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A recente aprovação pela Câmara dos Representantes dos Estados Unidos de um projeto de lei que visa forçar o TikTok a se separar de sua empresa controladora chinesa, a ByteDance, ou enfrentar uma proibição em todo o país, gerou uma forte controvérsia internacional. Analistas de vários países sul-americanos coincidiram em que a medida reflete uma postura intervencionista e iliberal do Congresso dos Estados Unidos, contrária às suas próprias narrativas de livre mercado e democracia.
As críticas se concentram na contradição entre as políticas econômicas promovidas pelos Estados Unidos para outros países e sua intervenção direta em questões tecnológicas e de segurança nacional, e questionam especialmente a ameaça que essa medida representa para a liberdade de expressão e o livre fluxo de informações na esfera digital, não apenas para a sociedade americana, mas para o mundo.
A decisão da Câmara, que ainda não foi ratificada pelo Senado, recebeu uma resposta firme do governo chinês, que pediu aos Estados Unidos que “respeitem sinceramente a economia de mercado e o princípio da concorrência leal” e forneçam um “ambiente aberto, justo e não discriminatório para empresas de todos os países”. Alertou também que a China tomará “todas as medidas necessárias para proteger resolutamente seus direitos e interesses legítimos”.
Liberalismo econômico só para os outros países
De acordo com o professor Gilson Schwarz, da Escola de Comunicação e Artes da Universidade de São Paulo (USP), os Estados Unidos aplicam uma lógica de dois pesos e duas medidas que prevalece desde o pós-guerra, evidenciando uma tendência iliberal e anticompetitiva. Os Estados Unidos promovem o liberalismo econômico para outros países, mas internamente agem de forma intervencionista, especialmente em questões relacionadas à segurança nacional e à tecnologia, seguindo a lógica do “faça o que eu digo, mas não o que eu faço”.
“É uma estratégia que temos há muitos anos, desde o pós-guerra, em que predominou um discurso liberal, inclusive na definição de políticas industriais e políticas tecnológicas nos Estados Unidos. Em outras palavras, todos devem abrir sua economia, aceitar o investimento estrangeiro, é uma visão muito liberal da economia, para todos os outros. Mas, internamente, o Governo dos Estados Unidos age, sempre agiu fortemente, no financiamento, mesmo em gastos diretos, na área militar, em tecnologias militares”, disse ele.
A ação no Congresso dos Estados Unidos está na perspectiva de que “o liberalismo é bom para os outros, mas, para nós, temos a segurança nacional como prioridade”, algo que não é novidade, nem surgiu agora com o Tik Tok, mas vem acontecendo há “décadas e décadas”.
“É anticoncorrência, antiliberdade de expressão e antimercado. Ela se encaixa em uma tendência no próprio Congresso, ou seja, o órgão democrático, de votar em sanções que implicam uma redução da liberdade. Ou seja, é a democracia votando contra a democracia. É uma radicalização que reflete uma espécie de nova Guerra Fria, com os Estados Unidos, de um lado, e outros grandes potências, de outro”, explicou Schwarz.
Projeto contra TikTok é ataque à liberdade de expressão
Uma avaliação semelhante é feita pelo comunicólogo uruguaio Aram Aharonian, presidente do Centro Latino-Americano de Análise Estratégica (CLAE), que também enfatiza que a escalada dos Estados Unidos contra a liberdade de expressão não é novidade. Aharonian criticou a tentativa de manipular informações por meio da sanção contra o TikTok, chamando-a de medida “antiliberdade de expressão” e parte de uma estratégia para promover uma narrativa favorável aos interesses americanos.
“É uma ação muito grosseira, muito desajeitada. É simplesmente o que os governos supostamente democráticos do mundo tentam fazer, silenciar vozes dissidentes, qualquer interpretação do que está acontecendo no mundo que não seja a interpretação oficial de seus governos. É um ataque permanente à liberdade de expressão, que também vemos no caso Assange, que ousou denunciar as atrocidades cometidas pelos Estados Unidos no Oriente Médio”, enfatizou.
Essa atitude leva à aniquilação da informação livre e da liberdade de expressão, que é a base do que é tão frequentemente proclamado como democracia. “Obviamente, as grandes empresas internacionais de mídia, as redes, a Amazon, Meta e outras nos Estados Unidos manipulam as informações de acordo com as necessidades políticas e econômicas de suas empresas. Não acho que isso deva surpreender ninguém. O único problema é que o que está acontecendo nos Estados Unidos pode se refletir em nossos países também”, alertou.
Até Biden abriu conta no TikTok
Joe Biden discursa (foto de Gage Skidmore)
Gonzalo Abascal, secretário editorial do jornal Clarín, em um artigo publicado a meados de março, alguns dias após a decisão da Câmara de Representantes, chamou a atenção sobre a complexidade do problema e previu que a manobra não será ratificada. Ele destacou que, embora o presidente Biden tenha garantido que promulgaria a lei se ela fosse aprovada, em fevereiro passado ele mesmo abriu uma conta no TikTok com vistas às próximas eleições presidenciais. Para Abascal, essa é a “síntese perfeita das contradições que as novas plataformas geram nos políticos tradicionais”.
O jornalista argentino considerou que o problema do TikTok parece ser difícil de resolver por dois motivos. “Primeiro, porque a sanção não teria o mesmo consenso no Senado. Mas muito mais porque uma possível proibição entraria em conflito com o direito à liberdade de expressão garantido na primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos. Qualquer sanção, então, certamente seria anulada pela Suprema Corte”, escreveu.
Abascal concluiu que, se o TikTok fosse proibido nos Estados Unidos, “estaríamos testemunhando o fim de uma das ideias fundamentais do país mais poderoso, e que se irradiava para grande parte do mundo: a do livre fluxo de informações e ideias, mesmo aquelas vindas do exterior”.
Falta de transparência nas redes sociais
Em uma carta endereçada a vários jornais chilenos, o professor Sebastián Zárate R., especialista em Direito Constitucional e Direito da Informação da Universidade Autônoma, também enfatizou os riscos de uma possível venda forçada do TikTok. Zárate alertou sobre a importância de proteger o direito à liberdade de expressão e criticou a falta de transparência nas políticas de privacidade das redes sociais.
“A tentativa do Congresso dos Estados Unidos de exigir a transferência da propriedade da rede social para um novo proprietário e assim controlar o algoritmo não contribuirá para diversificar o ecossistema da rede social. Tampouco ajudará os usuários. Nos últimos anos, testemunhamos plataformas envolvidas em casos de violação de privacidade, opacidade de suas políticas de dados e gerenciamento algorítmico, o que sugere que a solução proposta se deve principalmente a uma estratégia política internacional”, disse ele.
A visão sul-americana do caso TikTok reafirma a importância de uma economia de mercado honesta e de um ambiente de negócios justo e não discriminatório, e destaca a necessidade de um diálogo transparente e de uma cooperação internacional baseada em princípios de igualdade e reciprocidade diante dos desafios apresentados pelas novas tecnologias. Essa situação ressalta a urgência de tratar as tensões geopolíticas e comerciais com uma abordagem de respeito mútuo e colaboração construtiva para o benefício de todos os povos.
Com informações Monitor
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