Ranking da vergonha: o Brasil entre os piores salários de professores do mundo

Ranking da vergonha: o Brasil entre os piores salários de professores do mundo

Por Valter Mattos da Costa* via ICL

Ser professor no Brasil tornou-se uma prática de resistência cotidiana. Não é apenas o contracheque que denuncia. Também o excesso de exigências, o abandono institucional e a constante exposição ao risco.

A realidade nas salas de aula escancara um modelo que cobra entrega total, mas responde com salários incompatíveis, estruturas frágeis e promessas não cumpridas – exigindo um “estoicismo” diário (uma força silenciosa diante da adversidade) que naturaliza o que deveria ser inaceitável.

A crise na educação global não é homogênea, mas tem contornos comuns. A UNESCO estima que será necessário contratar 44 milhões de professores até o fim da década para garantir o direito à educação básica. As causas desse déficit são salários baixos, sobrecarga, insegurança e desprestígio profissional – quadro agravado aqui nos trópicos (Global Report on Teachers, UNESCO, 2024).

O mesmo relatório aponta que países que investem na valorização docente têm melhores indicadores educacionais, menor evasão, mais inclusão e menos violência nas escolas.

Já o Instituto de Estatística da UNESCO (UIS) revela que em 60% dos países os professores ganham menos que profissionais com mesma formação (Teacher Data: Challenges and Solutions Forward, UIS/UNESCO, 2024).

No Brasil, a desigualdade é ainda mais gritante: professores ganham, em média, 40% a menos do que outros profissionais com a mesma formação – segundo o mesmo levantamento do UIS. Trata-se de uma das maiores desvalorizações salariais de docentes registradas.

Os dois relatórios da UNESCO convergem: a desvalorização docente compromete o direito à educação e os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), adotados pela ONU.

Já segundo a OCDE, no relatório Education at a Glance (2024), o Brasil paga aos professores menos da metade da média internacional.

Ainda de acordo com a OCDE, um professor brasileiro ganha cerca de US$ 23 mil por ano. Na Suíça, mais de US$ 92 mil; na Alemanha, US$ 85 mil; nos EUA, US$ 49 mil.

Essa disparidade revela uma hierarquia global da docência que, no caso brasileiro, não se justifica por limitações econômicas – o país tem recursos e estrutura para fazer diferente.

O reflexo dessa lógica desigual aparece no cotidiano escolar. Em termos de violência social, enquanto docentes de países como Brasil, Nigéria, Bulgária e Eslováquia enfrentam criminalidade e instabilidade, além de escolas sucateadas, para colegas noruegueses, por exemplo, há segurança, estabilidade e tempo para preparar suas aulas (Crime Index, Numbeo, 2024 – indicador da percepção pública de insegurança, aqui tomado como fator indireto que afeta o ambiente escolar).

O abandono institucional não se limita ao salário. No Brasil, cada greve é tratada como desvio. Denúncias são ignoradas. Licenças psiquiátricas revelam o colapso do cuidado com os educadores.

Paulo Freire dizia: “A educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo.” Mas como esperar transformação de quem enfrenta tanta precariedade para simplesmente exercer sua função?

O escritor uruguaio Eduardo Galeano (autor de “As Veias Abertas da América Latina”) afirmou em Havana, em 2012, que o mundo está dividido “entre os indignos e os indignados” e que “ninguém pode ser neutro”. Muitos professores pertencem a este segundo grupo: os que resistem, mesmo diante da desvalorização e das limitações constantes impostas à sua dignidade profissional.

A leitura da teoria crítica sobre a cultura, formulada por Walter Benjamin, da Escola de Frankfurt, exige-nos um olhar dialético da história, “a contrapelo” – ou seja, a partir das dores e silêncios que a narrativa oficial tenta apagar (“Teses sobre o conceito de história”). É desse ponto de fricção com a história oficial que muitos professores ensinam – e incomodam.

Herbert Marcuse, também da Escola de Frankfurt, via no conformismo uma forma de domínio (“O Homem Unidimensional”). O salário indigno serve para conter o pensamento crítico; mas que não sejamos conformados.

Talvez o salário de um educador diga mais sobre um país do que seus símbolos nacionais, ao sinalizar ao mundo o valor que se atribui ao futuro – e o Brasil o desvaloriza de forma sistemática. Suíça, Noruega, Luxemburgo, mais uma vez, indicam o oposto: altos salários, segurança e alto IDH. A equação não é mistério, é método.

A disputa por sentidos e valores passa pela escola. Sem estrutura, tempo e reconhecimento, não se formam sujeitos críticos nem se disputam projetos de futuro. Darcy Ribeiro, nos anos 1990, dizia que a crise da educação não era acidente, mas projeto. Trinta anos depois, suas palavras soam como epitáfio e profecia.

Não se trata apenas de dinheiro. Embora o dinheiro seja necessário. Trata-se de dignidade, tempo, sentido e de um mínimo de reconhecimento por parte de uma sociedade que se pretende democrática.

Noam Chomsky, ao criticar o neoliberalismo, apontava o desmonte dos serviços públicos como projeto político deliberado. Em “O lucro ou as pessoas? Neoliberalismo e ordem global”, denuncia como essa lógica enfraquece o papel do Estado e transforma direitos sociais em mercadorias. A educação básica, nesse processo, torna-se refém da lógica gerencial e do abandono.

Décadas dessa lógica acumulada produzem algo ainda mais perverso: a cada greve criminalizada, a cada agressão, a cada sala superlotada, a cada baixa por burnout, é como se o sistema capitalista – por meio de seus governos – repetisse que não precisa de pensamento crítico. Apenas de silêncio.

Mas os professores não se calam. Mesmo adoecidos, exaustos, ameaçados. Porque sabem que ensinar é um ato de desobediência – e que sem salários dignos, simplesmente, não dá.

*Professor de História, especialista em História Moderna e Contemporânea e mestre em História social, todos pela UFF, doutor em História Econômica pela USP e editor da Dissemelhanças Editora.

Por Jornal da República em 26/04/2025
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