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Cabeça chata, inteligente, brilhante, rábula, advogado de estivadores, pescadores, tecelões e todo tipo de trabalhadores, jornalista, conspirador, prisioneiro, nascido em Natal (em 3 de fevereiro de 1899, há 110 anos), Café Filho fez uma biografia política contínua: de vereador e várias vezes deputado a vice-presidente e Presidente. Fundou até um partido: PSN (Partido Social Nacionalista) e por ele se elegeu.
Assumiu a Presidência com o suicídio de Vargas e logo trocou de lado, para os braços golpistas da UDN (mas essa é outra historia).
RUBEM BRAGA – Presidente, Café Filho mandou chamar imediatamente seu amigo, o sábio urso de Cachoeiro de Itapemirim, Rubem Braga:
– Rubem, preciso de você.
– De mim? Você está é louco. Olhe, Café, há um equÍvoco nisso. Quem precisa de você sou eu. Você virou presidente da RepÚblica, está bem empregado, a vida arrumada. Eu estou duro, desempregado, precisando trabalhar, quero um serviço qualquer.
Um mês depois, embarcou, como Adido Cultural, para o Chile, de onde, graças a Café, escreveu algumas das melhores coisas daqueles Andes.
ÓDIO AO POTIGUAR – No segundo ano da escola primária, lá em minha Jaguaquara, na Bahia, fiquei com ódio do Rio Grande do Norte. A professora Sisinia abriu um enorme mapa do Brasil no quadro negro, me pôs de pé e começou a perguntar, de baixo para cima,como se chamavam os habitantes dos Estados
Tinha estudado, estava abafando. Fui dizendo um a um. De gaúcho para acima, ia acertando todos. Até capixaba, que achava um nome muito feio. A professora deixou o Rio Grande do Norte para último. Empaquei. Não me lembrei do “potiguar” de jeito nenhum. Perdi meu 10. Durante anos, tive ódio dos “potiguares: isso é lá nome”? E é um nome tão bonito.
Aprendi que “potiguar” quer dizer “comedor de camarão” (vem do tupi guarani “poti = camarão” e “war” = “o que come”). Há coisa melhor?
GRANDE LÍDER – José Augusto Bezerra de Medeiros foi sinônimo do Rio Grande do Norte como Ruy Barbosa da Bahia. Deputado estadual em 1913, federal em 15, governador em 24, senador em 29, de novo federal em 35, constituinte em 46, vice-presidente da Câmara em 47, federal até 55, presidente da Associação Comercial do Rio de Janeiro de 59 a 61. Em 37, na ditadura de Vargas, ficou na resistência e escreveu livros de direito, política e educação.
Quando presidente da Associação Comercial do Rio, alguém começou a desancar os políticos. Todos os males nacionais eram da corrupção e da incompetência dos políticos. O velho José Augusto interrompeu:
– Um momento. Passei 50 anos na vida pública e vi muita coisa. Mas nesses seis meses aqui já vi muito mais.
Mudaram logo de assunto.
DE PARAQUEDAS – Kerginaldo Cavalcanti (RN) era senador e nacionalista. Assis Chateaubriand chegou ao Senado e começou a dar show. E o chamava de “senador tupiniquim”. Kerginaldo não lhe dava trégua. Uma tarde, Marcondes Filho (SP), líder do governo, procurou Kerginaldo:
– Deixe o doutor Assis em paz. Afinal de contas, ele é um grande jornalista e você não o deixa falar sossegado.
– Ora, Marcondes, o Chateaubriand tem jornais, tem rádios, tem televisões. Quando ele fala, no outro dia o discurso sai na integra, com aparte e tudo. Eu não tenho jornal, não tenho radio, não tenho TV. Minha jogada é descer de paraquedas nos discursos dele.
O PORTEIRO – Dinarte Mariz foi governador de 56 a 61. Em 60, seu candidato, Djalma Marinho (UDN), foi derrotado por Aluizio Alves (PSD). Dinarte, como o general Figueiredo fez com Sarney, disse que não passava o cargo.
No dia da posse, Dinarte saiu cedo do palácio, entregou as chaves ao porteiro. O porteiro, todo importante, vestiu a melhor roupa, paletó e gravata, sapato engraxado, foi para a frente do palácio e ficou de pé no alto da escadaria. Esperou uma hora, duas, três, o novo governador não chegava.
A mulher mandou chamá-lo para o almoço, não foi. Ele ali de pé, cumprindo patrioticamente seu dever cívico. De repente, à frente da multidão, apareceu Aluizio Alves na esquina. O porteiro suspirou aliviado:
– Ainda bem que ele chegou. Não aguentava mais governar esta porcaria.
Entregou as chaves e o fugaz poder.
SEBASTIAO NERY - Jornalista, Escritor e Colunista da Tribuna da Imprensa, 1968-1979.
*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Tribuna da Imprensa Digital e é de total responsabilidade de seus idealizadores.
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