Projeto de bolsonarista que tenta silenciar o Movimento Negro tramita na ALEGO

O PL 1426/2023, do deputado estadual cassado Fred Rodrigues (DC-GO), quer proibir as reinvindicações de reparação histórica pela Escravidão

Projeto de bolsonarista que tenta silenciar o Movimento Negro tramita na ALEGO

* Por Eduardo Banks - Escritor e Jornalista, autor da notícia de fato ao MP que derrubou as “leituras bíblicas” na Câmara Municipal de Araçatuba (SP)

Goiânia - O Tribunal Superior Eleitoral, em 15 de dezembro de 2023, defenestrou da Assembléia Legislativa de Goiás o deputado bolsonarista Fred Rodrigues, auto-proclamado cristão e defensor da manutenção das “leituras bíblicas” na Assembléia Legislativa; no entanto, os projetos que ele apresentou em sua curta passagem pela política, ao invés de serem arquivados, estão tramitando, e colocando em risco as liberdades democráticas.

É o caso do hediondo PL 1426/2023, que “Institui a política pública que veda a propagação da ideia de distinção e separação entre raças”.

Fingindo ser uma lei anti-racismo, vem apenas para tentar proibir que o Movimento Negro reivindique as reparações históricas devidas pelo passado escravizado. Se tornado lei, institucionalizará o discurso falacioso de que as lutas dos negros seriam “racismo às avessas”.

O artigo 2º, radicalmente inconstitucional como todo o projeto, estabelece em seus incisos I, III e IV que:

“É vedado... Palestras e eventos que incentivem a propagação da segregação baseada em teorias de dívidas históricas, com o intuito de conscientizar crianças e adolescentes sobre o tema ... a elaboração e veiculação de materiais educacionais que promovam a ideia de débito histórico ou vantagem injusta de uma raça sobre outra; e ... a utilização de recursos públicos para a produção e divulgação de materiais que contrariem os princípios estabelecidos nesta Lei, visando a construção de uma sociedade mais inclusiva e equitativa”. O destinatário final desse projeto são as COTAS RACIAIS, criadas para amortizar a dívida histórica dos brancos com os negros, ainda vítimas de intenso racismo estrutural.

O projeto está tramitando, e foi para a Comissão de Constituição e Justiça da ALEGO em 26 de dezembro de 2023, após a cassação de Fred Rodrigues.

Outro projeto semelhante do mesmo ex-deputado, de número 1425/2023, “Veda o uso de restrições ou segregações de caráter étnico racial para contratação em empresas privadas no âmbito do Estado de Goiás”.

Aparentemente, seria também uma iniciativa anti-racista, mas o seu escopo é impedir a aplicação de cotas raciais, mediante a imposição de uma falsa igualdade, entre os que são desfavorecidos e os detentores de todos os privilégios que o dinheiro e a sociedade podem proporcionar. O artigo 2º diz que “visa garantir igualdade nas competições das vagas de emprego oferecidas no mercado de trabalho, independente de cor, raça ou cultura, na modalidade universal, sem distinção”.

Em uma sociedade ideal, todos seriam iguais, e não haveria necessidade de leis de cotas, mas a nossa sociedade está muito aqüém e abaixo do que seria o minimamente “ideal” em termos de igualdade.

Nivelar as competições por vagas de emprego, sabendo-se que parte dos concorrentes não têm as mesmas chances e oportunidades de vida que outros sempre tiveram, é algo totalmente DESUMANO, e que somente poderia ser concebido pelo pensamento de postura “liberal” clássica de que “o Sol nasce para todos”, o que ajuda a manter o “status quo” inalterado. Sabemos que a igualdade a que aspiramos ainda não existe, e o que o PL 1425/2023 quer proibir as cotas raciais, a pretexto de que causariam “restrições” e “segregação” dos BRANCOS, que sairiam, segundo o tortuoso pensamento dos que defendem o “laisser faire” de modelo liberal, “desfavorecidos” na competição com os negros, se esta for ajustada para compensar toda a cadeia de racismo e preconceito que ainda os oprime.

Os males sociais causados pela Escravidão, que ainda hoje repercutem em nossa sociedade pela negativa contumaz de direitos aos negros, e acesso aos meios de exercê-los, foi abruptamente chamada de “teorias de dívidas históricas” e “idéias de débito histórico”, e visa proibir que se fale nelas, como se fosse legítimo impedir que os negros levantem a sua voz para exigir o respeito que lhes é devido.

A dívida histórica para com os descendentes dos escravos existe, e é gigantesca. Não são os brancos aqueles que são obrigados a entrar pela “porta de serviço”, a usar o “elevador de serviço”, que têm currículos rejeitados por empresas que os julgam por não ter “boa aparência”. Nenhum branco é “baculejado” em abordagem policial por “conduta suspeita”, e dificilmente será acusado de envolvimento com o narco-tráfico pelo simples fato de morar em um determinado bairro. Se se é branco, e morador de Ipanema, e está com drogas no Posto 9, isso não é nada. Lado outro, quando se é negro, morador do Complexo do Alemão, trabalhador, pai de família e que nunca fumou um único cigarro de maconha em sua vida, a Polícia Militar o trata sempre como “suspeito” de fazer parte da boca-de-fumo.

O que dá a dimensão da dívida histórica a ser reparada por todos os setores da sociedade, até que sejam enfim eliminados os preconceitos, a discriminação e o racismo, que no Brasil é estrutural, e institucionalizado. 

A vedação do manejo de verbas públicas para políticas destinadas a suprimir as desigualdades é inconstitucional, invadindo a competência legislativa do Poder Executivo, único a decidir qual a destinação a ser dada aos recursos do Estado. O projeto é inconstitucional, material e formalmente.

O grande lutador pelos direitos civis nos Estados Unidos, Martin Luther King Jr. (1929-1968), disse que “o que me preocupa não é o grito dos maus. É o silêncio dos bons”. O PL 1426/2023 quer impor à força o silêncio aos bons, proibindo-os de protestar contra a dívida histórica nunca paga. A proibição de se falar em débitos históricos se aplica exclusivamente ao credor, isto é, ao movimento negro, sendo pretensão discriminatória e que penaliza apenas à vítima do racismo e da desigualdade.

Fred Rodrigues enodoou a Assembléia Legislativa com outros projetos preconceituosos, como o PL 37/2023, que “Dispõe sobre a vedação do bloqueio puberal e da hormonioterapia em crianças e adolescentes menores de 18 (dezoito) anos, para transição de gênero, em toda a rede de saúde pública e privada do Estado de Goiás”, dando alarido a protestos transfóbicos de que menores de idade estariam sendo submetidos a procedimentos de redesignação sexual — não o são, e as crianças e adolescentes disfóricos de gênero têm acompanhamento pelos serviços de saúde, até que atinjam a idade adulta e possam decidir se querem fazer a transição. Também apresentou o PL 1423/2023, que “Veda o consumo pessoal de entorpecentes em locais públicos no âmbito do Estado de Goiás”.

Como cediço, o mero CONSUMO PESSOAL de entorpecentes não é crime, mas apenas o porte, para uso, de substância capaz de determinar a dependência física ou psíquica (drogas), sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, estando o Supremo Tribunal Federal a um passo de declarar inconstitucional o artigo 28 da Lei nº. 11.343/2006, tão logo conclua o julgamento do RE 635.659/SP, já por demais postergado, pelas insuportáveis pressões de setores conservadores.

Cassado Fred Rodrigues pela Justiça Eleitoral em sua instância máxima, o Presidente da ALEGO, Deputado Bruno Peixoto (União Brasil) anunciou que o colocaria como diretor do setor de MÍDIAS da Assembléia, indicando saber que o ex-parlamentar tem expertise com o manejo de mídias digitais. E quer remunerá-lo, com o mesmo valor do salário que tinha como deputado, propondo o aumento do cargo de diretor que lhe foi destinado. 

Temos aí um ex-deputado estadual, cassado por apresentar fora do prazo a sua prestação de contas de campanha, com projetos que defendem que a “leitura bíblica” se torne “patrimônio imaterial goiano” (PL 652/2023), sub-repticiamente quer impedir o debate das cotas raciais, ao acoimar de “racistas” os protestos dos negros pela reparação dos séculos de racismo e escravidão, fomenta rumores malévolos contra a população transexual, invade a autonomia de vontade dos usuários de drogas (que precisam de acolhimento, e não de sofrer a imposição de multas), e, também, é bolsonarista.

O Presidente da Assembléia, que o agasalha com bem remunerado cargo de diretor de mídias, com o salário aumentado durante a Legislatura, também é bolsonarista. NUNCA FALHA.

Por Jornal da República em 22/01/2024
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