Assine nossa newsletter e fique por dentro de tudo que rola na sua região.
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) apresentada na Câmara pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP), que pretende diminuir o horário semanal de trabalho de 44 para 36 horas, é mais do que uma questão legislativa.
É um símbolo de um sonho econômico imersivo. Com base em pesquisas e experimentos de várias nações – como o piloto britânico citado na PEC –, espera-se benefícios que vão desde a melhoria da saúde mental até o aumento da produtividade.
Contudo, considerando a baixa eficiência, o trabalho informal e a estrutura econômica ineficaz do Brasil, essa proposta é um campo de batalha econômica e social.
Parafraseando Ludwig von Mises em Ação Humana, "não se pode ignorar as leis da economia sem sofrer as consequências". O preço dessa jornada pode ser alto, especialmente ao observarmos a história de nações que embarcaram no mesmo navio.
Um Brasil estável para 36 horas?
A proposta-relâmpago da Câmara justifica-se no argumento de que a menor carga de trabalho levará à produtividade, geração de empregos e qualidade de vida. Embora o raciocínio seja reproduzível, há uma falha crucial ao aplicá-lo ao Brasil: a produtividade.
De acordo com o Banco Mundial, a produtividade do trabalhador brasileiro é apenas 36% da média dos países da OCDE. Isso significa que, em termos práticos, cada hora de trabalho produz muito menos riqueza aqui do que em economias maduras.
Milton Friedman, em Capitalismo e Liberdade, adverte que "incentivos mal-construídos causam o efeito oposto". Sem aumentar a produtividade, reduzir a jornada é tentar obter mais resultados com menos esforço, sem as ferramentas necessárias.
Além disso, o Brasil enfrenta uma taxa de informalidade próxima de 40%. Uma grande parte da força de trabalho já opera fora das proteções legais e benefícios.
Reduzir a jornada sem medidas complementares pode agravar esse problema, com empresas buscando driblar os custos adicionais.
A realidade sobre exemplos internacionais
Embora a PEC cite experiências globais para justificar sua proposta, a realidade por trás desses exemplos é bastante distinta da brasileira. O programa piloto no Reino Unido, frequentemente mencionado, relatou ganhos em produtividade e redução no turnover em algumas empresas. No entanto, existem dois diferenciais importantes:
1. Contexto Econômico: Países como Reino Unido e Dinamarca têm índices de produtividade muito superiores, sistemas robustos de proteção social e incentivos à inovação.
2. Escala: Os experimentos ocorreram em setores específicos e em ambientes controlados, onde empresas estavam dispostas a adotar medidas complementares para aumentar a eficiência.
Quando tentamos replicar isso sem planejamento, os resultados podem ser desastrosos. A França, que reduziu sua jornada para 35 horas em 2000, é um exemplo claro: enquanto a intenção era aumentar a oferta de empregos, o país enfrentou uma recuperação econômica lenta, aumento nos custos operacionais e desemprego elevado por anos. A OCDE concluiu que "a rigidez das 35 horas impactou negativamente a competitividade internacional da França".
Ainda mais alarmante é o caso da Venezuela, onde intervenções mal planejadas no mercado de trabalho derrubaram o emprego formal.
Daron Acemoglu e James Robinson, em Por que as Nações Fracassam, afirmam que "políticas mal desenhadas podem destruir mercados antes de construir instituições para repará-los". A advertência parece ignorada pela PEC.
Consequências previsíveis no Brasil
1. Mais desemprego: A redução da jornada exigiria mais contratações para manter os níveis de produção, o que é inviável para muitas empresas, especialmente pequenas e médias. Isso levaria ao aumento do desemprego formal e da informalidade.
2. Inflação: Com menos horas para produzir bens e serviços, a oferta cairia, criando um desequilíbrio com a demanda. Isso resultaria em pressão inflacionária, especialmente em itens essenciais como alimentos, transporte e medicamentos.
3. Menos competitividade internacional: Empresas brasileiras, que já enfrentam altos custos trabalhistas, teriam ainda mais dificuldade para competir globalmente, prejudicando setores como o agronegócio e a indústria.
4. Impacto em serviços essenciais: Setores como saúde e segurança, que exigem operação contínua, seriam severamente afetados, com risco de interrupções críticas.
Produtividade: uma pré-condição
Sem investimentos em educação técnica e inovação, a economia brasileira não conseguirá sustentar jornadas menores. Ludwig von Mises alertou que "a produtividade é o motor do progresso". Sem produtividade, qualquer progresso será ilusório.
Caminhos para uma proposta realista
Antes de reduzir a jornada por lei, o Brasil precisa construir as bases para sustentar essa mudança:
1. Investir em produtividade: Expandir o acesso à educação técnica e incentivar a modernização industrial.
2. Flexibilizar encargos trabalhistas: Criar incentivos fiscais para empresas que voluntariamente adotarem jornadas reduzidas, sem impor custos adicionais.
3. Testar o modelo em setores específicos: Realizar pilotos controlados para avaliar os impactos antes da aplicação nacional.
4. Promover a inovação: Seguir o exemplo de países como Alemanha e Dinamarca, ajudando empresas a adotarem tecnologias que substituam parte da mão de obra manual.
Conclusão: um sonho prematuro
O Brasil pode votar por um sonho, mas ignorar a realidade da produtividade, informalidade e competitividade global é um caminho perigoso.
Por mais que a redução da jornada de trabalho seja um debate politicamente necessário, a implementação da PEC exige muito mais do que o Brasil oferece atualmente.
Belas ideias frequentemente contagiam o país, mas os alicerces necessários para que esses projetos sejam sustentáveis raramente estão presentes.
Otto von Bismarck certa vez classificou os povos em três grupos: os inteligentes, que aprendem com a experiência alheia; os medíocres, que aprendem com sua própria experiência; e os idiotas, que nunca aprendem.
O Brasil, ao ignorar as lições de países como França e Venezuela, parece lamentavelmente inclinado a se enquadrar no último grupo.
Ao insistir em reduzir a jornada sem enfrentar questões estruturais como produtividade, informalidade e competitividade global, estamos condenados a repetir erros alheios e sofrer as consequências de escolhas precipitadas. Antes de legislar o ideal, precisamos construir as bases do possível, garantindo que o progresso seja sustentável e beneficie toda a sociedade.
O Brasil pode sonhar com semanas de quatro dias, mas a realidade exige mais: demanda planejamento, pragmatismo e um compromisso com reformas estruturais que preparem o país para os desafios do futuro.
Obs. As matérias assinadas não refletem necessariamente a opinião do Editorial do Jornal e seus conceitos, interpretações, afirmações e pontos de vista são de inteira responsabilidade dos respectivos autores.
Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!