Mini manual de como funciona a 'isenção e imparcialidade' na imprensa

Seis anos depois de espetacularizar a apresentação da Lava Jato em rede nacional e internacional, mídia minimiza vitória de Lula no Superior Tribunal de Justiça

Mini manual de como funciona a 'isenção e imparcialidade' na imprensa

Por Paulo Motoryn Brasil de Fato, com redação - O inesquecível jornalista Paulo Henrique Amorim batizou e eternizou como PIG, Partido da Imprensa Golpista, o conjunto da imprensa empresarial e oligárquica brasileira. As iniciais da expressão, que formam a palavra porco em inglês, dizem muito sobre o trabalho que os veículos de comunicação que se autoproclamam “imprensa profissional” fazem há décadas, mas foi minimizado logo após o fim da ditadura que todos eles apoiaram.

Com a redemocratização, a “imprensa profissional” teve um surto democrático que logo foi interrompido com a ascensão do Partido dos Trabalhadores ao governo e se agravou após as quatro vitórias consecutivas da esquerda.

A possibilidade de um país menos desigual levou os patrocinadores desses veículos e seus donos de volta às suas raízes golpistas da época da ditadura militar, mas dessa vez com outra roupagem. Foi montado um consórcio jurídico-midiático-parlamentar com o exército brasileiro na retaguarda para derrubar a presidenta Dilma Rousseff, prender o presidente Lula e promover o assalto ao Pré-Sal sem dar um tiro sequer.

15 de setembro de 2016.
Um dia depois da entrevista coletiva do Ministério Público Federal (MPF) em Curitiba (PR), em que o então procurador Deltan Dallagnol exibiu o famoso PowerPoint acusando o ex-presidente Lula (PT) de ser "comandante máximo" de um esquema de corrupção, as capas dos principais jornais do Brasil davam enorme destaque à ofensiva da Operação Lava Jato.

Quase seis anos depois, nesta quarta-feira (23), dia seguinte à sessão da Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que determinou que Deltan Dallagnol pague uma indenização por danos morais contra Lula, o espaço na capa das edições impressas de jornais brasileiros é bem mais tímido. Como indenização por danos morais, Lula pediu R$ 1 milhão. O valor, contudo, foi fixado em R$ 75 mil.

O Brasil de Fatou ouviu Milton Alves, autor de "A política além da notícia – A guerra declarada contra Lula e o PT", sobre a diferença na cobertura. Segundo ele, a condenação é uma "reparação" tímida se comparada aos danos causados pela Operação Lava Jato.

"É evidente que é uma vitória do presidente Lula. Essa condenação é uma reparação, mas sabemos que a Lava Jato foi uma operação política destinada a destruir o Partido dos Trabalhadores, destruir e desmontar as conquistas sociais e econômicas, desmontar o sistema Petrobras, que começava a trabalhar numa direção que enfrentava os monopólios internacionais do petróleo e as grandes companhias", afirmou.

"O PowerPoint ganhou as manchetes da Folha, do Estadão e do Globo em 15 de setembro de 2016. Isso ocorreu em toda a grande mídia patronal e corporativa, os telejornais deram destaque, foi destaque na imprensa mundial. Hoje, são pequenas notas falando da condenação do Deltan Dallagnol, que hoje tenta uma carreira política para se blindar", lamentou Alves.

Condenação de Deltan
Os votos favoráveis a Lula no STJ foram feitos pelos ministros Luís Felipe Salomão (relator do caso), Raúl Araújo, Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. A ministra Maria Isabel Gallotti divergiu dos colegas. Ela disse não ter visto abuso de Deltan no caso.

Em seu voto, o relator apontou que Deltan se afastou dos ritos do Direito Processual e Penal na apresentação. "[Deltan] Valeu-se de um Power Point que compunha diversos círculos preenchidos com palavras que se afastavam da nomenclatura típica do Direito Processual e Penal", disse Salomão.

“É imprescindível que a divulgação de oferecimento de denúncia se faça de forma precisa, coerente e fundamentada. A espetacularização do episódio não é compatível com a denúncia nem com a seriedade que se exige da apuração destes fatos”, complementou o ministro.

Representando o ex-presidente, o advogado Cristiano Zanin Martins fez duras críticas a Dallagnol em sua sustentação oral. “O ex-procurador exibiu em rede nacional e internacional um Power Point e, segundo consta, utilizou de recurso digital e usou de gráficos e setas indicando o apelante ora como comandante, ora como maestro de uma organização criminosa”.

"Deltan Dallagnol emitiu juízo de culpa. Não existia, na época, sequer processo. O Power Point trata do crime de organização criminosa, que não era discutido na denúncia tratada naquela oportunidade pelo Ministério Público", afirma Zanin.

O ex-procurador já havia sido denunciado no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), mas, depois de uma série de adiamentos, ele se livrou do julgamento disciplinar porque o órgão reconheceu a prescrição do caso.

A denúncia apresentada na exibição do Power Point chegou a levar Lula à cadeia. Posteriormente, contudo, o processo foi anulado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em função da incompetência da Vara Federal de Curitiba para analisar supostos crimes cometidos contra a Petrobras.

Cronologia do processo
O processo contra Dallagnol foi protocolado pelo advogado Cristiano Zanin Martins no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), ainda em dezembro de 2016. Um ano depois, em dezembro de 2017, Lula perdeu em primeira instância o processo que trata do mesmo assunto, pois o juiz da 5ª Vara Cível de São Bernardo do Campo Carlo Mazza Britto Melfi julgou a ação improcedente.

Em setembro de 2018, a 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo também negou o provimento ao recurso de apelação - ou seja, negou o pedido - do ex-presidente contra Dallagnol. O desembargador Salles Rossi, relator do caso no TJ-SP, entendeu que o procurador não agiu com excesso em sua apresentação da denúncia, como sustentado pela defesa de Lula.

Em outubro de 2019, o ministro Luís Felipe Salomão admitiu um recurso especial apresentado pela defesa de Lula. Com isso, o STJ pôde reverter as duas decisões anteriores.

 

Por Jornal da República em 24/03/2022
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