Assine nossa newsletter e fique por dentro de tudo que rola na sua região.
A laicidade, aqui entendida como a existência de instituições públicas que não adotam de forma oficial um credo religioso particular, e que garante o direito legal dos cidadãos em serem livres nas escolhas e manifestações de crenças religiosas, é um fenômeno recente e de trajetória tortuosa em nosso país.
Dos primórdios da colonização portuguesa no século XVI até o fim da monarquia em 1889, o catolicismo foi a religião oficial.
A Constituição republicana de 1891 foi a primeira que apresentou o princípio da laicidade no país ao extinguir o catolicismo como religião oficial e estabelecer a liberdade de culto. E, digno de menção, foi a única que não fez referência ao termo Deus em seu preâmbulo.
Contudo, a implantação do Estado laico no Brasil ocorreu em uma sociedade profundamente religiosa. Naquela época, havia a hegemonia dos católicos. Hoje, há a projeção dos setores evangélicos. Nesse cenário, é tarefa árdua preservar instituições laicas.
A partir da década de 1920/30 a Igreja Católica desenvolveu um ativismo procurando recuperar o terreno perdido com o fim da monarquia. No início da década de 1930 ela conseguiu que o ensino religioso voltasse a ser disciplina nas escolas públicas, com anuência do presidente Getúlio Vargas que buscava dividendos políticos na aliança com a Igreja. Hoje, setores evangélicos atuam no Congresso Nacional por meio de uma aguerrida bancada.
A laicidade do Estado no decorrer do período republicano brasileiro tem convivido não apenas com o ativismo político das igrejas organizadas, mas com uma série de práticas que destoam desse princípio, como presença de crucifixos em repartições públicas e orações em casas legislativas. Por outro lado, temas são interditados na pauta política sob justificativa religiosa.
E quando se busca pautar determinados temas no debate político, como legalização do aborto e casamento homoafetivo, com base no princípio da laicidade do Estado, não é incomum ouvir que Estado laico significa “querer acabar com a religião”. Nada mais longe da verdade, uma vez que a laicidade é o princípio que visa justamente garantir que todos tenham o direito ao livre exercício de sua crença ou não crença religiosa.
O fenômeno do bolsonarismo constitui o atual desafio a laicidade do Estado, cujo conteúdo é garantido pela Constituição de 1988. A defesa de um “ministro terrivelmente evangélico no STF” é apenas um exemplo disso.
Falar sobre a laicidade, explicar o que ela significa conceitualmente e mostrar sua trajetória histórica, ainda que não seja suficiente, é um passo para combater desejos teocráticos expresso em setores da sociedade brasileira.
Por Ricardo Oliveira da Silva
Doutor em História pela UFRGS e docente do Curso de História da UFMS/CPNA
Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!