Militante do Estado laico vai ao Ministério Público contra lei de SC que pune sátira à religião

Alei 'anti-blasfêmia' é de autoria da deputada Ana Campagnolo (PL), fundamentalista cristã e bolsonarista

Militante do Estado laico vai ao Ministério Público contra lei de SC que pune sátira à religião

O militante do Estado laico e ateísmo Eduardo Banks encaminhou ao MP (Ministério Público) representação para abertura de uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) em relação à lei de Santa Catarina que “proíbe o vilipêndio de dogmas e crenças sob forma de sátira, ridicularização e menosprezo".

A lei é a 18.629, de 30 de janeiro de 2023. É de autoria da deputada bolsonarista Ana Caroline Campagnolo (PL).

Na rede social, ela se apresenta como a "única mulher conservadora da Assembleia de Santa Catarina". Diz que escreveu os livros "Feminismo — Perversão e Subversão", "Guia de bolso contra mentiras feministas" e "Ensino Domiciliar na Política e no Direito". Ela faz parte do Clube Antifeminista.

O veto à satirização vale para qualquer religião, mas a ementa (preâmbulo da lei que sintetiza o seu conteúdo) só se refere ao cristianismo, "o que já denota uma péssima técnica legislativa", observou Banker.

A lei fixa ao infrator multa de R$ 500 a R$ 5.000, com base na magnitude do evento em que foi cometido o vilipêndio e seu impacto na sociedade, entre outros critérios. E impede que o vilipendiador receba verbas públicas em eventos futuros.

Banks fundamentou sua representação na laicidade de Estado e proibição de censura, conforme estabelece a Constituição, e em decisões firmadas pelas instâncias judiciais, incluindo o STF (Supremo Tribunal Federal).

Ele também argumentou que a “lei anti-blasfêmia” de Santa Catarina é mais abrangente que o Código Penal, cujo rigor tem sido criticado por defensores do Estado laico.

"O artigo 208 do Código Penal criminaliza o ultraje ou vilipêndio a ato ou objeto de culto, não às crenças religiosas, e muito menos permite punir a ofensa à religião ou a 'toda e qualquer objeto vinculado a qualquer religião ou crença de forma'", afirmou Banks na representação.

Assim, é "livre qualquer manifestação de desaprovação ou até ridicularização aos dogmas ou às crenças religiosas em si". 

"Ninguém é obrigado a 'respeitar crenças ou dogmas', mas apenas às pessoas que acreditam nesses dogmas ou crenças. A sátira e mesmo a ridicularização aos dogmas e crenças do cristianismo e de qualquer religião não pode ser confundida com 'discurso de ódio'”.

Como justificativa para lei, Campagnolo citou o suposto vilipêndio cometido pelo desfile da Escola de Samba "Grêmio Gaviões da Fiel Torcida" no qual Satanás subjuga Jesus.

A deputada se mostrou "desinformada e precipitada", apontou Banks, porque o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo julgou não haver no caso ofensa ao cristianismo, mas uma representação artística.

Independentemente da justificativa equivocada de Campagnolo, uma lei estadual não pode proteger os “objetos” que não sejam especificamente consagrados para uso nos cultos religiosos, pois aí se chegaria ao extremo de dar proteção legal até mesmo a imagens vendidas no comércio de artigos religiosos, antes que um padre as benza, defendeu a representação.

"Apenas as pessoas religiosas podem ser tuteladas contra a ridicularização por motivo religioso, e, ainda assim, se o fato for cometido 'publicamente', isto é, diante de pelo menos três pessoas, além do ofensor e do ofendido".

Banks citou o jurista Nélson Hungria (1891 – 1969), para quem, em "Comentários ao Código Penal", o discurso de ódio penalizado na legislação é aquele consistente em escarnecer por motivo religioso de "pessoa certa e determinada".

“O escárnio dirigido, por exemplo, aos católicos ou protestantes em geral não constitui o crime", escreveu o jurista.

Por isso, para Banks, a lei catarinense só tem "paralelo nas legislações dos atrasados países islâmicos e no Direito Medieval, na época da inquisição contra apóstatas, hereges e cismáticos”.

No Brasil, pelo pacto federativo, "não há nenhuma proteção penal para 'símbolos' como a cruz (ou o crucifixo), a estrela (ou escudo) de Davi, o crescente dos muçulmanos ou qualquer outro que venha 'oficializar' o respeito às religiões".

Além da Adin, Banks pede a concessão de liminar (decisão judicial provisória) para que a lei anti-blasfêmia de Santa Catarina tenho efeito suspensivo imediato.

A deputada Campagnolo se destaca não só por ser da extrema direita e cristã fundamentalista, mas por favorecer em 2022 com emenda parlamentar de R$ 249,8 mil a Fundação Catarinense de Hipismo, cujo presidente é o seu advogado, Cláudio Gastão da Rosa Filho, conhecido por Gastãozinho.

Com informação da representação de Eduardo Banks, portal Metrópoles, rede social da deputada Ana Caroline Campagnolo e outras fontes. A foto é de arquivo pessoal.

Por Jornal da República em 13/07/2023
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