Quebra de patentes como forma de democratização do tratamento contra o câncer

Quebra de patentes como forma de democratização do tratamento contra o câncer

Quebrar as patentes e admitir novos medicamentos com reconhecida eficácia internacional significa democratizar o tratamento oncológico no Brasil. Me parece ser essencial para promoção do acesso ao recurso terapêutico e aos medicamentos oncológicos àqueles que lutam contra o câncer que o governo central e seus organismos reguladores (ANVISA e INPI), como poderes concedentes, respondam com política pública a esta necessidade. A importação de medicamentos por conta própria do paciente ou a judicialização do tratamento do câncer faz parte do rol de preocupações das famílias.

Entre 2015 e 2017, segundo dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), apenas a extensão das patentes levou o governo a gastar aproximadamente 2,7 bilhões de reais. Por outro lado, se houvesse os genéricos, essa despesa diminuiria cerca de 35%.

Quando meu filho nasceu, imediatamente pesquisamos referências de plano de saúde, tais como:  preço, qualidade, cobertura e reputação. Tudo isso para que ele tivesse cobertura e assistência médica disponível sempre que necessário.

Meu filho trata leucemia há um ano. Mesmo com acesso diferenciado aos serviços de saúde, proporcionados pelo privilégio da oportunidade de um “bom plano”, fomos acometidos por uma cruel realidade, qual seja: a monetização da saúde e da vida. Infelizmente, ele fez alergia à droga chamada ONCASPAR, medicação que integra o Protocolo Quimioterápico AEIOP ALL BFM 2009. A reação alérgica foi imediata e impressionante, pois no momento da infusão do medicamento seus lábios ficaram roxos; teve muita tosse; ficou inquieto; com muita coceira acompanhada de intensa vermelhidão pelo corpo.

Excepcionalmente, a droga substituta precisava ser importada pelo plano de saúde, cujo o nome é ERWINASE. Apesar de ser uma medicação autorizada pela ANVISA, ele não integra a grade de fármacos comercializados no Brasil. Resultado: o plano de saúde negou a importação e mesmo com decisão liminar judicial favorável, demorou a entregar o remédio. Dada a circunstância, também precisaríamos de liminar se estivéssemos tratando via SUS.

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Sabemos que os medicamentos contra o câncer estão relacionados a um bem fundamental à saúde e à melhor qualidade de vida dos sujeitos que deles fazem uso. Para tanto, deve o governo dar atenção preferencial e diferenciada ao tema, afinal de contas, remédios não são bens de consumo. O que estou querendo dizer é que ninguém sai de casa com vontade de comprar e consumir Citarabina - um dos fármacos quimioterápicos que meu filho faz uso.

Consignado no tripé da seguridade social brasileira e pelo princípio constitucional do nosso Estado Democrático de Direito, a dignidade da vida humana e o bem-estar para coexistirem, seja na essência ou na oferta, por óbvio, incluem o direito universal à saúde.

Ao passo que as etapas do percurso democrático foram estruturantes para implantação e sustentação do SUS, vivemos atualmente numa encruzilhada composta por caminhos que podem desmantelar a clássica e tão necessária expressão "Saúde é democracia" e “Democracia é saúde”. A desacreditação e o bloqueio eventualmente deliberado da ciência no Brasil são uma realidade preocupante.

O SUS é sem dúvidas um dos melhores sistemas de saúde, senão o melhor sistema público do mundo. Por esse motivo, devemos protegê-lo assim como defendemos nossa liberdade e existência.

Sei que este texto deixa em aberto muitos questionamentos, no entanto, como amadurecimento de certas ideias, precisamos bloquear as fragilidades das famílias de pacientes oncológicos, afastando definitivamente o conceito de autorregulamentação da economia. Longe de esgotarmos aqui essa discussão, mas os conflitos entre os interesses públicos e privados advertem sobre a importância da atuação do Estado na ordem econômica, especialmente quando se trata de preservar a saúde de sua população.

Construir um Estado responsável, ético, capaz de respeitar o ideal de promoção da cidadania e acesso universal à saúde deve ser o horizonte de desejo de todos nós.

Foto: Reprodução/Internet.

  Allan Borges é Mestre em Bens Culturais e Projetos Sociais pela FGV.

 

*Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Tribuna da Imprensa Digital e é de total responsabilidade de seus idealizadores. 

Por em 19/04/2021
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