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Quando completou 99 anos, gravei uma série de entrevistas com o jornalista Helio Fernandes. Em sua residência no Jardim Botânico – Rio de Janeiro, ele falou de política, lembrou episódios já relatados em sua coluna, sobre a “Ditadura Militar de 64”. Foi um encontro ameno, ao som de cantos de pássaros, no ambiente ao ar livre, com a brisa afável, e o silêncio digno do ícone do jornalismo brasileiro. Ao todo fiz seis entrevistas gravadas. Essa de hoje foi a primeira, que no formato coluna foi publicada no blog onde existem os subsídios para as perguntas (a última se encontra em edição).
Conheci bem a personalidade do Helio, não gostava de intimidade, de aproveitadores, e bajuladores. Me dizia sempre que o assediavam, fazendo uso da sua imagem e isso era muito desagradável. Quando ia a redação da Tribuna da Imprensa, minha sala ficava no início do corredor de acesso, ele acenava, depois sentava com ele e o diretor comercial José Coelho, para ouvir atento suas preciosas observações. Sem dúvida um mestre do jornalismo, com uma riqueza de dados, valiosos e que moldei para atuar na profissão. Foram momentos emocionantes, onde a coragem e o destemor deste combativo baluarte do jornalismo, se fez presente.
Roberto Monteiro Pinho – Helio é gratificante conversar aqui sobre política, tema que você mais gosta. Há meses do Golpe, em 1963 falou sobre João Goulart e de uma “carta sigilosa”?
Helio Fernandes - Em agosto de 1963, o presidente João Goulart determinou ao ministro da Guerra, Jair Dantas Ribeiro, que enviasse a generais da sua confiança, uma "carta sigilosa e confidencial", que estava lhe mandando. Ainda não existiam generais de Exercito (4 estrelas ), só 24 generais de Brigada e 12 de Divisão. Eu não tinha nada a ver, nem conhecia o conteúdo do documento "sigiloso e confidencial".
Roberto Monteiro Pinho – Como esse documento chegou até você?
Helio Fernandes - Conhecia um dos generais que recebeu a carta, não era amigo nem informante. O general Cordeiro de Farias, ex-interventor no RGS, governador de Pernambuco, eleito pelo voto direto. Mostrou a carta, com envelope e tudo, li, pela minha alegria e agradecimento, viu que seria publicada, foi embora. Eram mais ou menos 8 da noite. Naquela época, os vespertinos, (caso da Tribuna da Imprensa) rodavam às 11 da manhã, ao meio dia estavam nas bancas.
Roberto Monteiro Pinho – Isso provocou sua prisão?
Helio Fernandes - Foi um estrondo começou a circular que eu seria preso. Às 3 da tarde fui para o Santos Dumont, tinha uma entrevista programada na TV-Itacolomy. Em Belo Horizonte, um grupo enorme de jornalistas me esperava, todos com a notícia de que eu seria preso. Enquanto conversávamos, chegavam dois assessores do governador Magalhães Pinto "eu seria preso ainda em Belo Horizonte".
Os jornalistas me acompanharam na caminhada até a porta da Itacolomy, o diretor me esperava, "o programa foi cancelado, não por nós, você será preso". Não demorou, sem estardalhaço, parou um fusca vermelho. O motorista, mais o capitão Aurelio, nos conhecíamos muito. Nos abraçamos, ele comunicou: "Vamos jantar e dormir na ID-4".
Roberto Monteiro Pinho – Lembro que você falou do exército dividido?
Helio Fernandes - Pela manhã um avião me trouxe para o Rio, fui para o quartel da Policia do Exército, enorme, mais tarde ali seria localizado o terrível e tenebroso CODI-DOI comandado pelo general Orlando Geisel, irmão do Ernesto. Orlando queria ser "presidente", o premiado foi o Ernesto, de 1974 a 1982. Enquanto decidiam meu futuro, fiquei uns dias na Polícia do Exército Na hora do banho de sol, pude constatar a tremenda divisão do Exército. Oficiais cruzavam comigo, diziam, "resista, Helio estamos com você". Outros me olhavam, queriam me fuzilar com os olhos. O ministro da Guerra mandou me transferir para Brasília, preso à ordem do seu gabinete.
Roberto Monteiro Pinho – E seu afeto pelo irmão Millor e sua memorável frase?
Helio Fernandes - O Millor escreveu artigo de grande repercussão. Textual: "Não quero defender o Helio por ser meu irmão. Mas um jornalista que recebe um documento como esse e não publica, é melhor que abra um ‘armazém de secos’ e molhados".
Roberto Monteiro Pinho – Num outro episódio por conta da informação da carta, você invocou o “sigilo da fonte”
Helio Fernandes - Carlos Lacerda cuidava dos advogados. Juntou tradicionais defensores de presos políticos, Sobral Pinto, Prado Kelly, Prudente de Moraes Neto, com Evaristinho de Moraes e George Tavares, meus advogados. Eu incomunicável não sabia de nada. Sobral Pinto telefonou para o bravo presidente do STF, Ribeiro da Costa, protestou: "Eu falo com o senhor, presidente do tribunal, há 3 dias não consigo falar com meu cliente". Ribeiro da Costa providenciou, no mesmo dia conversei com os advogados.
Sobral me disse que fora procurado pelo general Cordeiro de Farias, confessando que fora ele que me dera o documento. Como não concordei, (não posso entregar uma fonte) Cordeiro de Farias deu entrevista coletiva a dezenas de jornalistas, confirmando que quem me deu a carta sigilosa foi ele.
Roberto Monteiro Pinho – Houve desdobramento?
Helio Fernandes - O presidente oficiou ao ministro da Guerra, para saber onde eu estava. Arrogante, o ministro respondeu por oficio: "Está preso a minha ordem, só meu gabinete pode localizá-lo". Como o ministro tinha foro privilegiado, o julgamento aconteceu no STF. Ribeiro da Costa achou os fatos muito estranhos, usou o que está no Regimento Interno, designou a si mesmo como relator.
Roberto Monteiro Pinho – Seu julgamento caminhava para ser injusto, e seria considerado um massacre?
Helio Fernandes - O julgamento aconteceu no dia 31 de julho, não queriam que passasse para agosto, mês considerado politicamente aziago. Pediram 15 anos de prisão para o repórter. Estavam presentes oito ministros, três estavam de férias ou hospitalizados. Fui prejudicado, dois deles votariam pela minha absolvição. Luiz Galloti, grande amigo, telefonou para Rosinha: "Estou de férias, não existe possibilidade do Helio ser condenado". Com o STF lotado, o PGR Bevilaqua, fez um libelo terrível, parecia que eu era um assassino e não um jornalista. (Meses depois me mandou uma carta carinhosa, pedindo mil desculpas).
Roberto Monteiro Pinho - Como foi o julgamento?
Helio Fernandes - Os ministros foram votando, estive sempre em desvantagem, 3 a 1, 4 a 3, faltava o ultimo, Candido Motta filho. Não o conhecia, me absolveu, levou o resultado para 4 a 4, e o voto de Minerva, ai sim, verdadeiro. Ele já votara como ministro, agora desempataria, pela absolvição ou condenação. Os que votaram pela condenação, pediram o adiamento do julgamento. Ribeiro da Costa perguntou: "Os senhores querem votação?". Quiseram, no voto está 4 a 4. Ribeiro da Costa decidiu, "o julgamento terminará hoje, vamos a um lanche, voltaremos, condenarei ou absolverei o jornalista, é a minha obrigação constitucional".
Antes de votar, me chamou, quero o senhor ao meu lado" Seu voto foi uma declaração de Liberdade. Palavra do presidente: "O senhor nem devia estar aqui, sendo julgado. Às 20,30 do dia 31 de julho de 1963, determino que o senhor está livre para se locomover para qualquer parte do Brasil. E me abraçou, aplaudido pelo Supremo lotado. Ainda deu tempo para mim, Rosinha e Millor voltarmos para o Rio.
Foto: Acervo Pessoal.
In Memorian
*** Roberto Monteiro Pinho é Editor chefe do Tribuna da Imprensa Digital, presidente da Associação Nacional e Internacional de Imprensa (ANI), escritor e jornalista profissional.
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