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Na era da tecnologia e da inteligência artificial generativa, surge uma questão fundamental: como essas inovações impactam o Poder Judiciário? Com grandes modelos de linguagem gerando textos indistinguíveis daqueles produzidos por humanos, é natural perguntar se um dia veremos robôs assumindo o papel dos juízes.
Uma das principais preocupações é que modelos de IA tendem a absorver os preconceitos sociais existentes. A função de um juiz é decidir conflitos de forma justa e imparcial, mas, se substituído por um robô, esses preconceitos poderiam ser perpetuados. Para responder a essa questão, precisamos primeiro entender como a atividade judicial funciona atualmente.
Um levantamento do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sobre o uso de IA no Poder Judiciário revelou que 66% dos tribunais brasileiros tinham projetos com a tecnologia em desenvolvimento no ano passado. Isso representa um crescimento de 26% em relação a 2022. Mas existe potencial para um uso ainda maior.
Ao dividir o número de sentenças anuais pelo número de juízes e dias úteis, percebemos que cada juiz profere cerca de dez sentenças por dia. Além disso, eles julgam liminares, despacham processos, realizam audiências, atendem advogados e gerenciam uma equipe de funcionários. Com uma carga de trabalho tão intensa, juízes julgam um processo em poucos minutos.
Os juízes contam com assessores e estagiários para auxiliar no trabalho, mas a sobrecarga é generalizada devido às inúmeras tarefas burocráticas. Nesse sentido, a atividade judicial já é, em certa medida, robotizada. Portanto, a preocupação talvez não deva ser apenas sobre substituir juízes por robôs, mas sobre a existência de juízes que operam como robôs devido à pressão do sistema.
Robôs especializados no sistema judicial
A inclusão da IA pode transformar esse cenário por meio dos chamados agentes autônomos, robôs especializados em diferentes atividades dentro do sistema judicial. Em uma unidade jurisdicional, poderia haver dezenas de robôs executando tarefas específicas, aliviando a sobrecarga dos juízes e permitindo que eles se concentrem em julgar, como humanos que são.
No entanto, essa integração apresenta desafios. Primeiro, é necessário entender as limitações e capacidades desses robôs e realizar testes rigorosos antes de sua implementação. Depois, deve haver transparência, para que todos saibam quando um robô está em atuação (em breve, teremos de avisar quando não houver robô, porque eles estarão por toda parte). Por fim, é essencial que haja a supervisão, garantindo que todos os atos com carga decisória gerados pelos robôs sejam validados por juízes humanos.
Embora a IA possa reproduzir preconceitos sociais, ela também tem o potencial de eliminar o “ruído” — erros randômicos causados por fatores humanos inesperados —, como um juiz super rigoroso sendo mais leniente por razões sutis como, por exemplo, a semelhança facial do réu com seu filho. Juízes humanos também carregam preconceitos, mas identificar e mitigar esses preconceitos nas máquinas é mais viável.
Portanto, o verdadeiro problema pode não ser a existência de robôs juízes, mas o fato de termos juízes robotizados pelas condições do sistema atual. Com a introdução responsável de robôs juízes, poderíamos liberar os juízes humanos para exercer plenamente suas funções judiciais.
Neste momento, o que se deve fazer é refletir sobre o papel da IA no judiciário. A tecnologia traz desafios, mas também oferece oportunidades para uma justiça mais eficiente e assertiva. A chave está na implementação responsável e na supervisão humana, garantindo que a inteligência artificial sirva como uma ferramenta para aprimorar, e não substituir, o julgamento humano.
Erik Navarro é advogado, ex-juiz federal e empreendedor do Direito.
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