Quem se organiza em tribo renuncia à liberdade de pensamento, diz Harris

Acor da pele ou a religião é irrelevante a quem faz uma abordagem honesta sobre os fatos

Quem se organiza em tribo renuncia à liberdade de pensamento, diz Harris

SAM HARRIS neurocientista

Não confio em política identitária porque devemos falar sobre questões específicas, seja o assunto que for — imigração, comércio, armas, intervenções estrangeiras, aborto, qualquer outra coisa — com honestidade.

É estranho associar ao que uma pessoa é a qualquer assunto de interesse da sociedade. Isso não deveria ocorrer.

Ninguém deve se achar tão importante para definir ou servir de análise ao grupo ao qual pertence.

Por que a atitude de uma pessoa em relação às armas deveria predizer suas opiniões sobre mudança climática ou imigração ou aborto?

Quando isso ocorre, é sinal de que as pessoas estão se aglomerando em tribos, renunciando à liberdade de pensamento.

Se você faz uma abordagem honesta sobre os fatos, a importância da cor de sua pele ou de sua religião é irrelevante.

Se você é gay ou heterossexual, qual é a importância disso no aquecimento global?

A sua identidade não conta para a formação de mérito ou juízo.

Por exemplo, se vacina não causa autismo, se isso é simplesmente um fato, é o melhor que ciência oferece até agora, para argumentar contra essa visão você precisa de dados ou uma nova análise científica.

Você precisa de um argumento válido. E a validade de qualquer argumentação não depende de quem você é.

É por isso que um bom argumento tem de ser aceito independentemente de quem quer que seja, branco, negro, cristão, ateu.

Assim, qualquer que seja a verdade sobre a base biológica do autismo, ela não depende de quem você é.

Afirmar que você é, em uma discussão como essa, é adicionar uma camada de envolvimento emocional que pode prejudicar bastante a compreensão da questão.

Os fatos são o que são, e quem procurar entendê-los sem se envolver emocionalmente melhor desempenha o seu propósito.

Quem se propor a analisar a violência de nossa sociedade, por exemplo, deve considerar quantas pessoas foram baleadas, quantas morreram, qual era a cor da pele delas, quem atirou nelas, qual a cor dos atiradores.

Fazer um pronunciamento do tipo: "Como um homem negro, eu sei x, y e z" não tem embasamento científico.

A cor da sua pele simplesmente não é uma informação relevante.

 

Sua identidade e experiência de vida são irrelevantes na análise de fatos

Ao falar sobre o que está acontecendo em toda uma sociedade, a sua experiência de vida não é uma informação relevante. E o fato que você pense que possa ser é um problema.

Isso não quer dizer que a experiência de vida de uma pessoa nunca seja relevante para uma conversa.

É claro que é. E pode ser usada para estabelecer alguns tipos de verdades.

Se alguém diz a você: "Católicos não acreditam no inferno", é perfeitamente válido responder: "Na verdade, minha mãe é católica e ela acredita no inferno".

É claro que existe uma pergunta maior sobre o que é a doutrina católica.

Mas se uma pessoa estiver fazendo uma declaração sobre um certo grupo de pessoas, e você pertence a esse grupo, há grande risco de sua intervenção com base em sua experiência conter uma distorção.

A identidade e a experiência de vida de uma pessoa frequentemente não são relevantes para servir de base sobre fatos.

Quem não estiver atento para isso certamente incorrerá em falácia, o que tem sido muito comum.

Para preservar a ciência, é preciso não cometer falácia e estar atento para detectar quando alguém comete alguma.


> Extraído de um vídeo, esse texto foi adaptado para o português por Paulopes.

 

 

Por Jornal da República em 23/03/2023
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