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Ricardo Couto de Castro assume nesta sexta-feira, 7, a presidência do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ), sucedendo Ricardo Cardozo, e sensível às dificuldades, promete criar condições para que os julgadores exerçam um bom trabalho. O magistrado anunciou a realização de um estudo sobre algumas regionais da capital para aprimorar e agilizar a prestação jurisdicional na Barra da Tijuca, em Santa Cruz e em Campo Grande. Assumiu compromisso de resolver esse problema em menos de seis meses.
Aos 23 anos, recém-formado em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), Ricardo foi aprovado no concurso da Defensoria Pública do Rio. Três anos depois, ingressou na magistratura, acreditando que, como juiz, seu trabalho teria maior impacto social. Mantém os ideais do passado, mas reconhece os desafios atuais, que, muitas vezes, afastam juízes e serventuários por depressão ou risco de vida.
Leiam a entrevista do novo presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro a O Globo:
Uma queixa recorrente é a morosidade da Justiça. Como mudar essa imagem?
Para ser adequada, a Justiça não pode ser excessivamente célere. Há percalços probatórios que devem ser superados para se alcançar a verdade real. O julgador precisa se preocupar com a correção do julgamento. Esse cuidado faz com que os mecanismos da Justiça operem com certa demora. A sociedade precisa compreender que essa pequena demora é necessária para garantir uma prestação jurisdicional adequada. No entanto, isso não significa que a Justiça deva ser lenta, mas sim que deve respeitar um tempo razoável. É o tempo necessário para a produção de provas, o exercício do contraditório e, em seguida, o debate. O objetivo é julgar de forma justa, atendendo às expectativas da sociedade.
O que motiva essa demora?
Tenho plena consciência de que o Estado do Rio não dispõe de um Judiciário com quadro de pessoal e recursos materiais adequados. Esse é um dos desafios da minha gestão. Hoje, é essencial a abertura de novos concursos para suprir essas vagas. Um dos principais problemas é a remuneração inadequada, que tem levado muitos magistrados e serventuários a deixarem seus cargos para migrar para a iniciativa privada. Isso evidencia que o trabalho na Justiça é exaustivo não apenas em termos de volume de atividades, mas também no aspecto mental. A pressão é intensa, e muitos servidores enfrentam depressão.
Que tipo de pressão?
Algumas questões que chegam às varas de família exemplificam essa carga emocional. Disputas por posse e guarda de crianças podem ter desfechos trágicos. Após analisar um laudo e conceder a guarda a um dos pais, o juiz pode se deparar com situações extremas, como casos em que um dos responsáveis, inconformado, atenta contra a vida do próprio filho.
Qual é o déficit de juízes?
Atualmente, há juízes de primeiro grau responsáveis por duas ou três varas simultaneamente, o que compromete a qualidade do atendimento. Além disso, há uma grave carência de servidores, peritos, assistentes sociais e psicólogos. Só na magistratura, o déficit chega a 71 juízes. De serventuários, é de 650. O Rio ainda não tem o Judiciário que sua população merece.
Como o Judiciário pode enfrentar a violência, que vem crescendo cada vez mais?
Uma minoria não pode cercear a liberdade da maioria. O avanço da criminalidade, do tráfico, da milícia, cada vez mais ousados, desafia diretamente o aparato repressivo do Estado. No âmbito criminal, a aplicação de penas adequadas tem reflexos diretos na vida dos magistrados. No Rio, 27 juízes vivem sob ameaça, com escolta e veículos blindados. Essa realidade remete ao caso da juíza Patrícia Acioli (magistrada assassinada em agosto de 2011, em São Gonçalo, por policiais militares que estavam sendo julgados por ela). O Rio carrega essa marca emblemática, e a violência também atinge integrantes do Ministério Público e até da polícia. No passado, as forças de segurança não precisavam de blindados para entrar nos morros. Hoje, o caveirão tem que existir.
A violência bate à porta do TJ do Rio?
A realidade que vivemos é marcada por constantes casos de feminicídio. Nós mesmos enfrentamos essa tragédia com a perda de uma de nossas juízas (Viviane Vieira do Amaral, assassinada em 24 de dezembro de 2020 pelo ex-marido, condenado a 45 anos de prisão).
Seria válido adotar o sistema do “juiz sem rosto”, como na Itália, onde a identidade dos magistrados foi mantida em sigilo nos julgamentos de mafiosos?
Essa é uma questão interessante. Mais cedo ou mais tarde, a figura do juiz sem rosto será debatida no Brasil. O que deve ser questionado é se essa medida comprometeria o devido processo legal. Advogados de defesa poderiam alegar que a ausência de identidade do juiz abriria margem para influências do aparato repressivo, permitindo que o presidente escolhesse um magistrado com tendência condenatória ou garantista. No entanto, considero esse argumento inadequado. O juiz sem rosto significaria apenas a não identificação pública do magistrado. A distribuição dos processos continuaria aleatória e sem manipulação, assegurando a imparcialidade.
Como melhorar a área da infância e da juventude?
A Vara da Infância e da Juventude está diretamente ligada à atuação do Estado e depende do Poder Executivo. O Judiciário não cumpre bem seu papel se o Executivo falha em seus deveres constitucionais. Quando há carências na educação e no social, isso repercute na vara com o aumento da criminalidade juvenil. Investir em cultura e educação é essencial para qualquer país. Métodos contraceptivos, conscientização sobre doenças e prevenção são fundamentais. É preciso romper com disputas partidárias que bloqueiam recursos. Um administrador não pode prejudicar um adversário às custas da população. Falta maturidade política no Brasil nesse aspecto.
Os processos são digitais, mas os sistemas do TJ ainda falham na agilidade. Como resolver isso?
Os processos, em grande parte, já estão digitalizados. Entretanto, nós temos sistemas diferentes. No prazo de cinco anos, o tribunal terá o seu sistema próprio, o Eproc, que se apresenta como o melhor sistema para a prestação jurisdicional. Esse sistema terá que se comunicar com outros sistemas, como os do Ministério Público do Rio, das polícias. Estamos começando nas varas de Fazenda Pública e terminado nas criminais.
Por que começar nas varas de Fazenda Pública?
Por ser relevante no plano fiscal para o Estado, isso gerará economia de tempo, atingindo o patrimônio dos devedores e permitindo que a Fazenda Pública receba os valores que lhe são devidos. O Estado passa a ter receita para atingir suas metas, aplicando em educação, segurança pública e saúde.
As gravações das audiências do TJ são de baixa qualidade. Há planos para a aquisição de um novo sistema e o uso de inteligência artificial para outros serviços?
Vamos adquirir um sistema moderno. Eu mesmo já tive problemas com isso ao julgar e me comprometo com essa melhoria. Também estamos investindo em inteligência artificial. No entanto, tenho uma visão um pouco diferente de outros julgadores, que dizem que a inteligência artificial nos substituirá. A valoração da prova depende do ser humano, pois exige sensibilidade. Algo inerente à pessoa. Nenhuma máquina substitui o homem.
Via Agenda do Poder
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