Assine nossa newsletter e fique por dentro de tudo que rola na sua região.
No dia 26 de maio do corrente ano, a magistratura brasileira se deparou com um texto sobre a PEC 63/2013, com o título “PEC do quinquênio é um escândalo que merece o arquivo”. Diante desse conteúdo, penso ser fundamental o esclarecimento do tema. Vale ressaltar que é importante saber que existem garantias constitucionais que incidem e regem a magistratura brasileira, como, em primeiro lugar, o art. 37, inciso X, que determina, textualmente, a revisão anual dos seus subsídios. A edição do jornal O Estado de S. Paulo do dia 29 de maio apresenta um quadro que comprova, em números irrefutáveis, que, dentre todas as carreiras de servidores, a magistratura foi a que mais perdeu poder aquisitivo nos últimos dez anos. Ficamos na rabeira dos reajustes salariais.
A Proposta de Emenda Constitucional recoloca o tema de que o reconhecimento do tempo de serviço em determinadas carreiras é absolutamente fundamental e salutar para a manutenção de sua estrutura administrativa-hierárquica, expurgando esta realidade perversa de que hoje um magistrado recém-concursado pode auferir, em alguns casos, até mais que um desembargador ou ministro com mais de 30 anos de carreira, numa descabida inversão de valores.
Sobre a defesa da meritocracia: saibam, já é adotada no âmbito das carreiras jurídicas, notadamente pelo Poder Judiciário, pela democrática porta de entrada da via do concurso público. Para além disso, a magistratura brasileira é regulada pela Lei Complementar Federal nº 35/79, que traça regras claras acerca da movimentação interna. Conforme o que está em vigor, há duas formas de movimentação na carreira: promoção e remoção (Título V, Capítulo II, da Loman).
Por sua vez, esses critérios se subdividem em merecimento e antiguidade. Ou seja, por exigência expressa do Estatuto da Magistratura, o juiz pode solicitar promoção ou remoção, conforme o caso. A doutrina estabelece que o processo de remoção seja pelo sistema de transferência, no plano horizontal, e que a promoção ocorra no plano vertical da carreira. Portanto, desde sempre há meritocracia no Poder Judiciário. O que a PEC pretende é apenas sanear as injustiças, propondo uma rearrumação interna.
Além do mais, a proposta legislativa em tramitação é a única em 23 anos (início do sistema dos subsídios através da EC 19/98) que não dispara o gatilho do famigerado e deletério efeito cascata do teto constitucional, que tem emperrado a reposição inflacionária de toda a magistratura, fazendo com que seu custo para o país se multiplique por centenas de vezes, ao alcançar todos os servidores, inclusive estaduais, uma vez que existem leis nos entes federativos que, inconstitucionalmente, vinculam seus salários ao teto do Supremo Tribunal Federal (STF). Aliás, este tema deve ser o alvo das próximas lutas associativas.
Não fosse isso, o impacto fiscal de eventual reposição inflacionária para os atuais 18.500 magistrados brasileiros seria ínfimo, se comparado ao PIB nacional. Não é à toa que nos últimos 17 anos os subsídios da magistratura só sofreram seis aumentos, amargando, assim, perdas de aproximadamente 50% nesse período.
Também a informação segundo a qual a punição para magistrados que praticam desvios seria a aposentadoria compulsória peca, mais uma vez, por desconhecimento sobre os mecanismos sancionatórios da administração pública. O cometimento de ilícitos pelo agente público comporta a apreciação de sua conduta em dois planos distintos. O disciplinar, que está afeto aos órgãos de controle interno da instituição, âmbito no qual a sanção máxima, por força de lei, é a aposentadoria compulsória; e o outro, endereçado ao Poder Judiciário, que analisa os aspectos cíveis e criminais, de cuja decisão pode-se cogitar, então, as penas de perda do cargo público e prisão.
Em outras palavras, o fato de um magistrado receber a pena de aposentadoria não significa necessariamente que ele não possa vir a perder o cargo ou ter cassada a aposentadoria em decorrência de decisão judicial. As esferas, assim como as sanções, são distintas e independentes.
Outro ponto a ser destacado, que foi citado no texto, sobre a possibilidade da incorporação do VTM aos proventos de aposentadoria: isso é consectário lógico do entendimento pacífico do caráter do quinquênio, já que o chamado ATS, adicional por tempo de serviço de outrora, sempre foi considerado para o cálculo do cômputo final desses proventos. O sistema de hoje impõe uma perda, aos aposentados, de cerca de 40% de um mês para o outro, justamente quando o contribuinte, já idoso, mais precisa de amparo.
Quanto ao duplo período de férias, tema sensível e criticado, é necessário expor ao leitor alguns fatos e características da carreira. No primeiro dia de férias de qualquer trabalhador a tônica é, merecidamente, “pernas para o ar”. No entanto, saibam que na magistratura não é bem assim. Não é raro o uso de parte de um desses períodos para colocar os processos em dia. Assim, na maioria das vezes, o magistrado trabalha parte desse tempo internamente para tentar reduzir a enxurrada de feitos que diariamente lhes são distribuídos. Aliás, hoje há 90 milhões deles em tramitação, segundo o CNJ.
Outro fato desconhecido pelo cidadão é o de que o magistrado recebe processos até um dia antes do início de suas férias, com pedidos de urgência (liminar) ou não, sendo imperioso continuar trabalhando durante o início das férias, pelo menos, para despachá-los, sem mencionar que, em todo o período, os processos ficam se avolumando nas secretarias, aguardando o retorno do magistrado. Assim, findo o descanso, além da distribuição normal do mês, o julgador recebe todo aquele acervo da secretaria. Portanto, trabalho em triplo no retorno.
Como se vê, a visão simplista e tendenciosa perenemente adotada quanto ao Poder Judiciário, no que diz respeito ao tema remuneratório, e que o caracteriza como um mal, em nada contribui para a discussão do tema, pois se apresenta sem clemência e ciência exata das regras constitucionais e infraconstitucionais que norteiam o Judiciário. Assim, sigamos enfrentando as dificuldades históricas.
Marcelo Buhatem – Desembargador do TJRJ e presidente da Associação Nacional de Desembargadores (ANDES)
Crédito: Marcello Casal Jr./Agência Brasil - JOTA
Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!