Noam Chomsky: apesar da derrota no Afeganistão, império americano continua “esmagador”

O intelectual e ativista, considerado o maior pensador da atualidade, avaliou, que a retirada das tropas americanas do Afeganistão não deve ser interpretada como um sinal de fraqueza do império. Para ele, a hegemonia dos EUA permanece intacta, e a máquina imperialista continua a todo vapor.

Noam Chomsky: apesar da derrota no Afeganistão, império americano continua “esmagador”

Por Leonardo Sobreira e Victor Castanho, do Brasil 247 - O intelectual e ativista Noam Chomsky, um dos pensadores de maior renome do mundo afirmou que, apesar da retirada das tropas americanas do Afeganistão, o império dos Estados Unidos permanece “esmagador” em seu poder militar e econômico.

Chomsky reforçou que, historicamente, os Estados Unidos “invocam” inimigos, que passam a ser considerados como uma ameaça. Foi assim tanto com os indígenas americanos, como com os Talibãs, explicou o professor. “Os EUA têm uma força internacional esmagadora. Fala-se muito do declínio americano, mas você tem que lembrar que as elites estão sempre dispostas a dizer o quanto o mundo é horrível e como estamos em perigo.

Quer rastrear isto na história americana? Dê uma olhada na Declaração de Independência. Ninguém se preocupa em lê-la, mas vale a pena ler. Em uma das acusações contra o rei da Inglaterra na Declaração da Independência, Thomas Jefferson, uma figura realmente iluminista, diz que foram soltos contra nós os impiedosos selvagens indígenas, cujo modo de guerra conhecido é o terror e a destruição. Jefferson não era um imbecil. Ele sabia que o que estava acontecendo eram os selvagens ingleses impiedosos que tinham invadido o país e estavam atacando e exterminando a população indígena. Mas a Declaração de Independência diz que estamos apenas nos defendendo dos impiedosos selvagens indígenas, que nos atacam sem nenhuma razão, exceto que eles são os impiedosos.

É uma tendência que percorre o resto da história, e os Estados Unidos não são únicos neste respeito. Então, sim, invocar inimigos horríveis que estão prestes a nos destruir, você pode até acreditar. As pessoas que têm a sua bota no pescoço das outras pessoas pensam que estão em perigo, com alguma justificação”.

O pensador destacou que os EUA permanecem consideravelmente à frente do restante do mundo em termos de despesas militares. “Observe o império americano, vamos analisar despesas militares. Os números que temos do ano passado, do Instituto de Pesquisa para a Paz Internacional de Estocolmo, indicam que os EUA estão em primeiro lugar, com cerca de 760 bilhões de dólares. Segundo, a China, cerca de 200-250 bilhões de dólares. Quarto, a Rússia, atrás da Índia, com 60 bilhões de dólares. Olhe para as bases militares. Os Estados Unidos têm cerca de 800. A China? Uma, no Djibouti. Pensemos em poder econômico. Estudos sérios por economistas políticos mostram que a quantidade de riqueza global detida por multinacionais sediadas nos EUA é aproximadamente 50%. Os EUA estão em primeiro lugar em quase todas as categorias, seja varejo, fabricação, seja o que você for pensar”.

Além disso, os EUA não sofrem ameaças diretas, como a presença de um grupo hostil nas suas fronteiras. Na realidade, explicou Chomsky, são eles que interferem na política de outros países, como o Brasil: “Pense em segurança. Os Estados Unidos alegam enfrentar ameaças. Onde estão as ameaças? Estão na fronteira da Califórnia, da Nova Inglaterra? Não, as ameaças estão na fronteira da China e nas fronteiras da Rússia. É aí que enfrentamos ameaças. A China enfrenta ameaças? Como a China poderia enfrentar ameaças? O fato de a China ser circulada por satélites e bases dos Estados Unidos com mísseis nucleares armados apontados, como isso seria uma ameaça? Quero dizer, se estivéssemos rodeados disso, não pensaríamos que é uma ameaça. Somente pensamos que é uma ameaça quando há uma ameaça para nós nas fronteiras da China. Bem, isso é o império americano. Tropas americanas estão lutando ao redor do mundo, enquanto ninguém mais está”.

“Os Estados Unidos são o único país do mundo pense sobre isso que pode impor sanções, que outros devem obedecer. Quando os Estados Unidos impõem sanções contra o Irã, para punir o Irã pelo fato de que nós nos retiramos do acordo, violando as ordens do Conselho de Segurança, essa é uma prerrogativa deles. Então, quando nos retiramos do acordo, impomos sanções mais severas contra o Irã. A Europa se opõe a elas. Eles não gostam das sanções, mas as obedecem pelas razões que eu mencionei. Se não obedecem, são expulsos do sistema financeiro internacional. Isto é um império? Vamos considerar o Brasil. O Brasil, no ano passado, estava com um estoque muito baixo de vacinas, e estavam pensando em usar as vacinas russas, que, pelo que sabemos, são mais ou menos as mesmas que a vacina americana, as vacinas ocidentais. Os EUA pressionaram o Brasil a recusar as vacinas russas. E não só fez isso, como o fez com orgulho. Quer ler sobre isso? Leia o último relatório de segurança interna da administração Trump, que descreve como lidamos com a nossa segurança. Uma das coisas de que eles se orgulham é de terem conseguido pressionar o Brasil a recusar as vacinas russas. O que os orgulhava era poder pressionar o Panamá, que estava no meio de uma crise da Covid, a expulsar os médicos cubanos que estavam ajudando nas áreas rurais. Não apenas fazer, mas ter orgulho disso. Esses são exemplos menores, mas olhe para todos os lados. O que está acontecendo com o império americano? Seu poder é esmagador”, completou.

O cenário no Afeganistão
Chomsky avaliou que a retirada das tropas americanas do Afeganistão, que abriu o caminho para a vitória do Talibã, foi precipitada. Contudo, lembrou: os EUA nunca deviam ter invadido o país. “[Abdul Haq, líder da resistência afegã antitalibã] escreveu na época, e eu o citei, que a razão pela qual os Estados Unidos estão invadindo é para mostrar sua força e intimidar a todos. Eles não querem saber dos afegãos. Vão matar muitos afegãos, vão minar os nossos esforços para derrubar os Talibãs a partir de dentro, mas eles querem mostrar o quão duros eles são. Em outras palavras, como disse Rumsfeld, nós não negociamos a rendição, nós sabemos como esmagar as coisas. Nós somos bons nisso. Isso foi há 20 anos. Agora, se pensarmos no que está acontecendo agora, antes de mais nada, o colapso quase instantâneo do exército afegão foi perfeitamente previsível. Eu não digo isto em retrospecto. Se você quiser, posso encaminhá-lo para uma entrevista há alguns meses, onde me perguntaram o que vai acontecer. Eu disse ‘é claro que eles vão entrar em colapso, assim como o Exército iraquiano caiu assim que viu alguém numa caminhonete correndo na direção deles acenando uma Kalashnikov’. Os oficiais fugiram e as tropas fugiram atrás deles. Uma potência imperial não pode construir um exército que vai lutar contra o seu próprio povo. É um exército frágil, metade dos soldados sequer estavam lá, os outros estavam drogados. Soldados americanos que estiveram envolvidos em treinamento vêm dizendo isso há anos. Eles voltam muito desiludidos, dizem que não se importam”, disse.

“Sempre soubemos, todos nós, que o chamado exército afegão foi infiltrado pelos Talibãs, que estavam lá para receber seu treinamento e para obter equipamento americano. Sabemos isto pelo simples fato de que houve assassinatos de soldados americanos por afegãos. Quem eram eles? Infiltrados Talibãs, é claro. Podemos não gostar de dizer isso, mas os Talibãs são afegãos. Eles vivem nas suas aldeias, saem na hora de lutar. Se soldados americanos aparecerem, eles voltam para as suas aldeias. Depois eles voltam. Também podemos não gostar de dizer isto, mas quem é o governo legítimo do Afeganistão? Havia um governo quando o invadimos e o derrubamos. Agora eles estão de volta. Quem é o governo legítimo? Pergunta simples, não? Não posso perguntar isso no rígido quadro ideológico da propaganda ocidental, mas não demora mais do que um segundo para pensar nisso. Então, voltando à retirada das tropas, vou apenas repetir o que disse há uns meses. Acredito que foi uma retirada precipitada. Nunca devíamos ter entrado na guerra”, afirmou Chomsky.

O papel da China e Rússia
O professor denunciou, ainda, o fato de a administração Biden ter decidido congelar US$ 9.5 bilhões de reservas do Banco Central afegão retidas nos EUA, bloqueando remessas para a população e impedindo o novo governo do Talibã de obter os recursos. A decisão foi tomada junto à secretária do Tesouro dos EUA, Janet Yellen, no último domingo (21), informa o The Washington Post.

O estrangulamento pelas sanções atingirá fortemente a população, prevê Chomsky. Para ele, o resultado será um alinhamento do Talibã com a China e com a Rússia, como forma de garantir a sobrevivência. “Os Estados Unidos estão retendo reservas afegãs, reservas financeiras. Estão detidas em bancos de Nova Iorque. Nova Iorque gere o sistema financeiro internacional é por isso que a Europa tem que seguir os comandos dos EUA, ou então eles são expulsos do sistema financeiro internacional. Isso se chama poder. Assim, os Estados Unidos estão retendo as reservas afegãs, pressionando o Banco Mundial e o FMI a não pagarem os salários das pessoas do novo governo. Ou seja, está empenhado em garantir que os afegãos sofram o máximo possível e se deixem cair nas mãos da China e da Rússia como a única alternativa de sobrevivência. Essa é a política atual”, avaliou.

Por Jornal da República em 26/08/2021
Aguarde..