Justiça mantém três mães com direito à prisão domiciliar em regime fechado

Justiça mantém três mães com direito à prisão domiciliar em regime fechado

Da Ponte Jornalismo - Ana* está grávida de sete meses, tem dois filhos de sete e cinco anos. Michele* tem um filho de três anos. Lívia* tem três filhos de dois, seis e 10 anos de idade. Apesar de terem direito à prisão domiciliar por serem mães de crianças menores de 12 anos, elas se encontram no regime fechado desde o dia 29 de dezembro do ano passado, quando foram detidas com mais um homem e um adolescente em um carro sob a alegação de furto qualificado em São Paulo.

A defensora pública Vivian Mantic Correia Gonzalez entrou com um pedido de habeas corpus para Ana* na quinta-feira (6/1), apontando que só teve conhecimento de que a mulher é mãe e teria esse direito quando foi procurada posteriormente por familiares. “Note-se que o princípio da proteção integral da infância e juventude e a garantia de absoluta prioridade aos direitos das crianças e adolescentes impõem, no presente caso, que seja levado em consideração o interesse da criança, de forma preponderante a qualquer outro interesse”, argumentou.

O desembargador Edson Tetsuzo Namba negou a solicitação liminar (de urgência) no mesmo dia argumentando que o marido poderia cuidar das crianças e por ela ser reincidente. “(…) a condição de gestante não lhe serve de prerrogativa para práticas criminosas e tampouco lhe confere o direito imediato à liberdade, notadamente porque ela não presta cuidados às filhas e já foi processada cinco vezes por crime de mesma natureza”.

Lei 13.769/2018 estabelece condições para que mulheres que são mães, gestantes ou responsáveis por pessoas com deficiência e que sejam sentenciadas ou presas preventivamente possam ter o regime de prisão convertido do fechado para o domiciliar. São elas: não ter cometido crime com violência ou grave ameaça à pessoa; não ter cometido o crime contra seu filho ou dependente; ter cumprido ao menos 1/8 (um oitavo) da pena no regime anterior; ser primária e ter bom comportamento carcerário, comprovado pelo diretor do estabelecimento; não ter integrado organização criminosa.

No entanto, mesmo com as informações de maternidade presentes no auto de vida pregressa que foi feito na delegacia, esses dados só foram percebidos pela Defensoria Pública, pelo Ministério Público e pelo Tribunal de Justiça depois. Além disso, não aconteceu audiência de custódia, já que o tribunal paulista suspendeu a modalidade durante o plantão judiciário que ocorreu de 18 de dezembro de 2021 a 6 de janeiro, período de recesso de final de ano.

Na decisão em que converteu a prisão em flagrante em preventiva (sem tempo determinado), o juiz Rafael Saviano Pirozzi utilizou como base a documentação da delegacia e os pareceres do MP e da Defensoria, já que não houve audiência em que pudesse falar remota ou presencialmente com os detidos. Nenhum deles citou a maternidade das mulheres. Também não constavam imagens dos detidos nem exames de corpo de delito. “Com efeito, muito embora a eles esteja sendo imputada a prática de crime sem violência ou grave ameaça, todos os averiguados ostentam folhas de antecedentes comprometedoras, que evidenciam a personalidade dos quatro em viver da lesão ao patrimônio alheio, não sendo este um episódio isolado em suas vidas”, escreveu.

Depois dessa determinação, o defensor que passou a representar Ana apenas no dia da prisão também fez um pedido em 30 de dezembro de 2021 para que as três pudessem ter a prisão convertida para domiciliar, mas Saviano Pirozzi negou ao justificar sobre a “a longa folha de antecedentes e na gravidade concreta do caso, furto de mais de dez mil reais em diversos objetos”. “O que eu priorizei foi o bem estar dos menores, que é maior do que o bem lesado pelo Atacadão ou pelo Carrefour”, disse o advogado Fabiano Monteiro de Melo.

Furto qualificado

De acordo com o boletim de ocorrência, o caso aconteceu às 2h30 do dia 29 de dezembro de 2021, na Avenida Cupecê, na região do Jabaquara, na zona sul da capital paulista, mas a comunicação no 98º DP (Jardim Miriam) ocorreu apenas as 10h13 do mesmo dia.

Os policiais militares Bruno Roberto Bispo e Danilo Muniz Moreira informaram que estavam em patrulhamento de rotina pela avenida quando avistaram cinco pessoas em um veículo e consideraram a atitude “suspeita”. Decidiram abordá-los e não encontraram nada de ilícito com eles. Porém, ao revistarem o carro, encontraram 30 kg de carne, 19 potes de creme de avelã da marca Nutela, 40 pacotes de camarão, 59 desodorantes, 44 potes de protetor solar, roupas ainda com as etiquetas das lojas C&A e Renner, cujo valor totalizavam R$ 6.541,55 e que estavam ainda com os dispositivos anti-furto. Também havia um pacote de fralda, um creme dental, três escovas de dentes, creme para assadura, 21 gomas de mascar, um pacote de ovos e 13 energéticos. As mercadorias totalizavam mais de R$ 13 mil.

De acordo com os PMs, as notas fiscais das compras foram pedidas, mas os cinco “não conseguiram dar uma explicação convincente, se contradizendo diversas vezes” e, informalmente, “acabaram por admitir que haviam furtado todos aqueles produtos” no dia anterior no Carrefour de Diadema e no Atacadão de São Bernardo do Campo. Os quatro adultos e o adolescente de 15 anos foram detidos e levados à delegacia.

No 98º DP, um representante do Carrefour de Diadema foi chamado e disse que não o furto não foi percebido e reconheceu parte dos produtos, que totalizavam R$ 4 mil, como pertencentes ao estabelecimento. Uma líder de prevenção do Atacadão foi acionada e também disse que o furto não foi notado, mas reconheceu que os protetores solares, que totalizavam R$ 1,8 mil, seriam da loja. Já as roupas, segundo o registro, não foi possível identificar unidade específica e permaneceram apreendidas. Os cinco permaneceram em silêncio na delegacia. O delegado Ricardo Piva manteve o flagrante e indiciou os quatro por furto qualificado (por ter sido praticado por duas ou mais pessoas), cuja pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa. O adolescente foi liberado a um responsável para comparecer à Vara de Infância e Juventude.

No dia 30 de dezembro, quando o juiz avaliaria a necessidade de manutenção da prisão em flagrante, o promotor Carlos Alberto Pereira Leitão Junior se manifestou pela conversão em prisão preventiva. “Constata-se, à evidência, que o caso concreto é de extrema gravidade, que assola e prostra a sociedade de bem, exigindo sua privação do convívio social, sob pena de comprometer a própria higidez e integridade da ordem pública: friso que os indiciados já ostentam passagens policiais anteriores (…) pela prática de diversos delitos patrimoniais, demonstrando-se a insuficiência das medidas cautelares alternativas à prisão no caso concreto e a periculosidade dos indiciados, que fazem do crime como meio de vida”, escreveu.

Já o defensor público de plantão João Ricardo Meira Amaral argumentou que “não há elementos mínimos para a prisão em flagrante dos indiciados pela prática de furto (ainda que se possa dizer, eventualmente, que estavam praticando receptação)” porque os representantes das empresas “não presenciaram os fatos e não apresentaram imagens de câmeras de segurança dos estabelecimentos” e o furto teria sido baseado em “supostas confissões”.

O defensor público Davi Quintanilha Failde de Azevedo fez um pedido de habeas corpus no dia 31 de dezembro, com argumentos similares ao do colega e também sem citar sobre a maternidade, e teve a negativa da liminar pelo desembargador Edson Tetsuzo Namba, o mesmo que indeferiu a solicitação mais recente feita pela defensora Vivian Gonzalez. A Ponte não conseguiu localizar os familiares das mulheres.

O que diz a polícia

Ponte questionou a Secretaria da Segurança Pública sobre o intervalo de horário entre a ocorrência e quando foi comunicada à delegacia bem como sobre a investigação do caso e aguarda resposta.

O que diz o Ministério Público

Solicitamos entrevista com o promotor Carlos Alberto Pereira Leitão Junior e sobre a questão da prisão domiciliar, uma vez que o MP apenas se manifesta enquanto ciente das solicitações de liberdade provisória. A assessoria informou que ele apenas se manifesta nos autos do processo.

O que diz a Defensoria Pública

Questionamos sobre os dados de maternidade terem sido percebidos quase uma semana depois da prisão. A assessoria encaminhou a seguinte nota:

A Assessoria de Imprensa da Defensoria Pública aponta que a instituição atuou no referido caso em sede de plantão judiciário e que, até o momento da propositura do primeiro habeas corpus, não havia, nos autos, a informação de que as mulheres envolvidas fossem mães ou estivessem grávidas.

No habeas corpus interposto, foi apontada a nulidade da prisão, tendo em vista a ausência de laudo médico do IML e de foto de rosto e corpo inteiro, conforme determina a Recomendação nº 62 do Conselho Nacional de Justiça. Além disso, foi alegada a desproporcionalidade da prisão, já que mesmo que fossem condenadas definitivamente, as acusadas cumpririam pena em regime diverso do fechado.

Tão logo a família contatou a Defensoria Pública com tais informações, a documentação foi juntada no Habeas Corpus já impetrado, tendo sido impetrado novo HC com tal fundamento – com pedido que foi em seguida negado pelo Tribunal de Justiça.

Posteriormente, um advogado particular foi nomeado pelos acusados para atuar no caso e é o responsável pela defesa desde então.

*Os nomes das mulheres foram trocados para preservar as identidades.

Por Jornal da República em 11/01/2022
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