Só cabe indulto/graça a preso que cumpriu ao menos um terço da pena

Só cabe indulto/graça a preso que cumpriu ao menos um terço da pena

Por Alex Solnik* - O decreto no.2365, assinado pelo presidente Fernando Henrique Cardoso e pelo ministro da Justiça Íris Resende, a 5 de novembro de 1997, que concede indulto, comuta penas e dá outras providências mostra, sem deixar dúvidas, que o instrumento tem regras definidas, nas quais o caso do deputado Daniel Silveira não se enquadra nem que a vaca tussa.

No ano seguinte, a 6 de novembro, o decreto foi reeditado sob o no. 2838, na gestão do ministro da Justiça Renan Calheiros. Mas o texto tem o mesmo teor.

Bolsonaro colocou o carro na frente dos bois ao perdoar Silveira antes de sequer ser condenado: só se concede indulto a quem já está preso. E há um certo tempo. Quem está em liberdade não precisa de indulto. E só se perdoa numa determinada época do ano, o Natal. O tal “espírito natalino”. As referências a  esse respeito são inúmeras. A começar do preâmbulo do decreto:

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o Art. 84, inciso XII, da Constituição, e tendo em vista a decisão do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e a tradição comemorativa do Natal de conceder perdão aos condenados em condições de merecê-lo, proporcionando-lhes a oportunidade de retorno mais rápido ao convívio social, como estímulo ao esforço de ressocialização decreta que….

O deputado, perdoado por Bolsonaro, ainda nem sequer foi condenado em definitivo. Cabem recursos. Portanto, não começou a cumprir pena. Não pode ser indultado ainda.

Depois, o indulto não abrange quem cumpre pena superior a seis anos, a não ser que tenha mais de 60 ou menos de 21 anos, o que não é o caso do deputado, como está no artigo 1o. O mesmo artigo informa que em caso algum a pena é comutada inteiramente; têm direito os presos que já cumpriram parte da pena:

 

Art. 1º - É concedido indulto:

I - ao condenado à pena privativa de liberdade não superior a seis anos, que cumprir, até 25 de dezembro de 1997, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente;

II - ao condenado à pena privativa de liberdade superior a seis anos, desde que tenha, até 25 de dezembro de 1997, completado sessenta anos de idade, e cumprido, no mínimo, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente;

III - ao condenado à pena privativa de liberdade superior a seis anos, que tenha cometido o crime com menos de vinte e um anos de idade, e cumprido, até 25 de dezembro de 1997, no mínimo, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente;

IV - ao condenado, pai ou mãe de filho menor de doze anos de idade incompletos até 25 de dezembro de 1997, de cujos cuidados necessite, desde que tenha cumprido, até aquela data, no mínimo, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente;

V - ao condenado que tenha cumprido, ininterruptamente, quinze anos da pena, se não reincidente, ou vinte anos, se reincidente;

VI - ao condenado à pena privativa de liberdade, que se encontre doente em estágio terminal, comprovado por laudo de médico oficial ou, na falta deste, de médico designado, desde que não haja oposição do beneficiado, mantido o direito de assistência nos termos do Art. 196 da Constituição federal.

Ou seja: ainda que o caso do deputado coubesse no decreto do indulto, ele só poderia ser indultado depois de quase três anos de cadeia. Em 2025.

Leia o decreto do presidente Fernando Henrique na íntegra:

 DECRETO Nº 2.365, DE 5 DE NOVEMBRO DE 1997.

Concede indulto, comuta penas, e dá outras providências.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o Art. 84, inciso XII, da Constituição, e tendo em vista a decisão do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária e a tradição comemorativa do Natal de conceder perdão aos condenados em condições de merecê-lo, proporcionando-lhes a oportunidade de retorno mais rápido ao convívio social, como estímulo ao esforço de ressocialização,

DECRETA:

Art. 1º - É concedido indulto:

I - ao condenado à pena privativa de liberdade não superior a seis anos, que cumprir, até 25 de dezembro de 1997, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente;

II - ao condenado à pena privativa de liberdade superior a seis anos, desde que tenha, até 25 de dezembro de 1997, completado sessenta anos de idade, e cumprido, no mínimo, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente;

III - ao condenado à pena privativa de liberdade superior a seis anos, que tenha cometido o crime com menos de vinte e um anos de idade, e cumprido, até 25 de dezembro de 1997, no mínimo, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente;

IV - ao condenado, pai ou mãe de filho menor de doze anos de idade incompletos até 25 de dezembro de 1997, de cujos cuidados necessite, desde que tenha cumprido, até aquela data, no mínimo, um terço da pena, se não reincidente, ou metade, se reincidente;

V - ao condenado que tenha cumprido, ininterruptamente, quinze anos da pena, se não reincidente, ou vinte anos, se reincidente;

VI - ao condenado à pena privativa de liberdade, que se encontre doente em estágio terminal, comprovado por laudo de médico oficial ou, na falta deste, de médico designado, desde que não haja oposição do beneficiado, mantido o direito de assistência nos termos do Art. 196 da Constituição federal.

Parágrafo único - O indulto previsto neste Decreto não se estende às penas acessórias (Código Penal Militar) e aos efeitos da condenação.

Art. 2º - O condenado que, até 25 de dezembro de 1997, tenha cumprido, no mínimo, um quarto da pena, se não reincidente, ou um terço, se reincidente, e não preencha os requisitos previstos no Artigo anterior, terá comutada sua pena com redução de um quarto, se não reincidente, e de um quinto, se reincidente.

Art. 3º - Os benefícios previstos neste Decreto são aplicáveis ainda que:

I - da sentença condenatória transitada em julgado para a acusação, tenha sido interposto recurso pela defesa, sem prejuízo do julgamento da instância superior;

II - haja recurso da acusação que não vise a alterar o quantum da pena aplicada, a que for negado provimento ou que seja provido sem alterar as condições exigidas para os benefícios.

Art. 4º - A suspensão condicional da pena, o livramento condicional ou a pena pecuniária não impedem a concessão do indulto ou da comutação.

Art. 5º - No tocante aos beneficiados por comutações anteriores, o cálculo dos benefícios deve ser procedido sobre o restante da pena, observando-se a remição, nos termos do art. 126 da Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984.

Art. 6º - Constituem, também, requisitos para a concessão do indulto e da comutação:

I - que o condenado não tenha cometido falta grave, apurada na forma prevista na Lei nº 7.210, de 1984, durante os últimos doze meses de cumprimento da pena, computada a detração (art. 42 do Código Penal);

II - que e o condenado não esteja sendo processado por outro crime, incluído dentre os previstos no art. 8º deste Decreto ou praticado com violência contra a pessoa.

Art. 7º - As penas correspondentes a infrações diversas, devem somar-se para efeito do indulto e da comutação.

Parágrafo único - As somas das penas de que trata o caput deste artigo não elide as restrições do art. 8º deste Decreto.

Art. 8º - Os benefícios previstos neste Decreto não alcançam:

I - os condenados por crimes de racismo, tortura, terrorismo, e tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins;

II - os condenados por crimes hediondos definidos na Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, modificada pela Lei nº 8.930, de 6 de setembro de 1994;

III - os condenados por crimes definidos no Código Penal Militar que correspondam às hipóteses previstas nos incisos anteriores;

IV - o condenado por decisão transitada em julgado que, embora solvente, tenha deixado de reparar o dano causado pelo crime.

Art. 9º - A autoridade que custodiar o condenado ou que for responsável pelo acompanhamento do livramento condicional encaminhará ao Conselho Penitenciário indicação, devidamente instruída, daqueles que satisfaçam os requisitos necessários para a concessão dos benefícios previstos neste Decreto, no prazo de trinta dias, contados de sua publicação.

§ 1º - O procedimento previsto no caput deste artigo poderá iniciar-se de ofício ou a requerimento do interessado, de quem o represente, de seu cônjuge, parente ou descendente, do Ministério Público, do Conselho Penitenciário ou de autoridade administrativa, e do médico que assiste o condenado doente em estado terminal.

§ 2º - O Conselho Penitenciário do Estado ou do Distrito Federal, no prazo de trinta dias, encaminhará as indicações por ele examinadas, com parecer obrigatório, ao Juízo da Execução.

§ 3º - A decisão do Juiz da Execução Penal, que conceder ou negar os benefícios previstos neste Decreto, será prolatada dentro de trinta dias a contar do recebimento da manifestação do Conselho Penitenciário.

Art. 10 - Os órgãos centrais da Administração Penitenciária preencherão o quadro estatístico, de acordo com o modelo anexo a este Decreto, devendo encaminhá-lo, até 31 de março de 1998, ao Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN, da Secretaria de Justiça do Ministério da Justiça.

Parágrafo único - O cumprimento do disposto neste artigo será fiscalizado pelo DEPEN e verificado nas oportunidades de inspeção ou de estudo de projetos lastreados em recursos do Fundo Penitenciário Nacional - FUNPEN.

Art. 11 - Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília, 5 de novembro de 1997; 176º da Independência e 109º da República.

FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

Iris Rezende

 

A íntegra do indulto de Bolsonaro a Daniel Silveira é a seguinte:

Art. 1º Fica concedida graça constitucional a Daniel Lucio da Silveira, Deputado Federal, condenado pelo Supremo Tribunal Federal, em 20 de abril de 2022, no âmbito da Ação Penal nº 1.044, à pena de oito anos e nove meses de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática dos crimes previstos:

I – no inciso IV do caput do art. 23, combinado com o art. 18 da Lei nº 7.170, de 14 de dezembro de 1983; e

II – no art. 344 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal.

Art. 2º A graça de que trata este Decreto é incondicionada e será concedida independentemente do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.

Art. 3º A graça inclui as penas privativas de liberdade, a multa, ainda que haja inadimplência ou inscrição de débitos na Dívida Ativa da União, e as penas restritivas de direitos.

Brasília, 21 de abril de 2022; 201º da Independência e 134º da República.

JAIR MESSIAS BOLSONARO”.

(*) Aléx Solnik é colunista do site Brasil247, onde o artigo foi publicado originalmente

Por Jornal da República em 25/04/2022
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