“Temos medo de dormir, pois sabemos que há facção”, diz Yanomami de Palimiú

“Temos medo de dormir, pois sabemos que há facção”, diz Yanomami de Palimiú

Da Amazônia Real - Um ano após um dos mais violentos ataques de garimpeiros contra uma aldeia indígena Yanomami, Félio Palimitheli, de 52 anos, saiu de sua comunidade na região de Palimiú, para falar que tem medo de morrer, a um grupo de parlamentares e autoridades públicas, em reunião ocorrida nesta quarta-feira (11), na capital de Roraima. No final da manhã do dia 10 de maio de 2021, conforme revelou a Amazônia Real, garimpeiros ligados ao PCC atacaram a tiros a aldeia Palimiú. A ação surpreendeu os moradores da comunidade, que correram assustados para o interior da aldeia ou para a mata. Duas crianças se perderam e acabaram morrendo afogadas. Seus corpos foram encontrados dias depois.

“Gostaria de viver sem medo na minha comunidade, sem garimpeiros passando com grandes motores […] Gostaríamos que agissem como uma vassoura e limpassem nossa terra.Temos medo de dormir, pois sabemos que há facção e as armas são muitas. Temos medo de morrer”, afirmou o indígena, em sua língua, e depois traduzida para os presentes.

A declaração foi feita durante audiência pública na sede da Procuradoria da República em Roraima (MPF) com as Comissões de Direitos Humanos do Senado Federal e da Câmara dos Deputados, que criaram uma diligência para apurar as denúncias de ataques na Terra Indígena Yanomami. A reunião foi motivada pela repercussão causada pela denúncia do estupro e morte de uma menina Yanomami da aldeia Aracaçá no mês passado, apesar das denúncias dos indígenas Yanomami sobre a invasão de garimpeiros ocorrer há vários anos. 

Conforme Palimitheli, mesmo após um ano dos ataques na comunidade de Palimiú e das mortes e conflitos que aconteceram após este episódio violento, os moradores temem a presença dos garimpeiros que são ligados ao Primeiro Comando da Capital (PCC). Ele relatou que desde 2012 há um aumento de aviões e embarcações dos invasores na região. Diante da expansão da exploração de ouro na Terra Yanomami e das ameaças contra a população, o morador pede a retirada dos garimpeiros. 

“Quando eles (garimpeiros) ficam bêbados passam em frente da nossa comunidade, nos ameaçam e isso nos traz medo. A gente gostaria que a nossa terra fosse limpa. Até para tomar banho é um problema, pois ficamos com doenças de pele por causa da água contaminada”, explicou. 

Para chegar até Boa Vista, Palimitheli enfrentou uma jornada de dois dias de barco. Ele relatou à reportagem que embarcou escondido pelo porto dos garimpeiros, com medo de sofrer ameaças. 

“Fui escondido no carro para não me verem até chegar ao porto dos garimpeiros. Depois disso, chegamos em um porto. Esse trajeto é muito perigoso, pois eles estão me procurando para me ameaçar e minha esposa chora a noite”, contou ele, com exclusividade à Amazônia Real.

Palimitheli esteve na reunião com parlamentares do Senado e da Câmara dos Deputados, entre eles o senador Humberto Costa (PT-PE), presidente da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal, a deputada federal Joênia Wapichana (REDE-RR), coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas, o deputado federal Marcelo Ramos (PSD-AM), vice-presidente da Câmara dos Deputados, o deputado federal José Ricardo (PT-AM), a senadora Eliziane Gama (Cidadania-MA), o senador Telmário Mota (PROS-RR), o senador Mecias de Jesus (Republicanos-RR), o senador Chico Rodrigues (União-RR), e a senadora Leila Barros (PDT-DF), que ouviram os relatos das organizações indígenas e indigenistas. Além dos parlamentares, estiveram presentes na audiência representantes do Ministério Público Estadual e Federal em Roraima e Defensoria Pública da União. 

A presença do senador Chico Rodrigues, de Roraima na comitiva chama atenção pelo fato de ele ser um dos maiores defensores da atividade minerária na Amazônia Legal. No mês passado, apresentou a proposta de criação da Frente Parlamentar Ampla de Apoio à Mineração nos Estados Amazônicos. Em 2020, ele foi flagrado com dinheiro na cueca pela PF e foi investigado por desvio de recursos públicos destinados a ações de combate à covid-19.

À Amazônia Real, Joênia Wapichana afirmou que as Comissões de Direitos Humanos do Senado e da Câmara dos Deputados devem enviar um relatório ao Governo Federal, ao final das audiências e reuniões realizadas em Boa Vista.

“Nós ainda vamos ouvir as autoridades, verificar quais são as recomendações para tomar providências[…] Alguns pontos já foram relatados como decisões judiciais que precisam ser cumpridas e vamos cobrar isso do Executivo. Ainda vamos debater entre os membros e a diligência ainda não acabou e vamos além dela”. 

Conforme a parlamentar, o Governo Federal tem sido omisso quanto aos relatos de violência na Terra Yanomami. “Nós já questionamos e entramos com petição junto às lideranças indígenas contra essa omissão, inclusive pedimos impeachment do presidente [Jair Bolsonaro] devido a esta situação e em relação a outras ações do Executivo”. 

 

Por Jornal da República em 12/05/2022
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