Ministério Público acusa 13 PMs por massacre em baile funk em Paraisópolis

Todos são do 16º Batalhão Metropolitano e ao menos 31 policiais militares participaram da ação. Com relação aos outros 18 policiais, MPE pediu o arquivamento do inquérito

Ministério Público acusa 13 PMs por massacre em baile funk em Paraisópolis

DA PONTE JORNALISMOpor Jeniffer Mendonça - O Ministério Público Estadual de São Paulo acusou 13 policiais militares de terem causado o massacre de Paraisópolis, quando nove jovens morreram após dispersão de um baile funk na comunidade da zona sul de São Paulo, em dezembro de 2019. Os promotores denunciaram um policial militar por explosão e 12 por homicídio qualificado, com agravantes de motivo fútil, que dificultou a defesa das vítimas, com emprego de meio cruel e concurso de agentes (quando mais de uma pessoa participou do crime).

De acordo com a denúncia, os PMs acusados por homicídio qualificado são Aline Ferreira Inácio, João Carlos Messias Miron, Luís Henrique dos Santos Quero, Rodrigo Almeida Silva Lima, Marcelo Viana de Andrade, Marcos Vinícius Silva Costa, Leandro Nonato, Paulo Roberto do Nascimento Severo, Gabriel Luís de Oliveira, Anderson da Silva Guilherme, Matheus Augusto Teixeira, José Joaquim Sampaio. Já José Roberto Pereira Pardim foi acusado de explosão por ter lançado bombas na Rua Manoel Antonio Pinto, onde pessoas estavam reunidas, mas havia “nenhum tumulto, confusão ou perigo para ele ou as equipes”. Todos são do 16º Batalhão Metropolitano e ao menos 31 policiais militares participaram da ação em Paraisópolis. Com relação aos outros 17 policiais, o MPE pediu o arquivamento do inquérito.

Os promotores Luciana André Jordão Dias e Neudival Mascarenhas Filho não seguiram o entendimento do delegado Manoel Fernandes Soares, do DHPP (Departamento Estadual de Homicídios e de Proteção à Pessoa) da Polícia Civil, que em seu relatório de investigação indiciou nove PMs por homicídio culposo (quando não há intenção de matar) e entendeu que os policiais agiram com negligência – o que poderia fazer com que o caso fosse julgado pela Justiça Militar e não pela Justiça Comum. Luciana e Neudival argumentaram, no entanto, que os policiais conheciam o local, por ser a área de patrulhamento, e que “agiram pela torpe motivação de causar tumulto, pânico e sofrimento, em abusiva demonstração de poder e prepotência contra a população que estavam em evento cultural”.

O MPE incluiu, além dos nove policiais já indiciados, Anderson da Silva Guilherme, Matheus Augusto Teixeira, José Joaquim Sampaio e José Roberto Pereira Pardim. O delegado tinha indicado que Anderson e Matheus tinham cometido abuso de autoridade, mas decidiu não indiciá-los por ser crime de menor potencial ofensivo.

Os promotores apontaram, assim como a Polícia Civil, que a tenente Aline Ferreira Inácio era responsável pelo comando da “Operação Pancadão” e pelo patrulhamento da 1ª Companhia do 16º BPM/M (Batalhão de Polícia Militar Metropolitano), sendo que ela e seus subordinados “com ânimos convergentes, cada qual aderindo à ação do outro para o resultado comum, assumindo o risco de produzir as mortes das vítimas, agindo por motivo torpe e com meio que resultou em perigo comum, atuando de surpresa, recurso este que dificultou a defesa dos ofendidos”.

O subtenente Leandro Nonato, o cabo Paulo Roberto do Nascimento Severo e o soldado Gabriel Luís de Oliveira, da viatura M-16011, alegaram que foram prestar apoio a policiais da Rocam (Ronda Ostensiva com Apoio de Motocicletas), que tinham comunicado ter sido alvo de disparos por suspeito em moto, e disseram que “foram surpreendidos por uma multidão” quando chegaram ao local, sendo recebidos com garrafas e pedras e que por isso lançaram bombas de gás lacrimogêneo. Apesar de terem sido chamados pela Rocam para prestar apoio na Rua Herbert Spencer, a viatura migrou para a Rua Ernest Renan, que era oposta. Leandro e Paulo passaram a jogar granadas enquanto Gabriel estava com cassetete para agredir as pessoas, aponta o MPE.

Além disso, imagens mostraram que os policiais mentiram, já que a viatura ingressou em alta velocidade na Ernest Renan, que fica a 30 metros antes da esquina da Rua Rudolf Lutze, onde havia aglomeração de pessoas que acabaram correndo com a aproximação do veículo. Já João Carlos Messias Miron, Luis Henrique dos Santos Quero, Anderson da Silva Guilherme, Marcelo Viana de Andrade, Matheus Augusto Teixeira, Rodrigo Almeida Silva Lima, José Joaquim Sampaio e Marcos Vinicius da Costa, que estavam nas viaturas M-16104 e M-16105, passaram a agredir pessoas na Viela do Louro.

As viaturas seguiram em direção ao baile da DZ7 mesmo quando os policiais da Rocam já haviam informado que estavam fora de perigo. Mesmo que as agressões não tenham causado mortes, a ação dos policiais gerou corria e as vias acabaram sendo encurraladas pelos policiais. Sem saída, as vítimas acabaram prensadas umas nas outras. O baile tinha entre 5 mil e 8 mil pessoas.

Os laudos necroscópicos indicaram que Marcos Paulo Oliveira dos Santos, Gustavo Cruz Xavier, Luara Victória Oliveira, Bruno Gabriel dos Santos, Gabriel Rogério de Moraes, Denys Henrique Quirino da Silva, Eduardo da Silva e Dennys Guilherme dos Santos Franco morreram por sufocação indireta, justamente por essa compressão entre as pessoas, impedindo que elas pudessem respirar. Mateus dos Santos Costa morreu por traumatismo raquimedular, que poderia estar associado à compressão ou uma pancada. As vítimas tinham entre 14 e 23 anos. Pelo menos 12 pessoas ficaram feridas, sendo que uma delas ficou com bala de borracha alojada na perna.

Para os promotores, os PMs João Carlos Messias Miron, Luis Henrique dos Santos Quero, Marcelo Viana de Andrade, Rodrigo Almeida Silva Lima e Marcos Vinicius da Costa ainda agiram com o intuito de “impor mais pânico às vítimas”, quando “bateram as tonfas [cassetete] contra a parede de ferro de um trailer de lanches, provocando estrondo assustador a quem estava no interior da viela escura, enquanto gritavam ‘vai embora caralho’, ‘vai morrer todo mundo'”.

A promotoria solicita que os policiais sejam pronunciados ao Tribunal do Júri, ou seja, sejam julgados por um colegiado de pessoas vindas da sociedade civil e, com a condenação, que as famílias das vítimas sejam indenizadas. Cabe ao Tribunal de Justiça decidir se aceita ou não a denúncia.

Quando aconteceu o indiciamento em maio e com relatório da Polícia Civil concluído em junho, a Defensoria Pública e mais cinco escritórios de advocacia que prestam auxílio às famílias das vítimas pediram ao Tribunal de Justiça que o caso fosse tratado como homicídio com dolo eventual (quando se assume o risco de matar) e incluíram um parecer em que enfatizam pontos do relatório de investigação.

Hugo Leonardo, advogado criminalista que representa uma das famílias, considera acertado o entendimento do MPE ao juntar os elementos técnicos que configurassem um crime doloso contra a vida. “O Ministério Público acolheu a tese do dolo eventual considerando que os policiais estavam em comum acordo ao cercar as entradas do baile enquanto outros jogavam bombas, utilizavam granadas, cassetetes e outros armamentos para que aquela população que frequentava o baile não teve como escapar”, pontua. “Justamente nas rotas de fuga colocaram viaturas impedindo a passagem das pessoas e causando a aglomeração ao mesmo tempo em que a polícia incitava as pessoas a fugir daquela situação de violência extrema que os próprios policiais colocavam contra aqueles jovens”.

Para Danylo Amilcar, 20, irmão de Denys Henrique, a denúncia contempla as reivindicações das famílias. “Para nós que perdemos nossos familiares, o mínimo que a gente quer é que o caso seja investigado como aconteceu e a denúncia mostra que estamos certos quando apontamos que foi um massacre, que foi uma ação cruel e que existem inúmeras provas de que eles [PMs] são responsáveis pelas mortes e pelos sobreviventes”, afirma. “O que a gente quer é justiça, que o caso não seja esquecido”.

Na época do massacre, o governador João Doria (PSDB), pressionado pelas famílias das vítimas, chegou a prometer afastar 38 policiais militares que participaram da ação. Inicialmente, tinham sido afastados Rodrigo Cardoso da Silva, Antonio Marcos Cruz da Silva, Vinicius Jose Nahool Lima, Thiago Roger Lima Martins de Oliveira, Renan Cesar Angelo e João Paulo Vecchi Alves Batista, todos também da Força Tática do 16º BPM/M, que estavam em motocicletas (Rocam) – eles aparecem como averiguados no inquérito da Polícia Civil, mas não foram indiciados pelo delegado Manoel Soares, e o MPE pediu o arquivamento do inquérito em relação a eles.

Os seis disseram no 89º DP (Portal do Morumbi), na ocasião, que estavam em operação de combate ao pancadão na região, quando dois agentes avistaram suspeitos em uma moto XT 660 e que, para escapar da abordagem, atiraram e fugiram, iniciando uma perseguição. Na sequência, tentaram se esconder no meio da multidão que participava de um baile funk, o baile da DZ7. Os participantes da festa, ainda segundo os relatos dos agentes, teriam lançado pedras e garrafas contra os policiais, que, então, reagiram. Esses suspeitos até hoje não foram identificados.

A apuração da Corregedoria da PM concluiu, em fevereiro do ano passado, que 31 policiais militares agiram em legítima defesa, já que teriam atuado para dar apoio aos policiais da Rocam e repelir “agressão” das pessoas, que teriam jogado garrafas e pedras, com bombas de gás e balas de borracha, e alegaram que não estavam no local para fazer dispersão de multidão, conforme um laudo feito pela corporação que integra essa apuração interna que a Ponte teve acesso.

O que diz a polícia
A Ponte procurou a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública e da Polícia Militar, bem como as defesas dos policiais acusados.

A SSP encaminhou a seguinte nota: Todas as circunstâncias relativas aos fatos foram investigadas por meio de inquéritos pelo Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) e pela PM. Ambos foram encaminhados à Justiça e nove policiais foram indiciados por homicídio culposo. Mais informações podem ser solicitadas ao Poder Judiciário.

Por Jornal da República em 20/07/2021
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