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“Tenho uma queixa, Sr Presidente, dos bacharéis do Brasil, porque, ainda nas horas mais graves, e mais tremendas da nossa nacionalidade, ficam eles preocupados com fórmulas jurídicas menos sensíveis às realidades[...] percamos, pois, a mania das revoluções legais, ou das legalidades revolucionárias... “
Otávio Mangabeira, Presidente da antiga UDN, em discurso na Câmara – 1954
A partir da década de 1850, surgiu no Brasil um considerável efetivo de oficiais do Exército com ideias distintas da elite civil, de reconhecida formação bacharelesca. Foi a educação superior dos oficiais, sobretudo nas armas técnicas - Engenharia, Artilharia - calcada nas ciências matemáticas, que permitiu essa equiparação com a elite civil, na época arraigada na aristocracia rural escravagista. Desde os primeiros confrontos de ideias e posições políticas, a contraelite militar, social e intelectualmente antagônica à elite civil, mostrou-se sempre mais tecnocrática e desenvolvimentista, desdenhando e desmerecendo a formação jurídica dos membros da classe política, entendida como elitista e de poucos resultados práticos para o progresso do país.
Da discordância intelectual, os militares empoderados pelas vitórias na Guerra do Paraguai, passaram à franca hostilidade, e da hostilidade à disputa pelo poder. A primeira vitória significativa nesse embate coube aos militares, na Proclamação da República.
Essas diferenças de formação são as origens primeiras dos recorrentes atritos - políticos/administrativos – entre militares e civis, que temperadas com os fatores ideológicos foram causas de inúmeras intervenções e "pronunciamentos" militares acontecidos no período republicano.
Mas, nem mesmo os integrantes dessas elites têm a consciência histórica dessas motivações, tratando-as sempre como consequências naturais da disputa pelo poder. Agrava essa centenária antipatia mútua o eterno descaso dos civis com os assuntos castrenses, além do não reconhecimento das contribuições positivas do Exército para o progresso do país, indiferença e ingratidão bastante sentidas pelos militares, e que perduram até os dias de hoje.
Convém lembrar que, desde a década de 30, os militares buscaram e conseguiram capacitar-se em assuntos civis, incrementando seus desempenhos “paisanos” com a disciplina e as exigências características do ambiente militar, logrando maior êxito em ocupar as áreas de competência civil, e com mais facilidade ainda os governos.
Por outro lado, não passa despercebida a incompetência dos governos eleitos após a redemocratização do país - civis por excelência - com a corrupção, o clientelismo, o ativismo político judicial, assim como os pífios desempenhos econômicos levando o país à recessão e ao atraso, e reforçando a crença na eficiência administrativa dos militares.
Hoje, assistimos o desfecho de um processo eleitoral com viés distorcido e nitidamente a favor de um candidato, e uma eleição cuja lisura e transparência são contestadas até no exterior. De forma autoritária, disfarçada de “defesa da democracia”, estamos sendo obrigados a aceitar a volta ao poder de um ex-presidente condenado e preso por corrupção, e livrado das acusações por uma manobra jurídica inaceitável sob qualquer ângulo de uma jurisprudência séria.
Processos inconstitucionais, prisões arbitrárias, censura com viés político têm sido comuns, e o país está dividido: enquanto uns clamam nas praças públicas para que o Exército reestabeleça as liberdades constitucionais, e acabe com o abuso autoritário do Supremo Tribunal Federal, outros temem que a democracia seja "violentada", com um novo regime militar. E nesse caos jurídico institucional estabelecido, é indesculpável o silêncio dos operadores do Direito do País, magistrados, advogados e bacharéis, que juraram defender os direitos das gentes.
Razões históricas e constitucionais o povo tem de sobra para apelar por uma intervenção militar. Perdoem-me os puristas, os legalistas e os progressistas de botequim, mas o desprezo pelas leis, os abusos de autoridade, os desrespeitos às liberdades fundamentais, o cerceamento de manifestações públicas, impostas diariamente pelos Tribunais Superiores, já caracterizam o regime de exceção que estamos vivendo.
Se uma intervenção houver, a fim de se recobrar a ordem institucional, acredito que muitos cidadãos vão até ficar felizes, agradecendo ou mesmo novamente culpando os militares pela iniciativa da quebra da institucionalidade, mas que certamente viria para o bem do país.
Lógico que seria mais inteligente, ainda que menos espetacular, se as instituições encarregadas de zelar pela democracia tomassem à frente desse impasse, e apenas fizessem o que é de suas alçadas. Ao povo cabe conseguir acionar quem tem de fato e de direito a responsabilidade de preservar a democracia, valendo-se dos poderes constitucionais do Legislativo e do Executivo, para corrigir de pronto essas discrepâncias e reduzir a possibilidade de mais uma traumática intervenção, em futuro próximo.
Na verdade, é incompreensível a posição do Congresso, que finge a normalidade da situação, e se omite de forma vergonhosa, sequer exercendo seus próprios poderes, ou ao menos reconhecendo sua parte na solução dos problemas. Enquanto isso, o Presidente permanece mudo, massacrado por uma imprensa que nunca reconheceu qualquer virtude em seu governo, e ainda o acusa injustamente de ser o agente causador das violações à nossa democracia.
É preciso consciência crítica e atitudes positivas para sermos eficientes na mudança histórica. Apelar para o Exército e chamar os generais de omissos é muito fácil, e tira dos ombros das elites civis, dos bacharéis e dos políticos eleitos toda a responsabilidade que de fato e de direito eles detém para resguardar nossas liberdades fundamentais. A cautela das Forças Armadas se deve à perfeita consciência quanto às consequências para a República de qualquer “legalidade intervencionista”, mas estejam certos de que elas não vão abdicar de suas missões constitucionais, conforme o momento histórico se apresente.
As circunstâncias políticas exigem coragem moral de todos – militares, políticos, homens da lei – que não podem se eximir de suas responsabilidades, quando o flagrante delito contra nossos direitos está acontecendo, e o retorno dos criminosos à cena do crime ameaça o futuro da nossa democracia. Tarda a hora de decisão dos verdadeiros patriotas, porque se a espada é o eixo do mundo, a História não perdoa os covardes.
Gen Div R1 Marco Aurélio Vieira
Foi Comandante da Brigada de Operações Especiais e da Brigada de Infantaria Paraquedista
** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião da Ultima Hora Online e é de total responsabilidade de seus idealizadores.
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