TJRJ ordena suspensão do pagamento de cargos incorporados irregularmente nos últimos cinco anos

TJRJ ordena suspensão do pagamento de cargos incorporados irregularmente nos últimos cinco anos

O Órgão Especial do Tribunal de Justiça decidiu, em acórdão divulgado nesta quinta (26), que sejam suspensos os pagamentos de cargos de confiança e comissão incorporados irregularmente aos vencimentos de milhares de servidores nos últimos cinco anos. Os servidores, no entanto, não terão que devolver os valores já recebidos.

Boa parte desses funcionários públicos ocupou tais postos por indicações políticas, e em caráter provisório, no governo Marcello Crivella (2017/2020), autor da lei, e nas duas gestões de Eduardo Paes, que o antecedeu. Alguns servidores receberam aumentos que tornaram seus salários até 270% maiores do que o normal.

Essas incorporações já tinham sido consideradas ilegais pelo próprio Tribunal de Justiça, em dezembro do ano passado, quando houve o julgamento de uma ação direta de inconstitucionalidade protocolada pelo vereador Pedro Duarte (Novo).

Mas, como a decisão do Pleno não tinha deixado claro quando e como seriam suspensas incorporações já feitas até aquela data, o parlamentar ingressou com embargos de declaração, via o partido Novo, para que os efeitos do acórdão fossem esclarecidos de uma vez por todas.

Projeto aprovado às pressas

A polêmica remonta a outubro de 2019, quando a Câmara Municipal do Rio aprovou às pressas a Lei Complementar 212/2019, de autoria do Poder Executivo. A intenção na época era manter, através de uma regra de transição, a possibilidade de incorporações dessas funções gratificadas que já vinham sendo pagas em separado em alguns contracheques. Isso porque o Congresso, que já estava discutindo a questão, acabaria definitivamente com o dispositivo um mês depois, quando aprovou a Emenda Constitucional 103/2019.

Nesta última decisão, o TJRJ concordou que a suspensão deve retroagir a 2019, quando a lei considerada inconstitucional começou a valer, mas discordou de que o procedimento para deixar isso claro é via “embargos de declaração”. O Órgão Especial decidiu seguir o entendimento de parecer do Ministério Público Estadual e fazer a modificação direto na decisão de inconstitucionalidade proferida no ano passado (de ofício).

Aumento de até 207%

Ao criar um expediente jurídico chamado “direito à fruição”, a Lei municipal 212/2019 acabou gerando alguns absurdos na folha salarial do funcionalismo. Nos casos em que completasse dez ou quinze anos (a depender da regra) recebendo o cargo comissionado, o servidor passaria a incorporar até R$ 18 mil. Abaixo desses períodos máximos, ele pôde incorporar uma fração a cada ano. Um dos resultados desse dispositivo foi uma completa falta de isonomia com o restante dos servidores públicos da Prefeitura do Rio.

Um levantamento feito pelo gabinete de Pedro Duarte encontrou, por exemplo, o caso em que um agente de administração (nível médio), após a incorporação de uma gratificação de R$ 14.847,12, passa a receber um salário 270% maior do que o normal. Já uma inspetora de alunos, após conseguir um cargo comissionado/função gratificada de auxiliar de gabinete, conseguiu um salário bruto de R$ 11.345,36. Um inspetor de alunos (nível médio) ganha na prefeitura entre R$ 1.911,59 e R$ 3.075,00. Detalhe: tanto o agente quanto o inspetor de alunos estavam cedidos para Câmara do Rio, em 2023, o que sugere ligações políticas dos dois servidores.

“Está muito claro que essa lei municipal, inequivocamente ilegal, foi criada prioritariamente para atender a uma demanda de aliados de prefeitos e outros políticos. Essas incorporações proporcionaram salários absurdamente maiores do que aqueles que esses servidores deveriam receber por seus cargos originais. Sem falar no ônus que isso causa para a Previdência da prefeitura, já que os valores são incorporados também na aposentadoria. E tudo isso às custas do dinheiro do contribuinte”, critica Pedro Duarte.

Impacto orçamentário

Segundo o vereador, um outra crítica à Lei 212/2019 foi o fato de ela ter sido aprovada sem qualquer demonstrativo de impacto orçamentário e financeiro. Violou-se, assim, o disposto no art. 113 do ADCT da Constituição Federal, inserido na Constituição Federal pela Emenda Constitucional n° 95/2016, que instituiu o “Novo Regime Fiscal”. Até o momento, a prefeitura não disponibilizou quanto custam essas incorporações anualmente para os cofres públicos e para a Previdência Pública.

Confira alguns detalhes da lei

  • A Lei 212/2019 criou o chamado direito de fruição, autorizando a incorporação do valor mais elevado dentre todos aqueles percebidos nos últimos três anos e meio, o que, além de ferir a vedação à incorporação, afronta princípios basilares da boa gestão pública. A incorporação vale para cargos em comissão, funções gratificadas ou emprego de confiança.
  • Nos termos da LCP Municipal nº 212/2019, direito à fruição nada mais é do que o direito do funcionário público à incorporação do valor percebido no cargo de fidúcia, (i) no seu valor integral, caso transcorrido o prazo de dez anos (existem casos que o prazo sobe para 15 anos) no exercício daquele cargo de forma contínua; ou (ii) à fração relativa aos anos completados, na hipótese de incompletude do tempo total de dez anos (ou 15 anos).
  • Quanto ao valor da fruição, estabelece que equivalerá à quantia mais elevada que o funcionário tenha recebido em cargos, enquanto prevê como único requisito para tanto a permanência no exercício do cargo por período superior a 01 (um) ano ou, quando não satisfeita essa condição, pelo período imediatamente inferior que houver ocupado ou exercido.
 

Por Jornal da República em 01/10/2024
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