PF Revela Cumplicidade entre Traficante e Comandantes de UPP no Rio de Janeiro

Traficante e Policiais: Uma Relação de Cumplicidade no Complexo do Alemão

PF Revela Cumplicidade entre Traficante e Comandantes de UPP no Rio de Janeiro

Mensagens revelam combinação de patrulhamento e elogios de oficiais à gestão do tráfico

Uma investigação da Polícia Federal revelou que Fhillip da Silva Gregório, conhecido como Professor e considerado um dos traficantes mais procurados do Rio de Janeiro, mantinha contato frequente com oficiais da Polícia Militar que comandavam Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) no Complexo do Alemão. Mensagens extraídas da nuvem vinculada à conta de e-mail do criminoso — obtidas com exclusividade pelo jornal O GLOBO — mostram que os comandantes combinavam com Professor quais áreas da favela poderiam ser patrulhadas e até elogiavam sua atuação à frente das operações do tráfico.

Foragido há mais de seis anos, Professor é apontado como o terceiro homem mais importante da hierarquia do Comando Vermelho fora do sistema penitenciário.

Conversas revelam acordos e troca de favores

As conversas obtidas pela PF começaram na noite de 22 de novembro de 2022, por meio de trocas de mensagens via WhatsApp. Um dos trechos analisados expõe a relação próxima entre um oficial da UPP Fazendinha e o traficante. “Vai trocar aí. Vou lá pro Manguinhos. Vai assumir um major aí, mas gente boa, sujeito homem. Eu não queria ir, mas não tem jeito. Já vou chegar em Manguinhos com guerra lá. Só dor de cabeça”, escreveu o policial.

Professor respondeu em tom tranquilizador, prometendo intervir junto ao comando do tráfico em Manguinhos para facilitar a adaptação do oficial. “Deixa esse na mesma sintonia com nós?”, perguntou. De acordo com o relatório da PF, o termo “sintonia” se refere ao pagamento de propina para que policiais não interfiram nas atividades criminosas.

O policial confirmou a disposição em manter os acordos: “Quando passar o comando, vou passar tudo pra ele, já até falei com ele”. Em seguida, reclamou da presença de criminosos armados em determinada área e elogiou a postura do traficante: “Eu seguro meus policiais, mato tudo no peito. Porque sei que tu é sujeito homem, cumpre tuas palavras”.

A relação de cumplicidade ficou ainda mais evidente quando o PM acrescentou: “Tua gestão é boa. O que te deixa mal são os roubos da (Rua) Canitar, que vão cair tudo na tua conta. Mas eu tô ligado que não é você, só que pra te defender é f….”.

O oficial revelou ainda que o novo comandante, seu substituto, manteria o mesmo número de telefone para seguir se comunicando com Professor: “O major pediu para deixar esse mesmo número com ele, o contato será esse mesmo, só que será com ele”.

Novo comandante e continuidade da relação

A comunicação entre o traficante e o novo comandante também foi registrada. No dia 30 de novembro, Professor enviou uma mensagem reclamando da movimentação de policiais: “Mano, mudou o comando, né? Queria falar sobre uns policiais que tão entrando ali pela Praça do Sagaz e indo no fundo da firma. Nunca tivemos problemas, fica cada um no seu espaço pra gente evitar algum estresse. Nunca teve isso ali, policiamento parando os viciados e cercando por perto da firma”.

O novo comandante respondeu de forma amigável: “Tranquilo, vou ver isso aí”. Durante dezembro, as comunicações continuaram de forma sistemática, sempre com combinações de patrulhamento. Em 8 de dezembro, véspera do jogo entre Brasil e Croácia pela Copa do Mundo, Professor escreveu: “Quer pedir para pegar hoje? Pois amanhã tem jogo”. O policial respondeu: “Sim, ia falar isso com você”.

Ligações com o tráfico internacional e operação policial

Esses diálogos fazem parte do inquérito que resultou, em dezembro de 2023, na deflagração da Operação Dakovo, pela Polícia Federal. Na ocasião, 28 pessoas foram denunciadas pelo Ministério Público Federal sob a acusação de integrar uma rede responsável por traficar 43 mil armas do Paraguai para facções brasileiras.

Segundo a investigação, Professor é o principal responsável pela aquisição de armas para o Comando Vermelho no Rio, mantendo conexões com organizações criminosas no Paraguai, Peru, Bolívia e Colômbia. Apesar de ter a prisão decretada pela Justiça Federal da Bahia, ele segue foragido.

Em relatório do Grupo de Investigações Sensíveis (GISE) da PF, os agentes destacaram que as conversas “exibem o poder exercido por Professor, bem como sua promíscua relação com supostos oficiais da PM do Rio de Janeiro”.

Falha na identificação dos policiais e reações da PM

Como os policiais envolvidos não eram alvo direto da investigação sobre tráfico internacional de armas, eles não foram formalmente identificados no inquérito. No entanto, o boletim interno da PM confirma a movimentação de comando nas unidades citadas: o oficial que deixou a UPP Fazendinha foi transferido para a UPP Manguinhos, enquanto um major assumiu seu posto, conforme registrado no mesmo período das trocas de mensagens.

Procurada, a Polícia Militar afirmou, em nota, que “embora a operação da Polícia Federal tenha sido desencadeada há mais de dois anos, a Corregedoria Geral da Corporação ainda não foi notificada sobre a investigação”. A PM acrescentou ainda que, “diante da gravidade do fato, solicitará uma cópia dos autos à Polícia Federal para, de imediato, instaurar um procedimento apuratório com objetivo de investigar as responsabilidades dos agentes envolvidos na denúncia”.

Os dois oficiais envolvidos nos diálogos seguem atuando normalmente na corporação. Já a UPP Fazendinha foi extinta após uma reestruturação, sendo incorporada à nova UPP Complexo do Alemão, que passou a abranger também as áreas de Nova Brasília e do próprio Alemão.

Por Jornal da República em 28/04/2025
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