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Por José Paulo Kupfer, do UOL - O decreto que aumenta alíquotas do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) até o fim do ano, publicado nesta quinta-feira (16), causou surpresa, descontentou a Faria Lima e adjacências, mas tem o DNA do governo Bolsonaro. A medida fere as boas práticas tributárias, produz efeitos contrários aos pregados pelo discurso do ministro da área e apenas adia uma solução efetiva para o problema que pretende resolver - pôr de pé o Auxílio Brasil, programa social que substituiria o Bolsa Família.
Ao promover um aumento de arrecadação - e, de carga tributária, visto que o a evolução do PIB (Produto Interno Bruto) não compensará a elevação da receita tributária -, por meio de alta na tributação, o ministro da Economia, Paulo Guedes, renega na prática sua permanente cantilena em defesa da desoneração da economia. Guedes, como é de praxe, pode tentar tirar o corpo fora da decisão, mas ele assina, junto com o presidente Bolsonaro, o decreto 10.797, de 16 de setembro de 2021, O mesmo expediente já tinha sido usado, no primeiro semestre, mas por medida provisória, para aumentar alíquota da CSLL (Contribuição sobre o Lucro Líquido) dos bancos, também até o fim de 2021. O aumento pretendeu compensar reduções de tributos no diesel e no gás de cozinha. Até aqui, a manobra não tem sido bem sucedida.
Com o aumento temporário propiciado pelo aumento do IOF, o governo espera arrecadar pouco mais de R$ 2 bilhões até o fim do ano. Esse incremento na receita pública federal seria suficiente para bancar a adoção do Auxílio Brasil, programa que visa substituir o Bolsa Família, ainda em 2021.
A decisão de aumentar a tributação com esse objetivo obedece a dispositivos da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal), que só permite novos gastos correntes sustentados por fontes próprias de financiamento. A escolha do IOF também se deve a restrições legais.
Apenas cinco tributos podem ser alterados sem atender ao princípio da anuidade - ou seja, podem ser modificados no mesmo ano. São impostos de importação e exportação, sobre produtos industrializados, o IOF e a Cide, contribuição específica sobre determinado setor.
Há, porém, uma vedação legal para alterações em tributos no mesmo ano, que o decreto que aumentou o IOF deixou de cumprir. A lógica da liberação desses tributos para alterações imediatas reside na ideia de que serão usados com caráter regulatório, não para arrecadar mais recursos.
O IOF é, por princípio, um imposto regulatório. Por sua natureza, as alterações em suas alíquotas visam, exclusivamente, incentivar ou desestimular, de acordo com circunstâncias de momento, determinados tipos de operação financeira. Não é a primeira vez que governos usam o IOF com objetivo arrecadatório, mas este é, claramente, o objetivo do governo com o decreto publicado.
É preciso, nesse ponto, fazer parênteses e ponderar que aumentos de alíquotas em tributos não deveriam ser criticados a priori. Em razão da grande regressividade e desigualdade do sistema tributário, há espaços para reorganizar melhor o perfil da arrecadação, inclusive aumentando a carga para segmentos selecionados. Ou mesmo aumentar a carga, também seletivamente, com cortes ou eliminação de renúncias fiscais e subsídios, abundantes no Brasil.
Além de colidir com os princípios estabelecidos nas leis tributárias brasileiras, a mexida no IOF tem impactos negativos sobre o comportamento da economia. No momento em que as taxas de juros se encontram em alta, encarecendo e, portanto, dificultando a tomada de financiamentos, a elevação das alíquotas do IOF vem reforçar esse problema.
O ritmo de expansão da atividade econômica, que já vem perdendo velocidade, tende a ficar ainda mais lento. A injeção prevista de R$ 2 bilhões na economia é insuficiente para compensar as travas decorrentes do aumento das alíquotas do IOF. Isso significa obstáculos adicionais para a absorção da mão de obra desempregada ou subutilizada, com reflexos adversos sobre a renda das famílias e a massa salarial da economia como um todo.
Não dá para entender também como o governo pretende sustentar o Auxílio Brasil em 2022, terminada a vigência do decreto que elevou o IOF. O anúncio de que a reforma do Imposto de Renda bancará o programa no ano que vem em diante não faz sentido. Pelo menos por enquanto, a reforma do IR em tramitação na Câmara, reduz a arrecadação federal como um todo.
Tudo isso para pôr de pé um programa social, como o Auxílio Brasil, que, se fosse menos dispersivo, seria meritório. É necessário, de fato, amparar, não só na pandemia, mas de forma permanente, a imensa massa de vulneráveis e pobres. Mas isso para evitar o espalhamento das situações de fome e extrema pobreza, assegurando dignidade mínima aos cidadãos, não tendo como objetivo principal angariar popularidade que possa se traduzir em capital eleitoral.
Em linguagem popular, em resumo, o decreto do IOF é mais uma lambança promovida na economia por Bolsonaro, com a chancela de Guedes. Evidencia que o presidente topa tudo para se manter no poder o maior período de tempo possível.
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