. E ali ficou pelos 50 anos, sem contato nenhum com ninguém da família dela”, diz Leyner Anache Gomes dos Santos, da Delegacia do Idoso.

Encontro com a família
Imagine a surpresa da neta de Yolanda ao receber uma ligação dos policiais.

“Falou o nome da minha avó, perguntou se eu conhecia. Falei: ‘Conheço. Essa é a minha avó, mas a gente acredita que ela faleceu porque tem mais de 50 anos que a gente não tem notícia dela’. Aí ele falou: ‘Ela não faleceu, não. Ela está viva’”, conta a neta Viviane.

“Só conseguia lembrar da minha mãe. Porque até o último dia da vida dela, ela acreditava que a mãe dela estava viva. Só que ela não teve a oportunidade de poder reencontrá-la”, lamenta Viviane. (Do G1)

Por Jornal da República em 25/04/2022
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