Se Brasil não liderar região, China e EUA o farão, diz analista sobre Cúpula da América do Sul

(Foto: Alan Santos / Palácio do Planalto)

Se Brasil não liderar região, China e EUA o farão, diz analista sobre Cúpula da América do Sul

Brasil tenta retomar liderança regional e obter ganhos econômicos com cúpula de líderes em Brasília. Para analista ouvida pela Sputnik Brasil, recepção de presidentes sul-americanos já é uma vitória diplomática para Lula, que acerta ao reatar com Maduro.

Nesta terça-feira (30), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu chefes de Estado e governo sul-americanos para reuniões conjuntas em Brasília. O encontro teve como objetivo relançar projetos de integração regional e resgatar a liderança brasileira no espaço sul-americano.

De acordo com o presidente brasileiro, a retomada de projetos como a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC) e a União das Nações Sul-Americanas (Unasul) são essenciais para “o fortalecimento da unidade da América Latina e do Caribe”.

“Uma América do Sul forte, confiante e politicamente organizada amplia as possibilidades de afirmar, no plano internacional, uma verdadeira identidade latino-americana e caribenha”, disse Lula durante discurso de abertura dos trabalhos.

Em seu discurso, Lula defendeu o legado da Unasul e lamentou a queda na coordenação regional em assuntos como saúde, infraestrutura e defesa.

“Por mais de dez anos, a Unasul permitiu que nos conhecêssemos melhor”, lembrou Lula. “A Unasul foi efetiva como foro de solução de controvérsias entre países da região, notadamente na crise entre Colômbia e Equador e no conflito separatista boliviano.”

Apesar do apoio entusiasmado do presidente, o Itamaraty não atingiu o seu objetivo de anunciar a retomada dos trabalhos da Unasul já no início da cúpula. O alto grau de institucionalização e custos associados ao projeto dividem os líderes regionais, conforme reportou a Folha de São Paulo.

Ciente do impasse, Lula afirmou que a reunião de líderes deveria tomar decisões concretas para que, em 120 dias, um plano de ação para a retomada da integração seja adotado.

“Enquanto estivermos desunidos, não faremos da América do Sul um continente desenvolvido em todo o seu potencial. A integração deve ser objetivo permanente de todos nós. Precisamos deixar raízes fortes para as próximas gerações. Permitir que as divergências se imponham teria um custo elevado, além de desperdiçar o muito que já construímos conjuntamente”, declarou o presidente.

Apesar do adiamento da retomada da Unasul, a coordenadora do Observatório do Regionalismo e professora de relações internacionais da UNIFESP, Regiane Nitsch Bressan, acredita que o encontro de líderes da América do Sul em Brasília já representa uma vitória diplomática para o governo.


“Acredito que a vinda dos líderes é um aceno muito positivo de que a região estava ansiando por esse tipo de iniciativa”, disse Bressan à Sputnik Brasil. “Mas não vamos esquecer que temos um grupo de líderes ideologicamente favoráveis à integração.”

Os encontros em Brasília contaram com a presença dos presidentes de Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, Guiana, Paraguai, Suriname, Uruguai e Venezuela. Somente a presidente do Peru, Dina Baluarte, que não compareceu por questões legais, decidiu pelo envio de representante.

O interesse brasileiro em retomar a sua liderança atende aos objetivos gerais da política externa lulista, mas também busca fortalecer a posição do Brasil no comércio internacional.

“O Brasil quer retomar a liderança, mas precisamos também resolver os problemas econômicos comerciais de maneira pragmática”, ressaltou Bressan. “A América do Sul é o principal consumidor dos nossos produtos manufaturados, precisamos nos atentar a isso. Precisamos semear não só o protagonismo político, mas também ganhos comerciais e econômicos.”

No entanto, os resultados das reuniões de chefes de Estado e governo deixarão claro se a liderança brasileira será bem recebida pelos demais países da região.

A região espera o protagonismo de algum país. E quando o Brasil desocupa esse espaço, alguém o ocupa”, considerou Bressan.

Além da presença permanente dos EUA, a especialista nota para o aumento da influência chinesa na região durante os anos nos quais o Brasil se absteve de sua liderança regional.

“Por outro lado, o Brasil tem a possibilidade de ir à China, ao Japão e ter acesso aos grupos de poder internacionais. Então os vizinhos têm o interesse de pegar carona nesse acesso brasileiro”, considerou Bressan.

A analista lembra que os países da região anseiam por cooperação internacional para suplantar dificuldades econômicas e os efeitos persistentes da pandemia de COVID-19. Nesse sentido, Lula aventou durante a reunião de líderes a possibilidade de mobilizar bancos regionais como o Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF), o Fundo Financeiro para o Desenvolvimento da Bacia do Prata (Fonplata) e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para suprir a demanda por crédito na região.

O elefante venezuelano na sala

O sucesso diplomático obtido pelo Palácio do Planalto foi parcialmente ofuscado por críticas contundentes de membros do Poder Legislativo à recepção do presidente venezuelano, Nicolás Maduro, em solo brasileiro.

O deputado Paulo Barbosa (PSDB/SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores da Câmara afirmou em entrevista à GloboNews que fará uma nota de repúdio à atual posição brasileira em relação ao regime político da Venezuela.

Para Regiane Nitsch Bressan, no entanto, o Brasil acerta ao retomar diálogos de alto nível com o seu vizinho amazônico.

“É essencial que retomemos as relações com a Venezuela para que possamos tratar dos problemas comuns a ambos os países”, disse Bressan. “Temos problemas sérios nas áreas migratória, sanitária, meio ambiente, comunidades indígenas, narcotráfico e comércio. Retomar as relações é uma forma de negociar soluções para esses problemas.”

A especialista ainda se lembrou das consequências nefastas que embargos econômicos têm sobre as populações locais, o que não contribui para a resolução de crises políticas complexas, como a venezuelana.

“Nesse sentido, a retomada da Unasul seria de grande valia para debater a Venezuela, e também para ser um fórum de diálogo e antecipação das informações sobre países vizinhos”, explicou a professora. “A Unasul brinda esses desejos e possibilidades.”

Nesta terça-feira (30), o presidente brasileiro recebeu 11 líderes sul-americanos para reunião coletiva no Palácio do Itamaraty, seguida de um jantar na residência oficial de Lula no Palácio da Alvorada. Esse é o primeiro encontro de chefes de Estado e governo realizado em mais de oito anos na esfera regional.

Por Jornal da República em 31/05/2023
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