Assine nossa newsletter e fique por dentro de tudo que rola na sua região.
De um lado, baixos índices de vacinação infantil contra Covid-19 no Brasil (23,31% da população entre cinco e 11 anos). Do outro, fake news e dúvidas sobre a obrigatoriedade da imunização: a vacinação é obrigatória? Um filho pode ser vacinado se um dos pais não concordar? O que diz a lei e qual o posicionamento da Justiça para essas e outras situações?
Especialistas respondem essas e outras dúvidas que atrapalham o sucesso da campanha de vacinação contra o novo coronavírus.
Veja a lista das questões a seguir, e na sequência, todas as respostas:
A vacinação contra a Covid-19 para crianças é obrigatória?
Qual o ponto que é usado para levantar dúvidas sobre a obrigatoriedade?
Quais os estatutos e leis brasileiras tratam deste tema e o que dizem?
A obrigatoriedade da vacina está em debate em instâncias superiores da Justiça brasileira?
Um estado/município pode obrigar a vacinação infantil contra Covid?
Os pais estão sujeitos a quais sanções e penalidades caso não vacinem os filhos?
Qual o papel dos pais e responsáveis quando o assunto é a imunização dos menores de idade?
Um dos pais diz SIM para a vacina e o outro diz NÃO. O que fazer nesse caso?
Uma criança pode optar por não se vacinar, como citou Queiroga?
Alunos poderão ser impedidos de frequentar as aulas caso não sejam vacinados?
Pais podem pedir atestados que liberem os filhos da vacinação?
1. A vacinação contra a Covid-19 para crianças é obrigatória?
Ao menos duas leis em vigor no Brasil são usadas por especialistas e órgãos judiciais para afirmar que SIM, a vacinação é obrigatória:
A primeira é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que é um conjunto de leis em vigor desde 1990.
A segunda é a Lei 13.979/2020, que trata de medidas de enfrentamento da pandemia.
O ECA diz que a “vacinação de crianças é obrigatória nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”.
Já a Lei 13.979/2020 permite que governos locais podem definir medidas contra a Covid-19. A interpretação desta lei já foi alvo de debate no Supremo Tribunal Federal (STF), que reconheceu sua validade. Por isso, estados e municípios podem exigir a obrigatoriedade da vacina também com base nesta legislação.
Mentiras, como o boato de que vacina é experimental, afetam índices de vacinação infantil contra a Covid.
85% dos médicos ouvidos em pesquisa dizem que fake news atrapalham vacinação.
Conselho Nacional de Procuradores-Gerais de Justiça (CNPG), órgão colegiado que reúne os chefes dos Ministérios Públicos estaduais e do Distrito Federal, divulgou nota para afirmar que a “interpretação mais adequada” do artigo 14 do ECA em “nenhum momento exige que a recomendação da autoridade sanitária venha acompanhada de decisão a respeito de sua compulsoriedade”.
“Essa decisão [da obrigatoriedade ou não] não está no âmbito da discricionariedade [não depende] da autoridade sanitária (ministério, Anvisa ou secretarias), pois já foi antes definida por lei: uma vez recomendada para crianças, a vacina passa a ser obrigatória”, afirma a nota técnica.
Também em janeiro deste ano, o STF decidiu que os Ministérios Públicos dos estados e do Distrito Federal devem atuar para garantir que sejam cumpridas as regras do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) quanto à vacinação contra a Covid-19 de menores de 18 anos.
“Quando o STF fala isso, reforça o fato da saúde da criança ser tutelada de maneira imprescindível. Então está reforçando a atribuição do MP e do Conselho Tutelar”, avalia o defensor público federal, Thales Arcoverde Treiger.
Vacinação infantil: entenda os benefícios e saiba se há riscos
2. Qual é, então, o ponto que levanta dúvidas sobre a obrigatoriedade?
Especialistas apontam que a polêmica tem relação direta com a atuação do Ministério da Saúde.
Um dos pontos formais da dúvida está no fato de a vacina contra a Covid-19 ainda não estar listada no Programa Nacional de Imunizações (PNI), que coloca mais de 40 vacinas dentro do Calendário Nacional de Vacinação.
Atualmente, a vacina contra a Covid-19 está dentro do Plano Nacional de Operacionalização da Vacinação contra a Covid-19 (PNO). Esse programa foi criado especificamente para a pandemia e nada mais é do que um documento que normatiza e orienta profissionais de saúde sobre como será organizada a campanha de vacinação contra Covid-19.
“Não tem como ela (a vacina) estar no PNI ainda, porque não temos vacina suficiente e porque não temos o esquema vacinal definido. Ela entrará no PNI quando soubermos qual é o esquema vacinal - serão duas, três doses? Também pode ser que ela entre, mas sem ser (apontada pelo ministério como) obrigatória, como é o caso da vacina da gripe”, explica Daniel Dourado, médico e advogado do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP.
A epidemiologista Carla Domingues, ex-coordenadora do PNI, diz que não foi a obrigatoriedade que fez com que o PNI se tornasse um dos programas de vacinação mais exitosos do mundo, mas sim a capacidade do SUS em conseguir levar a vacinação a todo o cidadão brasileiro.
“Não foi a coerção ou sanção que garantiu a adesão da população às ações de vacinação, mas sim uma comunicação eficiente que sempre esclareceu que vacinas salvam vidas”, afirma Domingues.
É justamente no tópico "comunicação eficiente" que especialistas criticam Ministério da Saúde e do presidente Jair Bolsonaro, que insistem em apontar que "vacinar as crianças é uma decisão dos pais e responsáveis" e ainda sugerem que busquem recomendação prévia de um médico.
3. Quais os estatutos e leis brasileiras tratam deste tema e o que dizem?
Os especialistas ouvidos destacam os seguintes marcos legais:
Consituição
O artigo 196 estabelece que saúde é direito de todos e um dever do Estado. Já o artigo 227 diz que é “dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde”.
A Lei 6259/1975, que cria o PNI
O programa define quais vacinas devem fazer parte do calendário nacional de vacinação do Ministério da Saúde.
O ECA (Lei nº 8.069)
O artigo 14 prevê que é “obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Essas autoridades sanitárias são os órgãos responsáveis pelo sistema de saúde da União, Estados e Municípios, ou seja, os ministérios e as secretarias da Saúde.
A Convenção da Unicef sobre os Direitos da Criança, de 1990
Maristela Basto, professora de Direito da USP, explica que a Convenção Internacional sobre os Direitos das Crianças da ONU/Unicef, ratificada por mais de 196 países (incluindo o Brasil, desde 1990), estabelece que todas as crianças têm direito à saúde. Segundo ela, o país que ratificou essa convenção tem a obrigação de garantir o direito à saúde das crianças.
"O ECA é inspirado nesse instrumento. Ele mantém relações estreitas com essa convecção que o antecede e lhe dá fundamento", diz.
"Violar a Constituição, a Convenção da ONU e o ECA acarreta tanto responsabilidade para o Estado quanto para os pais e responsáveis", explica Maristela Basto, professora de Direito da USP.
4. A obrigatoriedade da vacina está em debate em instâncias superiores da Justiça brasileira?
No fim de 2020, o Supremo Tribunal Federal decidiu que a obrigatoriedade da vacinação é constitucional. Com a decisão, estados, Distrito Federal e municípios têm autonomia para estabelecer regras para a imunização.
“Isso não significa que exista a possibilidade de vacinação forçada”, ressalta o defensor público Thales Treiger.
“Os municípios podem criar restrições para pessoas não vacinadas, como por exemplo, a proibição de não vacinados irem à cinemas, compareçam a shoppings, bancos, lojas ou até acesse o transporte público”, avalia o defensor público Thales Treiger.
5. Um estado/município pode obrigar a vacinação infantil contra Covid?
Sim. A lei 13.979, sancionada em 2020, permite que os governos locais tracem medidas contra a Covid-19, incluindo a vacinação, mesmo sem aprovação do governo federal.
“Tivemos esse reconhecimento no passado no Supremo Tribunal Federal. Os governos locais podem criar regras. Partindo desse prisma, estados e municípios têm esses poderes. Se estiver dentro do programa, eu entendo que esses gestores podem fazer a exigência”, diz o advogado Renato Almada, sócio do Chiarottino e Nicoletti Advogados, especialista em Direito de Família.
Em outubro do ano passado, por exemplo, o governador de Pernambuco, Paulo Câmara, sancionou uma lei obrigando a vacinação contra Covid-19 para todos os funcionários públicos do estado. Em São Paulo, o governador João Doria tomou a mesma decisão em janeiro de 2022.
6. Os pais estão sujeitos a quais sanções e penalidades caso não vacinem os filhos?
O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê pena de multa de três a vinte salários de referência (podendo ser o dobro, em caso de reincidência), quando os genitores descumprem deveres inerentes ao Poder Familiar.
O professor de Direito Constitucional da FGV-SP, Roberto Dias, explica que, quando o imunizante é recomendado pelas autoridades sanitárias, o ECA estabelece que o descumprimento dessa obrigação por parte dos pais ou responsáveis pela criança pode resultar na aplicação dessa multa.
“Nos casos de descumprimentos, o Conselho Tutelar e o Ministério Público podem ser acionados para fazer cumprir essa regra. Se, mesmo com a multa, os pais ou responsáveis não levarem a criança para ser vacinada, é possível a instauração de processo judicial por iniciativa do MP para exigir que isso ocorra”, ressalta Dias.
Nessa situação, uma das possíveis penas é a suspensão do poder familiar e, em casos extremos, a perda desse poder. No entanto, Dias avalia que esta última é uma medida “mais drástica” e “muito improvável”. “Não vi acontecer até o momento”, acrescenta. ‘Muitas vezes a criança convence o pai de tomar a vacina’, diz Croda
7. Qual o papel dos pais e responsáveis quando o assunto é a imunização dos menores de idade?
Segundo o Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, “cabe aos pais no exercício do poder familiar efetivar a vacinação de seus(suas) filhos(as) menores de 12 anos, não lhes cabendo, sob o pretexto de invocação de convicção filosófica ou de outra natureza, colocar em risco a saúde das crianças".
"Quem tem a tutela e guarda da criança tem a obrigação de levá-la para vacinar. A responsabilidade dos pais é levar a criança", reforça Daniel Dourado.
8. Um dos pais diz SIM para a vacina e o outro diz NÃO. O que fazer nesse caso?
Em Campo Grande, o pai de uma menina de 9 anos levou a filha para se vacinar contra a Covid-19 escondido da mãe. De acordo com o homem, ele e a ex-esposa têm a guarda compartilhada da criança. A mãe da criança é contrária à vacinação. Ao contar sobre a imunização, ele foi ameaçado de nunca mais ver a menina.
Carolina Bassetti, advogada especialista em direito de família, explica que, além da vacinação ser um direito previsto no ECA, a lei ainda estabelece que tanto nos casos de guarda compartilhada, quanto de unilateral, pai ou mãe tem autorização para vacinar os filhos mesmo sem o consentimento da outra parte.
“O genitor que desejar vacinar seu filho não precisa pedir autorização judicial para tanto, ainda que haja conflito entre os genitores, e mesmo que se faça necessário acionar a Justiça a regra é que se tenha uma decisão a favor, pois o Judiciário Brasileiro é pró-vacina”, diz Bassetti. Daniel Dourado concorda e acredita que, em uma briga na Justiça, provavelmente o responsável pró-vacina não perderá a guarda. “Se um dos genitores for contra, eles podem até brigar na justiça e quem vai definir é o juiz. É improvável que esse genitor [que vacinou] perca a guarda.”
9. Uma criança pode optar por não se vacinar, como citou Queiroga?
Em conversa com jornalistas na última terça-feira (8), o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, disse que crianças precisam ser convencidas a se vacinar. “Ninguém vai pegar uma criança à força e ir lá aplicar uma vacina com uma criança berrando”, disse.
O infectologista Renato Kfouri, presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria, discorda da fala do ministro e diz que os pequenos não têm autonomia para tal decisão.
"Faz parte da responsabilidade dos pais propiciar as ferramentas de promoção de saúde e a vacina é uma delas. As crianças devem ser vacinadas a despeito delas gostarem ou não. O momento da vacinação deve ser o mais acolhedor possível, claro. Mas não se pode negar o benefício por causa de alguma dificuldade de aceitação", afirma Kfouri.
10. Alunos poderão ser impedidos de frequentar as aulas caso não sejam vacinados?
Segundo o entendimento do CNPG, NÃO.
A nota técnica divulgada pelo Conselho diz que, ainda que escolas de todo o país, públicas ou privadas exijam a carteira de vacinação completa, o direito de matrícula, rematrícula e frequência no ambiente escolar não poderá ser negado àqueles que não cumprirem tal exigência. O mesmo vale para a vacina contra a Covid-19.
Nesses casos de descumprimento, o CNPG ressalta que as instituições de ensino devem providenciar notificação aos órgãos competentes, em especial ao Conselho Tutelar, mas que, em nenhuma hipótese, isso poderá acarretar na ”negativa da matrícula ou [na] proibição de frequência à escola, em razão do caráter fundamental do direito à educação”.
"O aluno não pode ser impedido de ter acesso à educação. Escolas particulares, por exemplo, podem criar aula à distância, por vídeo. Já a escola pública não tem essa estrutura. Não dá para negar o acesso à educação. Dependendo da lei que estiver vigorando [no estado], a escola pode pedir o comprovante", completa Daniel Dourado, médico e advogado do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da USP.
11. Pais podem pedir atestados que liberem os filhos da vacinação?
Se a criança não tem nenhuma recomendação para não tomar a vacina, NÃO. Pedir um atestado contra a vacina sem comprovação médica é crime. Caso a criança não possa ser vacinada por alguma recomendação médica, é claro que isso deve ser respeitado.
Ao aprovar a vacinação, a Anvisa não apontou nenhuma restrição geral para a vacinação. Atualmente a Pfizer está liberada para todas as crianças a partir dos cinco anos, e a CoronaVac a partir de seis anos, desde que a criança não tenha baixa imunidade (imunossuprimidos).
No caso, o veto ao uso da CoronaVac em imunossuprimidos tem relação com uma necessidade maior de proteção, e não por risco associado à vacina. Os especialistas são unânimes em apontar que nem mesmo seria necessário buscar recomendação prévia, e que não há restrição em geral para a vacinação das crianças para nenhum público.
Não há por que pedir autorização para médico, levar receita, de jeito nenhum. Todos devem ser vacinados, não precisa de prescrição. Aliás, a única recomendação é para quem tem uma imunossupressão, não é comorbidade, que aí tem que dar preferência à Pfizer", explica Renato Kfouri, infectologista e presidente do Departamento de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria. (Do G1)
Nenhum comentário. Seja o primeiro a comentar!