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Nos últimos dias, assisti ao cerco de críticas, no mínimo simplistas, às decisões do ministro Dias Toffoli, do STF, para suspender pagamento de multas (não sua anulação, deve ficar claro) estabelecidas em processos absolutamente irregulares e sob suspeita até que todos os envolvidos tenham acesso às informações e à devida defesa. E não pude deixar de pensar como nós, como sociedade, muitas vezes temos a memória curta.
Veio à minha lembrança uma tarde em 2019, na sede da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), que eu então presidia. Recebi o hoje ex-procurador e deputado cassado Deltan Dallagnol, que queria explicar as razões da proposta de montar uma “fundação” privada, gerida pelo Ministério Público, para gerenciar recursos recuperados pela Lava Jato. O pleno do Conselho Federal havia aprovado, naqueles dias, sua posição de ir ao STF para defender a ilegalidade dessa iniciativa. Recebi-o, ouvi suas explicações, e deixei claro para ele que defender a Constituição era o compromisso da Ordem. Por isso, não poderia fechar os olhos ao uso privado de recursos que deveriam ser destinados à União. O ministro Alexandre de Moraes viria a decidir pela ilegalidade da tal “fundação”.
Poucos meses depois, vieram à tona os diálogos vazados entre os membros da Força Tarefa e juízes que revelavam um esquema de completa corrupção do processo penal por aqueles que se vendiam como salvadores da pátria. Sentenças combinadas, relação promíscua entre procuradores e juízes, cerceamento à defesa, escuta ilegal de advogados, envolvimento de entidades no vale-tudo para condenar os “inimigos”.
A essa altura, Sérgio Moro já era ministro da Justiça do governo de extrema-direita de Jair Bolsonaro – que ele havia ajudado a eleger com a corrupção do sistema de Justiça a serviço de interesses políticos.
O que foi sendo revelado e exposto desnudou que a tal fundação seria na verdade um “fundo eleitoral para chamar de seu”, em uma estrutura que equivalia a um partido político dentro do Ministério Público, que tinha objetivos claros de, ao estimular ao máximo a anti-política, dominar o poder político. Para isso, contou com o aval de entidades muitas vezes reconhecidas por serem eloquentes na denúncia de desmandos com o dinheiro público.
É preciso não esquecer que advogados foram grampeados e tiveram seu sigilo com os clientes quebrados, que a defesa foi cerceada, que prisões ilegais e a delação premiada foram usadas como forma de coação de réus e testemunhas, que tudo isso foi usado para beneficiar um candidato de extrema-direita.
Expor à luz do sol todos os vícios e corrupções que teve a Lava Jato é o único caminho para aprimorar o combate à corrupção e alguns instrumentos, como a delação premiada, que foram utilizados de forma criminosa para abrir caminho para o autoritarismo e para um retrocesso sem precedentes em conquistas civilizatórias e democráticas no país.
Por isso, não esqueço. E vejo as decisões do ministro Toffoli como coerentes e legitimadas por todas as decisões anteriores do próprio STF, que foram essenciais para o mínimo de normalidade democrática que temos hoje.
Felipe Santa Cruz, ex-presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (2019-2022)
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