O Mito do Pleno Emprego: Quando os Números Escondem a Realidade - Por Luciano Martins

O Mito do Pleno Emprego: Quando os Números Escondem a Realidade - Por Luciano Martins

No final de 2024, o governador Eduardo Riedel celebrou o “pleno emprego” em Mato Grosso do Sul, com uma taxa de desocupação de 3,8%, conforme dados do IBGE. No entanto, a realidade social do estado desmente essa narrativa: são 69,34% da população inscrita no Cadastro Único e quase dois milhões de pessoas que dependem de programas sociais para garantir sua sobrevivência.

Esses números revelam uma disparidade flagrante entre as estatísticas oficiais e a dura realidade experimentada pela população.

Mato Grosso do Sul consolidou-se como uma potência agropecuária, com exportações de commodities impulsionando a economia. Contudo, esse crescimento não se traduz em bem-estar para a maioria. O modelo de desenvolvimento, centrado em um setor produtivo eficiente, mas sem políticas públicas que ampliem as oportunidades de trabalho para além do agronegócio, falha em promover inclusão social. Programas como o “MS Mais Inclusivo”, lançado em 2022 para gerar empregos em setores não agrícolas, não atingiram suas metas devido à ausência de investimentos estruturais e à falta de incentivo à qualificação profissional.

O agronegócio, principal motor da economia, registrou em 2024 o abate de 3,9 milhões de bovinos, um crescimento de 12% em relação ao ano anterior. No entanto, a expansão produtiva não veio acompanhada de políticas que fomentassem a diversificação econômica e a geração de empregos em outros setores. Nos frigoríficos, por exemplo, os trabalhadores enfrentam jornadas extenuantes e salários insuficientes.

A ausência de uma estratégia governamental para fortalecer setores como a indústria e a tecnologia impede que a prosperidade do agronegócio reverta-se em ganhos concretos para a população, expondo o paradoxo de uma economia que avança sem promover prosperidade para a maioria.

A informalidade no mercado de trabalho, que atinge 38,8% da população brasileira, agrava o cenário. Muitos dos “ocupados” nas pesquisas do IBGE estão em situações precárias, sem direitos trabalhistas ou estabilidade. Em Campo Grande, 199.446 famílias estão inscritas no CadÚnico, sendo que 59.416 dependem do Bolsa Família para sobreviver. Esses números questionam a eficácia das políticas públicas e a métrica usada para medir o sucesso econômico. O chamado “pleno emprego” baseia-se em um critério estatístico que desconsidera a qualidade e a segurança do trabalho, omitindo a realidade de um mercado onde a sobrevivência muitas vezes depende da informalidade e do subemprego.

O governo estadual, ao exibir números favoráveis de desocupação, ignora o contexto mais amplo. A ilusão do pleno emprego desintegra-se quando confrontada com as filas nos CRAS e a realidade de milhares de trabalhadores informais que, apesar de “ocupados”, não têm estabilidade ou dignidade. O agronegócio avança, mas a população não vê reflexos diretos desse crescimento em sua qualidade de vida.

Enquanto estados como Goiás e Mato Grosso diversificam suas economias com investimentos robustos na indústria, tecnologia e biotecnologia, Mato Grosso do Sul permanece preso a um modelo que prioriza setores específicos, sem uma estratégia clara de ampliação das oportunidades produtivas. Goiás, por exemplo, consolidou-se como um polo farmacêutico e industrial, enquanto Mato Grosso investe na verticalização da produção agrícola, agregando valor aos produtos antes da exportação. Já Mato Grosso do Sul, mesmo com um PIB crescente, mantém sua dependência da exportação de commodities e não promove as condições necessárias para que a economia local se torne mais dinâmica e geradora de empregos qualificados.

A grandeza de um estado não se mede apenas pela produção, mas pelo bem-estar de seu povo. Mato Grosso do Sul pode ostentar recordes no agronegócio e taxas de desocupação reduzidas, mas enquanto sua população depender de programas sociais para sobreviver, a retórica do pleno emprego será um devaneio. O verdadeiro progresso se reflete na qualidade de vida das pessoas, não na manipulação de números.

Se o governo insiste em celebrar o pleno emprego enquanto a população enfrenta desigualdade e dependência de assistência social, é necessário questionar: pleno emprego para quem? A resposta é clara: para uma minoria que se beneficia do modelo econômico, enquanto a grande maioria permanece à margem. A transformação só será possível com uma gestão pública que priorize o todo.

Luciano Martins é advogado, assessor legislativo e vice-presidente da União Brasileira de Apoio aos Municípios (UBAM) no Estado de Mato Grosso do Sul. Atuou como secretário-adjunto de Governo, controlador-adjunto e diretor-presidente da Fundação Social do Trabalho no Município de Campo Grande (Funsat).

 

Por Jornal da República em 31/01/2025
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