Programa de Sikêra Jr. pode ser cancelado

Programa de Sikêra Jr. pode ser cancelado

Por Leanderson Lima, da Amazônia Real

Programa após programa, Sikêra Jr se notabilizou em alimentar um show de horrores na TV brasileira. Bolsonarista de carteirinha, o apresentador do Alerta Nacional, da Rede TV!, vocifera contra as minorias e os direitos humanos e, como outros eleitores de Jair Bolsonaro, nutre o prazer em defender o indefensável. Ganhou fama ao comemorar no ar a morte de criminosos. Uma das marcas registradas é utilizar um cartaz com os dizeres: “CPF Cancelado”.

O “valentão” midiático corre agora o risco de “cancelarem” seu programa depois de chamar a comunidade LGBTQIA+ de “raça desgraçada”. Pelo menos 41 marcas, entre elas Ford, Nivea, MRV, Betsul, Sorridents, BMW, Seara, Blindex, Novo Mundo, HapVida e TCL Brasil, anunciaram o fim do patrocínio para o Alerta Nacional. Além de perder outro show de horrores, o seu perfil no Instagram com 6 milhões de seguidores, Sikêra Jr. foi acionado na Justiça. Se condenado, terá de pagar uma indenização de 10 milhões de reais.

O programa Alerta Nacional é transmitido dos estúdios da TV A Crítica, em Manaus, e retransmitido em cadeia nacional, pela RedeTV! desde 28 de janeiro de 2020. Como outros apresentadores de programas policiais, Sikêra Jr. julgava estar acima da lei para assumir discursos homofóbicos e machistas. No último dia 25, ele reagiu criminosa e grosseiramente contra uma propaganda da rede de fast food Burger King, que abria o diálogo para as questões de inclusão LGBTQIA+. As suas palavras causaram repúdio da comunidade de Norte a Sul do País, que se engajou num movimento para desmonetizar a publicidade do apresentador.

No dia 28 de junho, o perfil  do grupo Sleeping Giants Brasil, conhecido por cobrar posicionamento das marcas, deu início a uma campanha nas redes sociais contra Sikêra Jr. em parceria com o roteirista Pedro HMC, ativista LGBTQIA+. Uma a uma as empresas foram declarando publicamente o “desembarque” da atração policialesca. Segundo o jornalista Daniel Castro, da coluna Notícias da TV, os intervalos comerciais foram reduzidos em 57% e internamente a Rede TV! até removeu um totem de papelão dele no “corredor da fama” da emissora. Agora só estão no ar campanhas do governo federal e chamadas institucionais de programas da RedeTV!.

A campanha publicitária do Burger King teve o apoio do grupo “Mães Pela Diversidade”, da Parada do Orgulho LGBT de São Paulo (APOGLBT). Na peça, o BK lançou o comercial com uma indagação: “Não sabe como explicar LGBTQIA+ para crianças? Aprenda com eles”. Crianças de diferentes idades então começam a explicar, do jeito delas, a diversidade e uniões homoafetivas.

Sikêra Jr., ao vivo, partiu para o ataque. “A criançada está sendo usada. Um povo lacrador que não convence mais os adultos e agora vão usar as crianças. É uma lição de comunismo: vamos atacar a base, a base familiar, é isso que eles querem. Nós não vamos deixar”, delirou. “Vocês são nojentos. A gente está calado, engolindo essa raça desgraçada, mas vai chegar um momento que vamos ter que fazer um barulho maior. Deixa a criança crescer, brincar, descobrir por ela mesma. O comercial é podre, nojento. Isso não é conversa para criança.”

Um dia após o grupo Sleeping Giants Brasil lançar sua campanha contra o apresentador, Sikêra Jr. se desculpou, pressionado pelo estrago financeiro causado à emissora paulista. “Eu preciso reconhecer que me excedi, no calor do comentário, defendendo a inocência de crianças que eu sempre defendi. Posso ter usado palavras que me arrependo, sou humano. Errei, erro e vou errar”, acovardou-se. “A você que se sentiu ofendido, eu lhe peço perdão. Extrapolei como nunca e continuo contra o que vi no comercial. Mas como pai de família e homem de bem, o que posso fazer neste momento é pedir perdão.”

A RedeTV! demorou cinco dias para emitir uma nota dizendo que “a emissora reprova veementemente todos os tipos de discriminação e preconceito”. No gerenciamento de crise, o canal de TV ainda classificou o episódio como “lamentável”, principalmente por ter ocorrido às vésperas do Dia Internacional do Orgulho LGBTQIA+, e lembrou que o apresentador se desculpou publicamente reconhecendo o “equívoco de suas declarações” Em Manaus, a TV A Crítica não publicou nota, mas ressaltou que “o apresentador fez uma retratação no início do programa do dia 29/06”.

Sikêra também é acusado de machismo, misoginia, sexismo e agressão às mulheres. Em fevereiro de 2020, ele atacou a então presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas, a jornalista Auxiliadora Tupinambá. Ela tornou-se alvo do apresentador no Instagram após assinar uma nota repudiando intimações e ameaças que ele fez aos funcionários da TV A Crítica.

“Quem é Sikêra Jr.? O que ele representa para a Humanidade? Ele é apenas um papagaio, que repete o que os patrocinadores dele querem ver no ar, os incentivadores do ódio, do racismo, machismo e da LGBTfobia”, dispara Francy Junior, ativista do movimento feminista, articuladora do Movimento das Mulheres Negras da Floresta -Dandara (Manaus-AM). “Como ele, já tivemos outros no ar, apoiados pela mesma emissora. O comentário desse cara é simplesmente o que a emissora, os patrocinadores dele querem incentivar ou melhor continuar incentivando.”

Pernambucano de Palmares, Sikêra Jr. foi contratado pela Rede Calderaro de Comunicação (RCC) – que é proprietária da TV A Crítica – em junho de 2019, e fez sua estreia no comando do programa Alerta Amazonas – atração exibida apenas para Manaus e pelo YouTube. Antes de sua chegada, quem dominava a audiência na emissora era o hoje governador do Amazonas, jornalista Wilson Lima (PSC), que à época apresentava o também policialesco Alô Amazonas. Como apresentador, Lima foi alçado ao estrelato no Estado. E se tornou o primeiro apresentador de programas policiais no Amazonas a conquistar um cargo executivo.

Com a saída de Lima para assumir o governo, o jornalista Clayton Pascarelli assume o Alô Amazonas, mas acaba migrando para a Record, depois que a emissora do bispo Edir Macedo decide não continuar mais com a TV A Crítica e abrir sua própria retransmissora em na capital amazonense.

A ruptura entre a Rede Record e a TV A Crítica tornou-se pública em maio de 2019.  Dois meses depois, a contratação de Sikêra Jr. foi anunciada. Ele assume o Alerta Amazonas e a atração local chegou a bater várias vezes a audiência da Rede Amazônica, que é filiada da Rede Globo em Manaus, até então, líder de audiência. O sucesso chamou atenção da RedeTV!. O dono da emissora, Marcelo Carvalho, contratou o apresentador para fazer a mesma versão do programa em rede nacional.

Para fazer a apresentação do Alerta Nacional, Sikêra não precisou mudar de cidade, já que a RCC também é dona da afiliada da Rede TV!, em Manaus, a InovaTV. Assim, ele apresenta a atração nacional, que vai ao ar de segunda-feira a sexta-feira, a partir das 18 horas, emendando com a versão local do programa, que é exibido às 19h30 de segunda a sábado.

Sikêra Jr. já havia se notabilizado na internet pelo uso de bordões homofóbicos e canções como o “Melô do Maconheiro”, onde sugere que todo consumidor de maconha é homossexual. Para tê-lo em seu quadro, a RedeTV! nacional  bancou um contrato de sete anos com Sikêra Jr. com salário de 500 mil reais. No auge da popularidade em rede nacional, o apresentador chegou a marcar 3 pontos de ibope, número que caiu pela metade neste ano.

O apresentador não esconde que idolatra Bolsonaro. Foi o que fez em 23 de abril, quando o presidente esteve em Manaus e concedeu uma entrevista exclusiva para seu programa. Sem pudores, Sikêra Jr.

abriu espaço para Bolsonaro, totalmente à vontade em meio a piadas depreciativas, defender o tratamento precoce e criticar as medidas de proteção da pandemia, como o isolamento social, o uso de máscaras e o lockdown. Na entrevista, Sikêra Jr chegou a afirmar que as UTIs estavam “vazias”, recebendo concordância de Bolsonaro. Em maio de 2020, o apresentador foi internado e apresentou quadro grave de Covid-19. Em novembro, chegou a promover um boicote contra a imunização e disse que não se vacinaria com a “vacina chinesa”. Em abril deste ano, ele foi vacinado com a CoronaVac.https://www.youtube.com/embed/yAE1dVrVYC4?feature=oembed

Cabotino, Sikêra Jr foi desmascarado pela CPI da Covid, que revelou que ele recebeu do governo federal 120 mil reais de verbas publicitárias de cachê. Amigo da família do presidente, já posando com os filhos numerados de Bolsonaro, ele recebeu 24 mil reais para defender o “cuidado precoce para a Covid-19”, listou a Folha de S. Paulo. Eleitor de Bolsonaro em 2018, afirmou ao jornal que “não trabalha de graça”.

Apesar da queda de audiência em números absolutos, a atração da Rede TV! ainda tem um grande alcance, como lembra o doutor em Educação e professor da Universidade Federal do Amazonas (Ufam), e militante há 14 anos do Movimento Social LGBTI+, Jeffeson William Pereira. 

“Não nos iludamos, os programas televisivos continuam com muita audiência, eles alcançam milhões de lares. Quando um apresentador chama determinado segmento da sociedade de ‘raça desgraçada’ ele expressa um posicionamento profundamente racista, o racismo não é apenas a desigualdade social devido a etnia, ele representa a subordinação, a hierarquização de um grupo sobre outros”, pontua.

Para Jeffeson, a decisão do Supremo Tribunal Federal de equiparar a LGBTIfobia ao crime de racismo foi um passo fundamental para a redução do preconceito, da discriminação e da violência contra a população LGBTI+. Outra dimensão para interromper esse ciclo perverso, segundo ele, é a instituição de Conselhos de Enfrentamento à LGBTIfobia nos estados e nos municípios.

Por Jornal da República em 14/07/2021
Aguarde..