LAÇOS POLÍTICOS E MILITARES – BRASIL E RÚSSIA

Foto: Genady Zyuganov, presidente do Partido Comunista da Federação Russa, e Luiz Carlos Prestes Filho

LAÇOS POLÍTICOS E MILITARES – BRASIL E RÚSSIA

Texto de Luiz Carlos Prestes Filho

Mestre em Direção de Filmes Documentários para o Cinema e Televisão, formado pelo Instituto Estatal da União Soviética; Jornalista e escritor

Durante três séculos - países alinhados

Ao celebrar os 195 anos das relações diplomáticas entre o Brasil e a Rússia em setembro de 2023, destaco três momentos políticos e militares que aproximaram e continuam aproximando os nossos países. As Guerras Napoleónicas, século XIX; a Segunda Guerra Mundial, século XX; e a atual Operação Militar Especial da Federação da Rússia. Entendo que para a diplomacia dos dias atuais, estes três momentos devem servir de referência. Em especial, porque os mesmos demonstram que, apesar da distância e das diferenças de nossas nações, temos grande potencial para a cooperação e entendimento.

Século XIX – Guerras Napoleónicas

“Eram 690 mil soldados de várias nacionalidades, dos quais só 300 mil eram franceses. Os demais eram poloneses, austríacos, italianos, prussianos e até 2 mil portugueses, recrutados entre simpatizantes do imperador”, escreve Fábio Marton[1] sobre a invasão de Napoleão à Rússia, em 24 junho de 1812.

Importante lembrar que alguns anos antes, em 1806, Bonaparte tinha decretado o bloqueio continental, determinando que todos os países europeus fechassem seus portos para os navios da Inglaterra. Como Portugal não aderiu, porque tinha forte aliança comercial e política com os ingleses, Napoleão ordenou a invasão de Portugal, em 1807. Por este motivo, em novembro do mesmo ano, a família real portuguesa decidiu refugiar-se no Brasil, então colônia de Portugal. Desta maneira se manteve salva dos desmandos imperialistas napoleónicos.

A campanha russa de Bonaparte foi um desastre. Depois de conquistar a cidade de Smolensk e enfrentar uma das mais sangrentas batalhas da História, a Batalha de Borodinó, na qual morreram 80 mil soldados, os franceses tomam Moscou. Mas, desgastados, distantes das fontes de suprimentos de armas, munição e de alimentos, as tropas francesas entraram em colapso.

Os russos por sua vez, sempre cuidadosamente recuando, preservaram suas forças físicas e sua infraestrutura militar. A solução francesa foi a retirada. Em dezembro de 1812 Napoleão atravessou a Polônia, rumo à França, com 22 mil soldados dos 690 mil que entraram na Rússia. Eles foram sempre perseguidos pelo exército russo que entrou em Paris, em 1814, liderado pelo Imperador Alexandre I. Neste momento Napoleão Bonaparte renunciou ao trono.

A corte portuguesa somente voltaria a Portugal com o fim das Guerras Napoleónicas, em 1821. Após as nações europeias se restabelecem dos conflitos militares. Também, por exigências políticas internas.

“Aquietados os ânimos com a expulsão dos franceses de Portugal e seus sucessivos reveses militares, iniciaram-se os pedidos pela volta da família real e de toda Corte portuguesas para a Europa. A situação em que ficara a antiga metrópole e o sentimento de orfandade dos súditos pela ausência do monarca e pela situação de dependência em relação ao Brasil eram extremamente perigosos e exigiam providências”[2]

Pela sequência dos fatos acima relatados, podemos constatar que apesar de distante, a Corte de Portugal, estabelecida no Brasil (na época colônia), esteve do mesmo lado político e militar da Rússia durante as Guerras Napoleónicas.

Século XX – Segunda Guerra Mundial

“Utilizando 134 divisões com força de combate total e mais 73 divisões implantadas atrás da linha de guerra, as forças alemãs invadiram a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), em 22 junho de 1941. (...) Três grupos do exército alemão atacaram a União Soviética em uma frente ampla. Os grupos eram compostos por mais de três milhões de soldados alemães, e estes soldados tiveram apoio de mais 650 mil outros oriundos de países aliados da Alemanha (Finlândia e Romênia).

Posteriormente, o número das tropas foi aumentando com unidades oriundas da Itália, da Croácia, da Eslováquia e da Hungria. A frente de batalha ia do Mar Báltico, ao norte, até o Mar Negro, ao Sul”.[3]

O Brasil, que mantivera relações de aproximação com a Alemanha, desde que Hitler chegou ao poder, esteve neutro até 1942, quando rompeu as relações diplomáticas com o Eixo Nazista (Alemanha, Itália e Japão). Após ter dezenas de navios atacados na costa brasileira por submarinos alemães, que levou à morte de mais de 500 pessoas, o governo brasileiro, convocou, em 1943, recrutas e reservistas para formar a Força Expedicionária Brasileira (FEB) para lutar contra o fascismo na Europa.

“Os soldados brasileiros chegaram no dia 16 de julho de 1944 à Itália. (...) Os brasileiros conseguiram expulsar o exército alemão que ainda resistia no norte da Itália. Em setembro de 1944, os soldados brasileiros tomaram Massarosa, Camaiore e Monte Prano. No início de 1945, ajudaram a conquistar pontos estratégicos como o Monte Castelo, Castelnuovo e Montese. A guerra terminou em maio de 1945”[4]

Foram enviados 25.445 homens e mulheres para atuar no campo de guerra, dos quais 450 morreram e 3 mil ficaram feridos.

A URSS teve grandes perdas militares no primeiro momento da Segunda Guerra Mundial. A partir de agosto de 1941 conseguiu conter o avanço alemão. Não entrou em colapso como esperavam os alemães e seus aliados europeus. Este fato frustrou os nazistas que, após meses de luta, começaram a ficar exauridos. Distantes das fontes de suprimentos de armas, munição e de alimentos, as tropas alemãs começaram, como as francesas no século XIX, a entrar em colapso. Faltavam até medicamentos! Isso porque os estrategistas de Berlim tinham imaginado uma rápida vitória. Mas espalhados numa frente de mais de 15 mil km, ficaram vulneráveis.

A Batalha de Stalingrado, entre julho de 1942 e fevereiro de 1943, que levou a vida de dois milhões de seres humanos, resultou com a vitória do Exército Vermelho. Definiu o destino da Segunda Guerra Mundial que terminou, simbolicamente, com o hasteamento da bandeira da URSS, com a foice e o martelo, sobre o Reichstag (parlamento alemão), no dia 30 de abril de 1945. Oficialmente, no dia 9 de maio foi proclamada a Vitória sobre a Alemanha Nazista, com a assinatura da capitulação. Perseguidos pelo exército soviético, que entrou em Berlim, em 1945, liderado pelo Marechal Gueorgui Jukov, a Alemanha e seus aliados estrangeiros caíram.

Pela sequência dos fatos acima relatados, podemos constatar que apesar de distante, o Brasil esteve do mesmo lado político e militar da URSS durante os momentos cruciais da II Guerra Mundial.

Século XXI - Operação Especial de Guerra da Federação da Rússia

O Brasil, mantém-se neutro – política e militarmente - frente a Operação Militar Especial da Federação da Rússia em terras ucranianas. Apesar da pressão dos EUA e dos países da União Europeia, o governo brasileiro, defende sua posição: a prioridade é a de buscar a paz e não a de alimentar o conflito.

“O jornal Washington Post publicou um artigo dizendo que ‘o Ocidente esperava que o presidente do Brasil fosse um parceiro’. Nele, o jornal que sempre agiu como porta-voz dos interesses da Casa Branca, critica o presidente Lula por ter declinado de se aliar aos Estados Unidos na guerra contra a Rússia na Ucrânia. (...) O que o governo brasileiro está fazendo é exercer sua soberania, cuidar de seus próprios interesses e trabalhar por um mundo multipolar em que mais vozes se expressam nas decisões globais que afetam a população de todo o planeta", comentou o historiador Thomas de Toledo [5].

O Brasil recusou-se a participar das sanções econômicas impostas pelos EUA, assim como a China, Índia, África do Sul, Turquia, México, Argentina, Cuba, Venezuela, Nicarágua, Sérvia, Bósnia e Herzegovina, Síria, Egito, Bielorrússia, Cazaquistão, Tadjiquistão, Armênia, Quirguistão, Moldávia, Geórgia e a maioria das nações africanas e asiáticas. Países onde vivem dois terços da população mundial.

O exército russo conquistou os territórios orientais da Ucrânia, região onde a maioria da população tem laços étnicos e culturais com a Rússia. Ao mesmo tempo, o governo da Federação da Rússia defende a necessidade do estabelecimento de um mundo multipolar, onde todas as nações do planeta possam ter voz, independente do seu desenvolvimento social, cultural, econômico e tecnológico. Não aceita que junto às suas fronteiras sejam alocadas armas com ogivas nucleares.

Entendo ser inaceitável para a política de paz mundial a existência de 750 bases militares americanas, em 130 países. Contra 6 bases militares russas no estrangeiro. Neste sentido, o Brasil, como signatário do Acordo de Não Proliferação de Armas Nucleares, apoia a Rússia. Assim como ela não aceita em suas fronteiras o estabelecimento de mísseis nucleares.

Conclusão

Constatamos, pelos paralelos históricos acima relatados, que o Brasil e a Rússia estão hoje alinhados - como no século XIX e XX.

Portugal e a Rússia, foram invadidos pelo exército francês. Neste contexto é simbólico que o Brasil colônia abrigou a família real portuguesa, durante a fuga desta das tropas de Napoleão. Em 1828, quando se deu o estabelecimento das relações diplomáticas entre o Império Russo e Império do Brasil, este fato teve relevância. As relações diplomáticas seriam rompidas após 89 anos, com o advento da Revolução Socialista de Outubro de 1917.

O estabelecimento das relações diplomáticas entre Brasil e da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) se deu em 1945. O fato dos soldados de ambos os países terem lutado juntos contra a Alemanha Nazista teve peso. Porém, com a Guerra Fria, em 1947, o Brasil retirou seu corpo diplomático de Moscou.

Em 1961 as relações diplomáticas entre o Brasil e a URSS foram restabelecidas. Nem o Regime Militar do Brasil, entre 1964 e 1985; nem o fim da URSS e a Declaração de Soberania do Estado da Federação da Rússia, em 1990, trouxeram alterações.

Atualmente, ao não aceitar participar das sanções econômicas contra a Rússia e recusar o convite para envio de armas e munições para a Ucrânia, o Brasil se posicionou claramente em defesa de um mundo multipolar.

[1] https://aventurasnahistoria.uol.com.br/noticias/historia-hoje/historia-napoleao-russia.phtml

[2] https://bndigital.bn.gov.br/exposicoes/dom-joao-vi-e-a-biblioteca-nacional-o-papel-de-um-legado/a-volta-de-d-joao/#:~:text=JO%C3%83O-

[3] https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/article/invasion-of-the-soviet-union-june-1941

[4] https://www.todamateria.com.br/o-brasil-na-segunda-guerra-mundial/

[5] TV Russa, canal HTB, 23 de abril de 2023

Por Jornal da República em 02/10/2023
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