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A Polícia Civil de São Paulo ficou pelo menos seis dias de posse do telefone celular de Eduardo Tagliaferro, ex-perito do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) citado em reportagem da Folha de S. Paulo, jornal de direita paulista. A matéria, assinada por Fabio Serapião e Glenn Greenwald, tentou atingir o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, acusado pelo diário de agir “fora do rito”, ao utilizar estrutura do TSE para apurar ações golpistas do bolsonarismo.
Tagliaferro aparece em vários dos diálogos reproduzidos pela Folha, conversando com outros auxiliares de Moraes. Greenwald e Serapião afirmam que as mensagens não foram obtidas com hackeamento ilegal. E, por óbvio, não têm nenhuma obrigação de revelar como obtiveram os diálogos. Ao contrário, podem e devem proteger suas fontes.
Mas como a reportagem da Folha tem servido de munição para a extrema direita atacar Moraes, até com pedidos de impeachment, abre-se caminho para uma importante indagação: quem teria copiado as mensagens e repassado aos jornalistas? O material veio da polícia? Ou seria fruto de arapongagem militar?
Este jornalista teve acesso a dois registros oficiais da polícia paulista, que ajudam a entender a cronologia dos fatos.
No dia 8/05/23, Eduardo Tagliaferro foi preso na Grande São Paulo. Na época, ele atuava em Brasília, como um especialista em tecnologia que auxiliava nas investigações conduzidas pelo TSE, elaborando relatórios sobre fake news e ataques ao sistema eleitoral, que eram entregues a Moraes.
A família de Tagliaferro permaneceu em São Paulo, e o perito costumava se deslocar entre as duas cidades para encontrar a esposa. Foi num desses reencontros que ocorreu grave desentendimento. Tagliaferro teria ameaçado a mulher com uso de arma de fogo. Ela chamou a polícia, e o perito do TSE foi preso.
Era um grave episódio de violência, mas ganhou contornos políticos quando a deputada bolsonarista Carla Zambelli fez uma postagem, nas primeiras horas da manhã do dia 9/05/2023: “O assessor de um homem poderoso no Brasil está na delegacia”.
Reparem: Zambelli fez a postagem enquanto Tagliaferro ainda era ouvido nas dependências da polícia paulista, no município de Caieiras, na Grande São Paulo. Quem avisou Zambelli sobre o potencial político daquele caso, que começara como episódio de violência doméstica?
Não temos a resposta. Mas sabemos que o caso foi conduzido pela delegada Luciana Rafaelli Santini, como se observa no trecho final do boletim de ocorrência emitido pela Delegacia de Caieiras, às 6:10 da manhã do dia 9/05/23.
Naquele mesmo dia 9, ocorre um fato curioso: a polícia paulista, chefiada pelo governador bolsonarista Tarcísio de Freitas, dá ordem para que o celular de Tagliaferro seja recolhido. É o que vemos em outro documento reproduzido abaixo. Nele, fica claro que o aparelho — da marca Apple, com dois chips — foi levado à delegacia pelo cunhado de Tagliaferro. Por que o interesse no celular?
A polícia pode dizer que procurava no aparelho provas ou indícios de brigas ou ameaças do perito contra a esposa. Mas foi só isso? E por que Zambelli se apressou em politizar o caso de violência doméstica? Outra pergunta fundamental é: por que Tagliaferro foi preso no dia 8 à noite, e o celular dele só foi apreendido depois? A polícia levou quase 24h para ter um súbito interesse pelo conteúdo guardado no telefone?
O fato é que só no dia 15/05/23 o aparelho foi devolvido a Tagliaferro. A polícia de Tarcísio passou seis dias com o celular à disposição. Foram extraídos todos os dados do aparelho? Ou só aqueles que interessavam à investigação sobre violência doméstica?
O que se sabe é que Tagliaferro foi imediatamente afastado de suas funções no TSE, após o episódio. Este jornalista conversou com uma fonte em Brasília que garante: os funcionários do gabinete de Moraes receberam a instrução de bloquear Tagliaferro nas redes e evitar contato com ele, o que teria deixado o perito magoado com os antigos colegas.
Circulam nas redes sociais vídeos em que Tagliaferro participa de programas na rádio de extrema direita paulista Jovem Pan, defendendo o uso e porte de armas… Quem conhece Tagliaferro mais de perto diz que ele não tem um perfil de gestor comprometido com temas da democracia e estranha que ele tenha integrado um gabinete estratégico — que investigava postagens golpistas.
O que importa é que, um ano e três meses depois da prisão e apreensão do celular, as mensagens vazaram, numa operação midiática que tem como objetivo claro enfraquecer Moraes e anistiar o líder extremista Jair Bolsonaro.
As conversas vazadas, segundo a maior parte dos juristas ouvidos pelo ICL e por outros meios de comunicação, não indicam ilegalidades cometidas por Moraes. Mas servem como ferramenta de agitação política.
O próprio Tagliaferro poderia ter vazado o conteúdo? Foi a pergunta que fiz à fonte de Brasília, que teve interlocução constante com ele no período em que o perito atuava no TSE.
“É uma possibilidade, mas eu acho uma hipótese muito frágil, porque se passaram um ano e três meses. Para o Tagliaferro, não faz sentido se vingar só agora”, diz a fonte.
O vazamento das mensagens e a forma como a Folha tratou o episódio indicam forte articulação de bastidor para enfraquecer Moraes e salvar Jair. Chama atenção que Zambelli tenha deixado suas digitais em mais esse episódio, indicando que a deputada extremista não é mesmo provida de grande inteligência — como disse certa vez a ministra Carmen Lúcia.
Ainda assim, fica a pergunta: se os arquivos foram extraídos do celular de Tagliaferro em maio de 2023, por que só vazaram agora?
São perguntas em aberto.
Com informações ICL
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